Lentes amareladas o faziam enxergar tudo diferente, distorcidamente belo. O faziam mais visível, embora se sentisse transparente. Embora se sentisse corajoso, sem ego. Carros coloridos e vozes e guardanapos engordurados de pastel faziam a paisagem. O Sol estava muito mais próximo naquele dia, encarava-o sem desviar o olhar, e sentia que podia tocá-lo. O Sol se viu pela primeira vez nos olhos daquele.
Corria. Sem rumo algum, parou e a ficha então caiu. Sentiu que podia encostar na música, podia vê-la e enxergar suas cores, podia ver o vento e suas vontades. No meio de tantas cores que seus óculos permitiam enxergar, se viu inóspito, projetado fora de seu corpo, estático e incolor. Folhas de jornal dançavam a sua frente, seus cabelos esvoaçavam e o vento tomava suas mãos. Ouviu as vozes uivantes dizerem.
Falava quando não havia assunto, quando todos prestavam atenção à outra coisa. Falava sozinho e tudo bem, não esperava resposta alguma. Porque tinha seus óculos, e com eles não havia sombra alguma, e enxergava o tudo à sua maneira. Com as lentes amareladas, via o mundo como o mundo jamais o enxergaria. Sorria e chorava diferentes cores feitas de lágrimas psicodélicas.
[Com aqueles óculos escondia o olhar, mas não deixava de ver. Foi naquela tarde ensolarada que pôde enxergar tudo diferente. Com as ruas vazias, cheias de lixo e cheirando comida, sem fé e sem fome, se entregou à Morte.]
*Alusão referente à White Light, White Heat, do Velvet Underground.
Nenhum comentário:
Postar um comentário