29 de maio de 2008
Morada Boa (Bring the Noise)
O silêncio é a vontade de gritar.
Acordou num lugar calmo, escuro, cercado de sujeira. Não se lembrava do que havia acontecido para estar ali, tampouco sabia onde estava. Não disse um "a". Calado e tenso como um animal cercado, tentou se levantar.
Tentava sair mas algo o impedia. Era como se uma vontade inconsciente de ficar o prendesse, como se aquela felação fosse a redenção que esperou a vida inteira. "Aqui se faz, aqui se paga. Enfim, terei minha liberdade", pensava ao mesmo tempo que seu corpo relutava por instinto e quase sem forças. "Deve ser algum tipo de droga - Eles devem ter me sedado". Quando pensou em gritar, foi em vão, pois algo como Benny Benassi tocava bem alto. Lia-se em seus lábios "Benny, seu traidor! BENNY TRAIDOR DUMA FIGA!"
Cachorros assistiam a tudo como se fosse parte do ritual, lambiam as partes encolhidas do pobre infeliz enquanto este chorava. "Calma, podia ser pior, eles podiam morder", ao que um começa a rosnar. O corpo nu franzino desprovido de cor agora era uma extensão do corpo de outro homem. O Homem habitava a sala espalhando o terror ao mesmo tempo que trazia uma proteção paterna. "Pára pai, eu serei um bom menino, eu vou me comportar. PAI, PAAI!" ... Lembranças paternas indesejáveis.
Quanto mais chorava, mais sentiam prazer. A música, os gritos, os latidos, as risadas. Em pé, arrombava por trás o pobre virgem sem medo nem vergonha enquanto punhetava seu pau em riste. "Você gosta né?! Eu sei".
Estradas vermelhas de mão única eram feitas com as unhas cravadas na barriga e no peito. "Não se faça de tão vítima, seu taradinho". O que mais fazia chorar era realmente sentir prazer no estímulo da próstata enquanto estava empalado no Homem; e não segurar o gozo. Não há como segurar o gozo. O ápice do dia, explodiu a porra feito mangueira entupida. O Homem ria enquanto o garoto suava e se contorcia. "Agora é a minha vez."
Acordou com as pernas escorridas de merda, sangue e porra. Tinha merda, sangue e porra em seu rosto, em seu cabelo, no colchão... Aquele cheiro que ele nunca mais vai esquecer; que vai permanecer após o banho mais demorado com as ervas mais perfumadas e finas. Os cães dormiam ao seu lado, no meio àquela - pausa para a cara de nojo - sujeira toda. Não disse um "a". Calado e tenso como um animal cercado, tentou se levantar.
27 de maio de 2008
Exit Music (For a Film)
Lembrei do meu último amor
Os estragos desfaziam meu coração
A noite se liquefazia sem cor
Você estava ao meu lado
Mas não foi minha culpa
Mas já era tarde demais
19 de maio de 2008
Ex-pressão
Nada com que expressar,
Nada a partir do que expressar,
Nenhuma possibilidade de expressar,
Nenhum desejo de expressar,
Aliado à obrigação de expressar"
(Samuel Beckett)
***
O que era antes desejo não se tornará obrigação.
Assim estou e assim ficarei.
17 de maio de 2008
o-9 [nota:]
Pílulas coloridas caem do céu. "Ihhh, tá chovendo, não esquece o guarda-chuva". Nunca simpatizei com guarda-chuvas, saio de boca aberta encarando as nuvens, elas são o mapa dos tolos. Ruas vazias e vento gelado. Algo tira minha atenção e quase beijo um poste, mas agora nem lembro mais o que era. Hoje não teve gato cruzando meu caminho, tampouco algo para pincelar. O céu tá cinza e cheio de pontos coloridos desabando do paraíso. Me sinto aconchegante em tudo isso. Mesmo assim, me falta ar.
Meu peito acordou dolorido, culpa da minha cabeça. Não dormi direito pensando em tudo, tentando não pensar em nada, a não ser na voz rouca cantando All is Loneliness pra mim. Tudo se desfez na chuva que me trancava em casa, que evitei tomar por tanto tempo, mas que me fazia livre. O elevador quebrado, a máquina de café igualmente a me ignorar, quebrada. Mas hoje foi diferente. Não teve gatos e achei minha corrente da sorte. Hoje foi diferente porque saí juntando os cacos e colando um a um numa carta.
15 de maio de 2008
Sünzp0ts
Eu n~ deveria ouvir e não deveria ir embora. mas eu vou e nunca volto ponto Espera e èspéra sentada. Eu sempre vou e nunca volto ponto Eu sempre fico quando deveria ter ido. O SOL descola nossa pele e queima tudo por dentro. Borbulha o sangue que tempera a carne. Vamos queimar até derreter e voltar a ser solo. Vamos foder no incêndio e espalhar nossas cinzas. Eu - eu quero matar o que sobrou. E eu vou. )e nunca volto.) w
Nada pode impedir porque não tenho nada a temer. Agora eu encaro o Sol, olhando em seus olhos (U-AU) ,Bebe minha água e me deixa morrer. Agora vejo tudo que eu fiz. Eu falhei te fal(h)ei _ tô falando. Eu poderia ter sido alguém, mas não posso impedir o que já começou - já não tenho medo, isso não é segredo - quando tudo está pronto e feito, e não há pra onde ccorrerr. Eu realmente acho que poderia ter sido algu´´em. Más agóra eu só encaro o Sól.
11 de maio de 2008
Sem colo de mãe hoje
9 de maio de 2008
O-9 [reeditado]
Tropeços pelo caminho não contam, acontecem todo dia, toda hora - Ops! O elevador estava quebrado - só seis andares. Só! O 13º é abandonado e tem um terraço secreto, fui lá guardar meus segredos. Subi no parapeito e o vento me fazia dançar. "Hoje não, meu filho. Cair é fácil, difícil é ficar aqui em cima". Vou à máquina de café - Um espresso, por favor [pedi assim com s mesmo - blasé]. Ela não me respondeu - Alooôu, esssspresso! - me ignorou, estava quebrada.
Minha companhia matinal de garras vermelhas, meu peito solitário tão cheio... cheio. (De quê?). Meu coração estilhaçado. Nosso, espalhado e misturado no chão da passagem, grudando na sola dos transeuntes. Percebi que estava sem a minha corrente da sorte. Todo mundo sabe da minha corrente da sorte. - Oi, você viu minha corrente? Oi, minha corrente? Não?...Ela é da sorte.
Perguntei e ninguém respondeu. A história não pode se repetir. Os dois gatos cruzam meu caminho novamente. Olhava à minha volta, tudo estava quebrado.
[Futuro, passado... Fui eu.]
7 de maio de 2008
Yellow Light, Yellow Heat*
Lentes amareladas o faziam enxergar tudo diferente, distorcidamente belo. O faziam mais visível, embora se sentisse transparente. Embora se sentisse corajoso, sem ego. Carros coloridos e vozes e guardanapos engordurados de pastel faziam a paisagem. O Sol estava muito mais próximo naquele dia, encarava-o sem desviar o olhar, e sentia que podia tocá-lo. O Sol se viu pela primeira vez nos olhos daquele.
Corria. Sem rumo algum, parou e a ficha então caiu. Sentiu que podia encostar na música, podia vê-la e enxergar suas cores, podia ver o vento e suas vontades. No meio de tantas cores que seus óculos permitiam enxergar, se viu inóspito, projetado fora de seu corpo, estático e incolor. Folhas de jornal dançavam a sua frente, seus cabelos esvoaçavam e o vento tomava suas mãos. Ouviu as vozes uivantes dizerem.
Falava quando não havia assunto, quando todos prestavam atenção à outra coisa. Falava sozinho e tudo bem, não esperava resposta alguma. Porque tinha seus óculos, e com eles não havia sombra alguma, e enxergava o tudo à sua maneira. Com as lentes amareladas, via o mundo como o mundo jamais o enxergaria. Sorria e chorava diferentes cores feitas de lágrimas psicodélicas.
[Com aqueles óculos escondia o olhar, mas não deixava de ver. Foi naquela tarde ensolarada que pôde enxergar tudo diferente. Com as ruas vazias, cheias de lixo e cheirando comida, sem fé e sem fome, se entregou à Morte.]
3 de maio de 2008
Desiguais
já faz tanto tempo
seus olhos sempre atentos,
desiguais
sua boca me atacando sedenta
tudo se move em câmera lenta
e se eu disser
que não te pertenço mais
unhas café em pele sulfite
marcam minha carne triste
do jeito que eu sempre quis
unhas café em pele sulfite
marcam minha carne triste
me fazendo um pouco mais feliz
você sempre precisou de atenção,
só pra dizer que não
eu não te quero mais
não te quero mais
te quero mais,
te quero mais
somos tão iguais
eu te quero mais
mas somos desiguais
-
Protection
Aquela manhã foi algo especial. Era a primeira hora da manhã quando ela apareceu. Nunca direcionou as conversas para ela mesma, tampouco falava de assuntos pessoais. Isso não, nunca e jamais. Quando se despia era o máximo de sua intimidade que alcançaria, que ela me permitiria. De carne tão macia, eu queria mais do que o doce que oferecia, eu queria o amargo - "Diga-me algo". Eu me satisfazia em sua carne e com poucas palavras de você, ficaria satisfeito. Mas não tem jeito. Me contentava só com o silêncio que ela fazia.
Me pediu confiança, "eu confio". Depois me pediu arrependida para que eu não confiasse mais em seu olhar que contrariava os lábios sem que ela soubesse. Até o coração ela segurava, mas seu olhar a entregava. Eu fingia que de nada sabia. Eu confiava, sempre o fiz por entendê-la mesmo sem nada entender. Ela não reclamava. Gemia, gemia...
Aquela manhã foi algo especial. Chegou me fazendo abrir um sorriso mental, pois era muito cedo para demonstrar qualquer emoção facial. Veio em minha direção como flecha na mira, como se corresse de uma explosão. Em meu colo repousou as feridas e se pôs a chorar, derreteu o coração. Não disse nada. Eu também não perguntei. Proteção.
"Eu tenho sua essência guardada em mim" -
"This girl I know needs some shelter
She don't believe anyone can help her
She's doing so much harm, doing so much damage
But you don't want to get involved
You tell her she can manage
And you can't change the way she feels
But you could put your arms around her"
- Massive Attack -
2 de maio de 2008
1 de maio de 2008
Próxima Estação/Companhia
Enjoado, tentei me convencer de que era a primavera minha estação favorita. Com todas aquelas flores e cores e perfumes. O gosto doce e amargo da vida num pêssego fresco. Aí percebi os insetos e alergias. Percebi também que não havia ninguém para presentear com flores. Apodrecia com os frutos, a primavera já não parece tão favorita.
Eu gosto mesmo é do outono. É a estação fúnebre, de galhos secos e folhas mortas. O cenário cinza. Por vezes ensolarado, de vento gelado, de longas noites... A estação indecisa e controversa que faz o que bem entender, sem precisar seguir regras, a não ser destruir o que a primavera plantou. A vida precisa morrer, essa regra não foi eu quem inventou.
Do inverno nunca gostei, ele não tem coração. E tenta compensar com filmes ruins e fondue. Tem lá sua graça, mas também não é de toda graça. Tem lá seu charme. Lá, não aqui, porque é uma estação que precisa de dinheiro. Dinheiro e companhia para se esquentar embaixo do edredom, para suar como no verão, para presentear com flores da primavera e para morrer, como no outono.