parte II
Estava na hora de partir. Não era mais o momento de sorrir ou de conversar. Estar ao meu lado deixou de ser o suficiente. Isso, se algum dia foi. Você não me ouvia mais. Você não queria ser ouvido. Sentávamos em silêncio, nas raras vezes que nos víamos. Minha companhia não era desejada, a de ninguém era. Cada dia mais recluso, eu tentava contato. Depois de tanto tempo, meu coração partia por não escutar sua voz, seus pensamentos.
Mas sim, querido, eu entendo.
Meses passaram e nada de você. Se eu te ligava, você não me atendia. Seus pais estavam cansados de ouvir meus pedidos para falar com você. E nenhuma explicação. Eles sempre me diziam que você não estava bem, que não queria falar com ninguém. Decidi ir à sua casa. Implorei muito para poder entrar. As saudades falaram mais alto, mas não me prepararam para o que veria... nem acreditei. Você estava tão quieto, tão imóvel. Seus pais me contaram que estava cada dia mais silencioso e um dia você simplesmente se calou. Ficava horas sentado, olhando para o nada. Totalmente catatônico, alheio ao mundo e a todos. Alheio a mim. “Sem volta”, ouvi. Controlei meu choque e sentei com você por alguns minutos, mas fiquei com medo e fugi.
Dias passaram e eu entendi. Voltei à sua casa, agora armada com a chave que um dia você me deu, caso eu precisasse. E que hoje preciso tanto. Você estava em seu quarto, como sempre. Parado. Nem notou quando entrei... talvez nem mesmo tivesse me reconhecido. Depois de anos, seu silêncio e indiferença doíam.
Mas sim, querido, eu sei que não é sua culpa.
Seus pais não estavam. Mas mesmo se estivessem, não faria diferença. Você havia se tornado um fantasma para eles, uma sombra desapercebida, sendo que tudo o que você mais queria era atenção.
Mas, querido, pare de bobagens!
Claro que eu ainda me importo.
Você sempre teve meu mais sincero carinho.
Deitamos. O copo estava cheio, as cartelas lacradas.
Ficarei aqui até você adormecer, não estará sozinho.
O quê?
Sim, tudo está organizado, planejado.
Não se preocupe, eu pensei em tudo.
Você sabe que pensei, que é para seu bem.
Você mesmo me pediu, não se lembra?
Ah, você sempre foi muito esquecido.
Eu tinha me feito acreditar que queria minha ajuda. Sussurrando no meu ouvido, você me pediu, docemente.
Não, você está louco? Pare com isso, é sério.
Não!! Não vou ouvir suas tolices.
Não estou ouvindo, la la la la la la.
Mas querido, eu não posso. Não, nem por você.
Eu já disse, você sabe que não sou capaz.
Chantagem emocional não vale.
Mas é claro né... só quero seu bem.
Mas você não entendia nada. Não sabia o que aconteceria ou porquê. Como poderia entender! Estava mudo e indiferente e eu nunca saberei a razão.
Eu podia ter feito tanto por você.
Ter estado mais presente, ter sido mais empática.
Eu estive lá por você? Se não, agora estou.
Sempre foi difícil negar pedidos seus.
E dessa vez, não negarei.
Você está orgulhoso de mim?
Você não me respondia. Nem me olhava quando falava com você, quando encostava em você, quando gritava no seu ouvido... nem mesmo quando chorava nos seus braços. Eu não podia mais te ver assim.
Chorando fiz você tomar. Copo vazio, cartelas rompidas. Você dormiu no meu colo, como um dia sonhei, tão azul... tão azul...
[Foi o melhor. Eu repetia, foi o melhor. O melhor, sim, foi. Repetindo... foi o melhor.
Eu dizia de novo, o melhor. Foi o melhor. De novo. Melhor assim, repito.
Repito. Melhor. Assim foi, melhor. Foi...]
4 comentários:
foi esse o futuro que você leu em minhas mãos?
ficou bem sutil alice, como você.
teria msm coragem de fazer algo assim?
"eu tinha me feito acreditar que queria minha ajuda"
eu me faço acreditar que sim, mas no fundo sei que não ) ;
Texto ótimo. Como disse o Yuri.. sutil.
As falas ficaram ótimas em especial as finais (com fonte menor).
keep writting...
obrigada : )
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