Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

30 de julho de 2010

Assombro

Aparece sempre ao fundo, em segundo plano. Risadas que eu não sei de onde vem, sussurros que eu nunca consigo entender, sombras que desaparecem quando eu olho. "Vão embora", eu digo a elas – então eu saio e me tranco pra fora. Bato na porta até minhas mãos sangrarem de tantos socos. Cansado, bato com a cabeça, uma. TUM. Duas TUM. TrêsTUM. QuaTUM. TUM...

Eles não saem. Eu permaneço.
Eu saio.

Me seguro em sentimentos que mantém o ódio vivo. Ninguém me deixa sozinho, ao mesmo tempo que percorro um deserto caminho de escuridão completamente tomado por almas fracas que se desfazem na tempestade de areia. Solidão. Todas as mentiras e traições me perseguem com raiva e dor e sofrimento das vozes no meu cérebro. Desperdiço vida a cada passo, a cada lágrima, a cada trepidar da voz, travada pelo nó que não desata. E a cada sorriso de um dia em que fui feliz.

E fico pensando, pensando, pensando... O quanto essa porra toda significa. Um segundo a mais é um segundo a menos no relógio do tempo. Mas só vou parar quando meu coração parar. E fico pensando, pensando, pensando... E a cada pensar, morro devagar. Uma morte leenta que vai tirando aos pouquinhos, me preparando para o grande final.

Eu estou pronto para partir, já não enxergo mais tão bem, com tanta lucidez. Constantemente eu combato as dores dentro de mim. Mas eu não consigo mais controlar, estou só perdendo meu tempo testando toda fé ao meu redor.

Eu só sou um idiota assombrado pelas próprias ideias.

6 de julho de 2010

Super-heroi


Eu não tenho nome fresco, nem sou tão inteligente quanto seu super-heroi. Talvez nem beije tão bem ou tenha a pegada tão boa quanto ele. Seus cabelos devem ser bem mais macios e de um enrolado bem mais organizado; e seu sorriso mais sincero com aqueles dentes brancos, completando o conjunto da obra na pele bronzeada e com olhar idealista de vigilante. Enquanto eu nem sequer tenho uma capa. Hahaha, como pode, eu não ter uma capa...?! [a minha é um mero pano amarrado.]

Eu sei que você não me admira como ele, não conversa comigo o que conversa com ele, mas te entendo, não tem motivos pra isso. É difícil, não tenho armas ou forças ou superinteligência para competir. Eu te entendo como deve ser fácil cair em seus braços e se deixar levar pelas conversas moles sobre seus outros herois. Ele também já vem de uma linhagem de herois, seu pai, o professor Xavier. Eu não moro sozinho num apartamento legal no centro da metrópole - moro em lugar nenhum cheio de gente e que não me pertence de nenhuma forma; e se for preso pelo inimigo, será por tráfico, por roubo, homicídio, qualquer besteira que não importa, não vai ser o seu orgulho de cárcere ideológico. Ele é tão charmoso, bonito e fala tão bem... E eu não tenho nem uma identidade secreta. Merda, preciso urgente de uma dessas.

Eu até gostaria de ser seu Superman, ter uma roupa bacana, estudar seus aliados e fazer parte da Liga da Justiça. Já tentei, mas falhei, falharam comigo. Acho que estou mais pra anti-heroi. No fundo, sei que estou mais pra alguém que não acredita em nada disso, que não faz parte de grupos, não tem superpoderes nem superinteligência - porque eu não consigo, não sei, tá bom? Mas eu gosto de fingir que gosto de ser assim, um outkast fora-da-lei, um lobo solitário autodidata. Mesmo perdendo coisas importantes, mesmo tendo que ser eu mesmo, só isso, um gênero comum de uma espécie decadente. Mesmo sendo um pedaço do que você disse ser perfeito.

Talvez eu seja um pedaço de kryptonita, uma bem lapidada, daquelas que parecem pedras bonitas, mas que não significam nada. Talvez essa pedra seja só vidro, que você insiste em jogar no chão só pra recolher os cacos com lágrimas de desculpa enquanto eu morro em silêncio sem salvar o dia.

De super eu não tenho nada, amor.
Tinha você.

1 de julho de 2010

Histórias de Dormir [Segredos do Céu]

(Das palavras não me lembro, mas segue aqui a forma como eu gostaria de ter contado.)

- Que poético.
- É, foi. E eu nem percebi. Queria conseguir lembrar disso depois.
- Você não vai.
- Sua vez.
- Tá.
- Estrela, cobertor, aldeia.


Segunda noite: Segredos do Céu

Era uma vez uma aldeia. Meia-noite, silêncio. Noutro lado do mundo, enquanto os reis articulavam, ela fugiu. O clarão deu notícias de sua chegada.

Ele acordou assustado e correu. Viu uma mulher rodeada pelo nada. Longos cabelos loiros escorriam pelo vestido cor de céu. A levou para casa, ela estava fraca. Inquieto, pensava nela, da onde teria surgido, a quem pertenceria? Tanto quanto ela, estava perdido, não sabia o que fazer por tão frágil criatura. Tentou em vão se aproximar de seu corpo, mas teve medo de quebrar sua pele porcelana.

Depois de um tempo ouviu sussurros vindos dela. Ela dizia “não”. Sua agonia fazia da palavra algo tão triste, como se a morte viesse buscá-la e a recusa fosse a única possibilidade. Mais tarde ele entenderia que a opção nunca foi esta.

Ela o enfeitiçava e ele passou horas a admirá-la, enquanto dormia e reluzia. Mas a luz sumia aos poucos. O desaparecimento o levou até o curandeiro da aldeia, que ouviu atentamente a história da jóia encontrada no meio do nada. A cada palavra o curandeiro desvendava o seguir da carruagem. E com delicadeza desvendou a história da rainha morta, a estrela caída.

“O futuro do céu é incerto, meu filho. A estrela de hoje pode já não existir. Foi assim que ela veio a terra. A antiga rainha cedeu seu espaço e veio à terra dar seu último suspiro. Cadencialmente elas se suicidam. Encontrá-la não foi mero acidente, sua ajuda é necessária. Ela aguarda o resto de céu que a levará, o manto que colocará fim à sua existência.”

E com o cobertor cor de céu ele deixou a casa do curandeiro, pronto para cumprir com sua tarefa e apagar o fogo que insistia em reluzir nos seus cabelos. A jovem rainha dos fios quase brancos. Aquela que quase nada denunciava a idade, não fosse os cabelos.

Ao entrar percebeu o sorriso em seu rosto. Mesmo de olhos fechados ela sabia que ele encontrara o manto. O perfume dos céus invadiu o quarto. Foi com lágrimas no rosto que ele a cobriu, centímetro por centímetro. Despediu-se de cada parte do corpo e eternizou as horas em que passaram junto com um beijo, antes de cobrir seu rosto.

A luz desapareceu. O mundo voltou a ser cinza. Só o céu manteve a cor do seu vestido, que alternava com o brilho de seus cabelos quando o sol resolvia surgir. O feito de sua vida estava feito. A proeza durou algumas horas, mas que outra pessoa se vangloriaria de ter atendido o desejo de uma estrela cadente?


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Se você tem interesse em participar escrevendo um texto, mande-nos um email ou comente aqui mesmo. O próximo desafio é para a Alice, com as palavras: papel, gel e vapor. Daí ela escolhe mais três para o próximo e por aí vai.

A primeira noite você confere AQUI.