Eu não tenho espaço fora do que ocupo. E se não bato mais, não existo mais. O mundo segue cego enquanto eu tento enxergar numa tempestade de areia. Se eu desapareço, nada muda, só eu. Minha impressão do mundo é a de um cobertor cobrindo tudo. Calos, desenhos, umbigo, unhas, olhares, cabelos. Tudo. No começo, esquenta. Depois sufoca. Não tem espaço pra mais de um (o cobertor é de solteiro). Às vezes eu acho que estou feliz aqui. Às vezes eu acho que continuo fingindo.
Sonho dolorido. Um sonho que sinto que caio, que sangro, que dói. Se chego ao topo, eu quero pular. Se pulo, tenho medo. Se não, não tenho nada. "Há uma terceira alternativa", ele me diz com uma voz que não se sabe de onde vem. Tento fugir. Não acordo, mas fico preso dentro de um corpo adormecido. Fora do sonho. Aqui dentro. É um momento duradouro, agoniante. Me esperneio e grito, sem sucesso, pra tentar sair daqui. Da minha cabeça. Do escuro. Sem eu, eu não preciso existir¹.
E eu sonhava todo dia só para encontrá-lo. Era minha única companhia embaixo das cobertas. Eu podia estar pelado, ter chifres ou olhos pintados. À ele só interessava a voz. E a minha era ausente. Se antes eu tinha uma voz, agora mal faço barulho. Às vezes o topo da montanha é só aquilo. O fim ou o começo. O chão grita lá debaixo a minha espera. E às vezes o medo impede que cheguemos ao topo. Se eu pulo, eu morro. Se eu fico, eu morro. "Há uma terceira alternativa", ele dizia.
Meu mundo azul, tão lindo. Via de cima o mar prateado brilhando como diamante derretido. Se me molho, é só água. Verde e salgada. Não aqui. Eu não tenho espaço fora do que ocupo. Todos temos nossos mundos particulares. Nossas imaginações absurdas e inexplicáveis. Aquilo que não existe palavra que descreva o que é, o que sente. Por mais alienado e tosco que seja o sr-humano, todos temos nossos mundos particulares. Sem janelas, sem muros. Sem intrusos, sem mapa. Às vezes você acorda, às vezes você morre. E às vezes, quando cai, você voa.²
(Eu continuo caindo, sem decidir. Cada vez mais perto do fim.)
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¹. Frase original de Milla Pupo: "Sem eu, ele não precisa existir."
². Extraído da "graphic novel" (adoro esse nome) Sandman: Fábulas & Reflexões.
7 comentários:
Nossa ...
"No começo, esquenta. Depois sufoca."
Essa sensação é frequente, sempre.
Gostei muito porque poderia dizer que o seu texto expressa a forma como me sinto muitas vezes.
E fico feliz que tenha gostado do que escrevi e que tenha usado para desenvolver idéias.
=]
Beijo
O mundo segue cego enquanto eu tento enxergar numa tempestade de areia.²
Sinto exatamente a mesma coisa.
Às vezes você acorda, às vezes você morre. E às vezes, quando cai, você voa.
Eu não acordo, não morro. Não caio, não voou.
É uma sensação estranha.
Seus textos sempre encontram algo que eu sinta/viva/veja.
É uma sensação assustadora.
Li o texto da Camila. Mas achei que seria ousado comentar qualquer coisa lá. E vai parecer clihê se eu disser que sinto novamente essa coisa que vocês tão bem descrevem.
É uma sensação confusa.
retificando: clichê
Como dimensionar a importância de ter um corpo para que ele caia?
às vezes é bom deixar outras pessoas entrarem no nosso mundo imaginário e darem uma bagunçadinha... faz a gente mudar nossa perspectiva interna
às vezez estou tão presa à mim que o que vem de fora me irrita.
Esse negócio do sonho é de verdade,né? Acho que vc já falou sobre isso comigo...
beijos
àS vezez é cruel. ÀS VEZES.
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