Por querer
apagou a última luz.
- Eu só
quero te ver, acostumar os olhos no escuro -, jogou as palavras desordenadas
mas conexas. Dando a ideia, aquela ideia, de que ela não saia da sua cabeça.
– Na cabeça
não. Coração. A corrigiu quando ainda era só a voz, enxergando com as mãos.
É no passado que se conjugam os verbos de amor. E amaram, cada
qual com seu peso, medida e ideal de algo que talvez nem exista. Algo que
talvez a gente pensa que, até sentir mais forte e rir daquilo que um dia fora quando
um novo acorda. A corda, que amarra, enforca. Faz tirar os pés do chão, torna
vulnerável, palpita o peito, faz desejar a morte. Ou a vida plena!
Lembrou que tinha um coração,
que não havia enterrado como as outras lembranças. Foram. Eram dois na tentativa de equilibrar
aquilo que os faltaram como um. Mas somente se equilibra o dois quando este se
torna único, uno em sua totalidade, ou três: positivo, negativo e neutro.
- Do que você está falando?
- De equilíbrio, me deixa. E
deixou. Pouco tempo depois, sem tempo para despedidas, sem avisos prévios, sem
discussão ou paliativos para a raiva ou esperança. Aquele “eu te odeio” não deu
tempo. Só doeu. Sem ódio, sem texto, sem o último olhar... Deitava com suas peças de roupas para chorar
até o cheiro dela acabar. Até o nariz afundar e não encontrar.
– Até quando? O largou menos na
esperança de um até mais. Mas esse mais, jamais.
Ela nunca o amou no presente. “Te amei”, repetia, porque ontem
era certeza, era perfeito quando lembrava o sentimento e fazia assim o verbo. “Te
amei” quando se despediam porque podia ser a última vez, ela brincava. Ele sempre
sério, às vezes sem entender a conjugação dos tempos e a importância das
lembranças e das palavras.
- É presente! Se entregava embrulhado num papel estampado.
- Então, já que você é m’eu amo’, conjugava, vai fazer o que
eu mandar. Ria e brincava e eram. Porque também foram quando ela dizia “te amei”
no pretérito e ele enfurecia em dúvidas e escárnios.
Quando deixava as flores como sempre fazia há alguns meses, relia
sempre em voz alta, só pra ele, o “te amava”. Aquilo poderia soar frieza, mas
suava emoção. Nunca a perdoara pela traição do abandono repentino, mesmo sem
culpados, foi o necessário para mantê-lo são. Transformar a perfeição do
passado em amor imperfeito pra tentar esquecer... Pelo menos no verbo. Mesmo
sem saber o que é direito amor, se é perfeito, e quem definiu isso. Mesmo ela
sendo a “garota atemporal”, como ele dizia, que não vivia o agora, só o antes e
o que ainda não veio.
Tudo no pretérito imperfeito que tiveram, que ainda está lá,
mas que não dá mais pra ser agora, só quando chegava em casa, apagava a última
luz para acostumar os olhos no escuro, para vê-la e tê-la mais um pouco, cada
vez menos, sem saber até quando.