Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

24 de setembro de 2011

Majine ( Máquina de escrever)

Havia semanas que percebia seus passos desajeitados pelo prédio. Em areia movediça, a mais nova se fazia sumir pelo chão no desejo de se desfazer em palavras. Suas mãos inquietas necessitam dizer tudo aquilo que sua mente entende, produz, reluz. 


Em luzes se encontram ideias que inspiram de forma orgânica e natural a minha natureza, como eu vejo e ninguém sabe, porque nem aqui cabe. Já tentou fazer história com sonho? Já tentou sonhar e fazer história?


Se organiza cheia de peculiaridades, é meiga com espírito. A mais velha me surpreende às vezes por dizer segredos que nem sabia que havia espaço. O corpo delgado como caia sobre mim fazendo questão. Abraço. Me fez sentir saudade de qualquer coisa que envolvesse nós dois, não de uma forma romântica. Forma cúmplice, de quem é amiga do monstro. Forma.


Quantas pessoas você é sem que se perceba ser. Quem disse que não, é na verdade ninguém. Todo mundo ninguém. Nunca foi, nunca é. Pode. 


Quando exitou, quis que a mais nova sentisse segurança e refizesse aquilo que nem chegou a fazer. Estava feliz porque enfim conseguiria expressar tudo que não lhe cabia, mas que a mais velha já me tinha. O sorriso era maior que o espaço que ocupava, para compartilhar, enfim. Agradeceu, derreteu. Quer tinta para dar forma à criação.


Pode agora se expressar pela máquina de escrever e pelo abraço como forma de agradecimento, como forma de reconhecimento pela fé a ela dedicada. Escreva. A mais velha tem me desencontrado, mas com a candura com que leva a vida faz tudo mais fácil, mais leve feito a fumaça de nossas conversas. Tenho. A escrevo.



13 de setembro de 2011


Allan, eu fiz algo ruim. Entrei numa briga por causa de drogas. No começo era discussão, argumentos de intelectuais conversando sobre teorias, pesquisas e experiências. Depois acabamos usando um monte de coisa e bati num cara porque era ele ou eu não queria. Foi uma baita confusão, você teria sentido vergonha de mim. Eu sim.

Eu tenho trabalhado demais. De oito a dez horas num emprego fixo mais umas duas, três horas, fazendo bico pela noite. Depois que ela me deixou, ocupei minha cabeça entre uns goles e outros de qualquer coisa que me mantenha acordado e me faça esquecer. O Zé é meu lugar preferido. Bafo inflamável.

Minha carência faz com que eu me ignore mas não me deixe só, criando situações para que nos encontremos, nos acariciemos e troquemos confissões shhh bem baixinho porque é segredo. Não falo mais sozinho, acabei me desentendendo aí brigamos – me dei um baita soco e nunca mais me falei até então.

Com certa freqüência, procuro corpos que não deixem o meu descansar. Encontrei Claudia. “Suas roupas sempre deslizam tão rápido e suavemente pelo seu corpo?” – enquanto eu desenroscava os pés presos na calça, você chegou. Um ménage à trois está bom. Foi sua primeira vez. Nos consumimos.


10 de setembro de 2011

Eu me perdi na madrugada




“É com cê agá”, beleza, pode deixar. Anotei seu nome e parece que foi logo depois disso que tudo começou a acontecer. Cheguei em casa com um nome borrado no punho e uma jura de morte. Ainda não dormi. A cabeça está a milhão por não ter entendido ao certo o que rolou, eu estava tão chapado que nem senti todo aquele sangue grudado escorrido na minha cara, foi só quando olhei no espelho que.

Minha mina fingiu que não me viu e o beijou. O cara que estava de mãos dadas com ela fez questão. Chegou todo Colgate, cumprimentou a roda, me abraçou, atuou carinho de quem eu tenho com íntimos. Palavrões, empurrões e gritaria vieram logo em seguida da minha parte. Eu não estava na minha quebrada, no meu rolê ou com meus camaradas; e ele só estava com a (minha) mina que, apática, fingiu quem nem aí.  Eu não existi. Então foda-se!

Era uma reunião de negócios para definir os próximos passos. Balada dos cães no centro de São Paulo, nem sei que horas eram no relógio da igreja que me avisava que já era tarde demais. Me despedi da rapeize sabendo que a partir daquele momento eu estava vulnerável e passível. Chamei a branquinha Cêagá para sairmos dali, ela era oquei, então demos uns tiros, ela puxou outra amiga e foi nessa hora.

Lá no bar eu ainda estava tentando me acalmar da fuga. Aquela treta nos cães foi merecida, mas eu nunca consigo me controlar, eu não sei parar. A gritaria, choro e desespero começaram quando o cara caiu no chão com o pescoço mole parecendo galinha esperando o corte final para deixar o sangue escorrer e depois virar uma bela refeição para os carnívoros. A misericórdia da situação foi uma garota anunciando “ele está morto” enquanto todos olhavam pra mim e eu já havia começado a correr quando.

Aquela cerveja nem cabia mais naquela mesa, nem as risadas, nem os telefonemas com as cobranças dos compromissos da madrugada. Um mendigo louco pedia dinheiro e ninguém tinha. Eu tinha, Ceagá tinha e amiga tinha, mas ninguém tinha. Com algo pontiagudo que deve ter sido faca quando D. Pedro II fodia as nativas e escravas nessa terra tupi, ele tentou.

As garotas foram companhia e me passaram um pano na expectativa de aumentar meu tempo útil de vida, mesmo não me conhecendo. Ao mesmo tempo, as salvei de alguma forma. A troca uniu a noite e fez sentido ali. Mas ali. Seu nome estava marcado em mim e isso significava absolutamente.

Fiz sozinho o caminho de volta pra casa, um passo atrás do outro. Ecos de passos atrás de outros passos atrás dos meus passos num tempo cada vez mais sincronizado e próximo. Aquele cara galinha não estava tão sozinho assim, afinal. 

5 de setembro de 2011

Verdade homeopática

- o que é isso que não para de doer?
- o quê?
- isso – encheu os pulmões de ar.

Quantos anos já se passaram, mesmo, até o fim? Ali em seu mundo as alegrias e tristezas não se diferem, e vê crescer cada vez mais o próprio planeta. Enfim, tudo é mórfico, não? Até o fim!




Depois que eu aprendi a sumir, meu mundo passou a crescer mais depressa, tapando o sol feito eclipse. Meus prazeres são dores, desde sempre, mas nem sempre as minhas dores são prazeres. Foi quando descobri que não dá pra carregar a infância por muito tempo, porque quem não consegue não deixa... E esse “quem” é plural demais.

Aí me “descobri” homem.
Sou um homem doente, descrente, incoerente... E só não se sentiu assim quem ainda não se descobriu. Porém não me trato, não quero saber de aparências, crenças ou curas, apesar de respeitá-las devidamente. Não me trato e esse é meu único trato, não quero saber, enfrento, encaro e assumo, porque aprendi a desaparecer feito espírito que você acha que viu. No meio da pista me dissipo no som e viro fumaça, sem saber ao certo pra onde ir, só não ali. Tem quem queira tentar prender, mas nem aqui eu estou. Nem aqui eu estou faz tempo.

Depois que destruíram boa parte do sóbrio, tive que mudar daí, vim pra cá. Cá não há ar que resista àquilo que chamam de Paraíso aí. Quando tudo parece firme, quando o sorriso libera paixão e as vozes se calam, quando as estruturas se rompem devolvendo a vida. Mas não, aqui não. Aqui meu desespero é vão e percebido no momento em que a agulha pula a canção e risca a história toda. e risca a história toda e risca a história toda pula a canção e risca a história toda ausência.

Aquela que mais cresce em mim é a que me destroi na forma mais sincera. Meu planeta é maior que eu, maior que o nosso todo junto. Nada pelo sentido, tudo sem direção. Pelo instante da raiva que eu tenho de toda minha dor que segue com a razão. Às vezes eu queria sentir de menos, porque o sinto muito é mais que eu. A colisão é inevitável.  

Me chamem de louco ou de verme – não importam as classificações e conotações, só me deixem terminar esse texto antes de começarem –, eu sei que minha única fé é crer que nenhuma verdade é verdadeira e que o nascimento da tragédia é derradeiro.

Eu não me trato puramente porque tenho raiva. Eu tenho raiva da minha dor. E se me dói, que me doa ainda mais!