Acordei com o dia escorrendo no vidro da janela, mas já não chovia mais e o Sol brigava com as nuvens para se exibir. Ainda deitado no sofá da sala, inclinei a cabeça um pouco pra trás e vi a lâmpada do abajur acesa em vão no dia. Sentindo o corpo cansado e marcado de horas atrás, não quis levantar, mas o relógio anunciava o intervalo do meu sonhar.
O cheiro de mijo, morte e cigarro tomava conta da manhã. Fazia tempo que Allan não aparecia, estava maior, crescido, seguro como sempre com aquele olhar confiante, melancólico e disperso. Nunca o vi dormir, mas está sempre em outro lugar. Estático em pé no quintal, decorava o cenário, mas não fui falar com ele.
Meus pés descalços desviavam os passos naquela cena pós-guerra: cinzas, caximbos, seringas, bitucas, garrafas, latas, papéis, vômitos, restos... Reparei que um não respirava. Um amigo – outro. Não reagi. Allan veio e me abraçou e isso foi tudo que podíamos fazer. Acho que o abraço foi pra saber se estávamos vivos, aqui presentes em carne e osso, sabe?! Tudo pode ser tão confuso quando se usa tanta coisa toda hora que às vezes sinto como se nada disso fosse real, e penso que talvez esse seja o ponto da coisa toda, ultrapassar barreiras. Senão... Se essa destruição é somente fuga... Hoje um não acordou.
Meu estômago pedia sólido pra tentar completar os vazios. Nosso café da manhã era as sobras daquele passado no fundo de uma garrafa, na raspa de um pó e na pontinha de um beque sujo de batom. Peguei algumas coisas que mortos não precisam e fui embora, enjoado com a claridade, enjoado de ter que despertar mais um dia como alguém que nunca descansa, que não folga as dores com risadas, que não sente machucar as perdas. A anestesia que as drogas sustentam só deixam sentir os músculos amassados e as marcas inflamadas em veias estouradas. E as portas abertas no cérebro fazem da vida algo tão passageiro, deslocado e sem graça quanto pessoas num ônibus lotado.
O vento fresco das oito me dava atenção pra tentar me carregar praquele dia, pra hoje, pra mais pra frente... mas me sinto como a luz do abajur.
Um comentário:
A luz do abajur pode ser em vão, a sua, não!!!
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