Um dia, em 1992, vi os tristes olhos de minha mãe entrando na sala. Com meu irmão no colo, em uma das pernas, e eu, na outra, ela nos contou que Clara, nossa cachorra, tinha morrido. Ela não ia voltar, esse tanto eu entendi, mesmo sendo um toco de gente. O que não pude agüentar eram os olhos chorosos da minha mãe. Abracei-a e disse “tudo bem, mãe. A gente arruma um leão ou um urso”. Foi tudo que minha maturidade pôde proferir. Se minha mãe sorriu ou se me achou tola, não sei.
Já em 1994, na primeira série, encontrei uma joaninha laranja na cortina da sala de aula e, não sei como, a trouxe para casa. Coloquei-a num vaso e fui chamar meu pai para me ajudar a cuidar dela. Passamos a tarde procurando livros sobre insetos para descobrir como alimentar a pequena. Não lembro seu nome, mas tenho certeza que a batizei. Por fim, achamos as folhas certas para alimentá-la, mas era tarde. “Pai, ela não tá se mexendo”, suas patinhas estavam duras. Ela tinha morrido. Meu investimento emocional tinha sido tanto, mesmo tendo sido por apenas algumas horas, que fiz um túmulo, com cruz e epitáfio. Enterrei-a no vaso e a contemplei com flores. Eu nem 7 anos tinha.
Em 1995, minha bisavó (que faria 115 anos hoje) faleceu. Desse fato, não lembro nada.
As lembranças, porém, das mortes dos meus inanimados amores estão sempre a me perseguir. Suas mortes pesam muito, muito mesmo, até hoje. Sinto a culpa dos assassinatos nas imagens congeladas do passado. Creio que nunca vou esquecer suas faces... mesmo se não tinham faces, mesmo sendo só uma pedra ou um barco de papel. Mas tenho o pequeno conforto da certeza de ter feito suas mortes mais brandas e menos sós o possível.
Agora, vivo o conflito de me importar mais com as despedidas dos objetos e animais... e nem ao menos lembrar a morte da minha bisavó. Eu gostava muito dela, de verdade. E talvez eu só recorde a morte do meu tio por ter sido há apenas 3 anos. Espero que não, mas sinto que pode ser verdade.
Hoje, deixo meus pesos e pesares em pensamento e coração.
[Por cada maldade de criança com a Clara...
Pelas minhas unhas cheias de terra...
Pelo colo da minha bisavó...
Pelos pensamentos despertos pelo meu tio...
E pela minha neurose].
2 comentários:
e eu já não lembro mais da voz dele...
:'(
Unhas sujas de terra, nossas mãos sujas.
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