O barulho do isqueiro
anuncia mais um trago. Puxa. O brilho laranja intensifica a cada inspirar. Nos
lábios, o gosto amargo se mistura com o ferro que o sangue tem. Se morde, deixa
marcas até sentir na língua o gosto. Se machuca por que se necessita.
A fumaça se espalha por dentro.
Segura. Fecha os olhos e se lembra do que é. Jogado no quintal, se escondendo
da luz do poste que invade amarela. Num canto escuro de suas pálpebras, se vê
menino, recorda do que é e do tempo cada vez mais no fim. Se. Solta.
Expele nuvens de seu pulmão
que cobrem a lua cheia. Assopra nas primaveras, de um rosa tão forte que é
quase vermelho, como se ficasse gastando o lápis numa única parte. Até não ter
mais lápis pra apontar. Até não ter mais lugar.
Sangra, quando ninguém vê, se
devora. Desaparece devagar, se mistura na fumaça. Evapora. Porque está pesado
demais, inválido, vencido. Quer chorar e
não consegue. Quer gritar e não consegue, tem medo de perder o controle de vez.
Basta os cortes, a carne, as depressões, traumas e frustrações. Quis dizer
basta. Não disse.
Quando dorme, vai pra longe,
porque aqui não basta. Simplesmente não dá mais. Quer dizer adeus, nunca sai. Tentou
acreditar que seria diferente, que agora estava mais estável, mais coerente...
Mas só ignorava as confusões, ou explicitações que lhe gritavam que aqui não
satisfaz. Foi o monstro embaixo da cama, porque é o seu inconsciente
inconsequente quem diz quem realmente é. Se sente um velho que não viveu, mas
que também não quer.
2 comentários:
"Às vezes eu olhava minhas mãos e compreendia que podia ter sido um grande pianista. Mas o que tinha feito minhas mãos? Coçado o saco, preenchido cheques, amarrado os cadarços, puxado descargas de banheiro, etc. Desperdicei minhas mãos. Desperdicei minha mente..."
Pulp, do Bukowski.
muito bom key.
quanto mais se desperdiça quando se chega à velhice sem chegar?
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