Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

29 de janeiro de 2010

A não significância do cotidiano




A densidade dos tons pastéis naquele calendário de anos passados representa meus dias. Dias mortos, desatualizados, sem referências, perdidos no cerne mais profundo da decadência. Às vezes quero que morra todos esses dias e números e cores e sons, aí então meu ouvido tapa e abafa o som, zunindo uma freqüência modular contínua. A audição é nosso único sentido involuntário.


No caderno, rabiscos irresponsáveis e memórias momentâneas. Escritos e desenhos da inconsciência. Minha mão tem o alcance limitado, meus dedos são fracos, quebráveis, e nem sempre é fiel à minha cabeça, que voa além do visível e da compreensão em busca de sentindo. Não fazendo sentido algum. Em busca de sentido. Não fazendo sentido algum. Em busca de sentido. Não fazendo sentido algum.


As teclas que batem na tela tiram a personalidade da minha letra, mas não das minhas palavras. Coço a cabeleira suja e junto aquela camada branca do couro da cabeça embaixo das unhas. Um pouco de sangue para não deixar o costume de sangrar. A sujeira de fora combina com a de dentro.


Tudo sempre me incomoda. A cama mais quentinha, o desenho mais engraçado, as lágrima das gargalhadas de ontem, a companhia mais amorosa. Minha carne. Nessas horas, tenho vontade de sumir ao meu lugar, que há tanto não visito. Para o meu interior. A contravenção é que estou sempre tentando sair de lá, daqui, quero dizer... Sei lá, enfim, estou sempre tentando fugir e dar um basta a isso tudo.

Sem sucesso, fico com a densidade das cores, os dias mortos, as pessoas zumbis, meus rabiscos, meus dedos quebráveis, minha cabeça fraca sem sentido, as teclas, a sujeira embaixo da unha, sangue, os incômodos, as brigas, as não-brigas, tudo que a gente diz e não diz, minha carne, a contravenção, lá, aqui, a isso tudo e a audição, que é nosso único sentido involuntário. A não significância do cotidiano até que é bastante pra quem é quase nada.




involuntário.algum.dentro.tudo.nada.ilustração:rafaelsica.

27 de janeiro de 2010

Catorze

Não me imagino sem você.
Logo, não há vida sem você.
Quero dever-te meu futuro.

Feliz aniversário!


"Há qualquer coisa no amor sem egoísmo e abnegado de um animal que atinge diretamente o coração de quem tem tido frequentes ocasiões de experimentar a amizade mesquinha e a fidelidade frágil do simples Homem"

[O Gato Preto - Edgar Allan Poe]




25 de janeiro de 2010

Um Lucky Strike não te substitui

Faz algum tempo que ela não me acompanha. Nas noites é quando mais sinto sua falta, quando antes de deitar, nos beijávamos. Eu a dobrava, acariciava, lambia... Era tão bom, tão sincero.

A gente era fogo. Só ela me fazia voar, com seu jeito particular de idealizar os pensamentos. Quando deitava com ela na minha mente, via um mundo diferente ao seu lado. Tudo fazia sentido, eu ficava bem e alinhado. Ria, gozava, afundava no colchão e os sonhos eram o que eram.

Desde que foi embora, minha vida perdeu um pouco as cores. Os desejos já não desejo tanto assim, a comida perdeu o sabor, as piadas perderam a graça, a música e o sexo continuam bons, mas não é a mesma coisa. Às vezes acho que, na verdade, nada tem graça e a vida não pode me oferecer algo melhor.

Agora observo a madrugada sem tê-la em minhas mãos, em meus lábios. Observo o brilho fraco das estrelas pensando onde estaria se ela estivesse comigo. Vejo a noite passar insone e não me encontro em lugar nenhum. Pego um cigarro, acendo, trago. Trago. Não sinto, não sinto mais, não é ela. Um Lucky Strike não te substitui.


20 de janeiro de 2010

Baba santa

Um casal, na beira da rodovia, olhava algo no chão, perplexo. Isso nunca é um bom sinal. Eu sabia que não devia olhar – e, nisso, sei me controlar muito bem. Mas a audição é o sentido mais difícil de bloquear. Logo, não pude deixar de ouvir, apesar de toda minha concentração. Já perto, notei que a perplexidade era mórbida e doente, olhar de curiosidade sobre a carne (olhar este que funciona tanto quando a carne significa libido, quanto quando significa morte) – e não havia nada de filosófico sobre o além da vida em seus olhares. Na verdade, estou julgando, pois, apesar da indignação na fala, a permanência a olhar o que estava jogado na sarjeta me dizia outra coisa

Ao passar, pensei que poderiam ser tantas coisas, mas essas tantas não despertariam a curiosidade que vi, do casal, como de um grupo de mulheres que passavam longe, mas cientes do que estava no chão. Estranhei, me assustei. Nestes poucos segundos, percebi que deveria me afastar do local, o mais rápido possível. Tracei minha fuga e meus olhos desenharam o contorno mais próximo da cena o possível, nos limites de tudo, pois eu já estava perto demais quando compreendi o que era. Ouvi a moça descrever com indagações sobre os homens o que viu. Eu quase não ouvi e quase não vi... queria não ter quase nada.

Na volta – foi um caminho de ida e volta, infelizmente–, passei o mais longe possível. Secretamente, quis me jogar, abraçar e beijar loucamente uma carne queimada dentro de um saco, o que não faz sentido algum, pois tudo que eu amo ali já tinha ido embora. Então, eu começo meus questionamentos sobre os homens, sobre a vida, sobre a realidade e fantasia, mesclados com minha dor e meu choro. Acabei passando longe de algo que me chamava. Espero um dia responder ao chamado de uma forma mais eficaz que numa pequena reflexão.

Em outro pedaço do caminho, porém, já longe do local, vi um jovem cão. Não resisti em deixá-lo morder minhas mãos e me puxar pela barra da bermuda. Poucas coisas me fazem tão feliz como isso.

18 de janeiro de 2010

Espectadora de mim

Tâmara Porto Medeiros é minha suplente. Quando eu não estou bem, ela toma meu lugar no palco. Para isso, ela me segue nos ensaios, decorando minhas falas, vivenciando minhas cenas e recolhendo informações sobre minha personagem, para poder me substituir sem muitas diferenças. Minha suplente me acompanha em todas as peças que faço, sabe agir como eu. Logo, quando inicio uma nova peça, ela só precisa conhecer a situação atual, como é o momento desta personagem e imprimir meu estilo, que ela conhece muito bem.

Em cada nova montagem, que duram por volta de um mês, eu tiro uma semana para mim. Às vezes porque fico doente, às vezes porque quero dar uma chance para ela, que tem talento. Não precisa viver sua vida inteira como suplente. Por isso dou essas chances para a Tâmara. Além de ser um descanso para mim, é interessante observar-me de fora, ser espectadora de mim.

Lá vai ela... quebre uma perna! Sempre fico aqui, atrás das cortinas, sussurrando as falas com ela. “Mas não foi isso que aconteceu!”, ótima performance! Agora, a personagem se desculpa pela ligeira exaltação... “porra, eu disse que não foi isso que aconteceu! Eu cheguei lá e tudo tava jogado, eu não destruí suas merdas, não quero nem tocar nas suas merdas”. Tâmara, o que é isso? Essa não é a fala! Você se desculpa e abraça ele... “sempre você que está certo, sempre! Homem é tudo a mesma coisa, e eu sou cheia de chavões e estou pouco me fodendo!!! Se você é um clichê de homem, eu serei um clichê de mulher! Vou ser uma louca insana e gritar loucamente!”. Oh, não... Tâmara! Você está destruindo a peça! O cara que contracena com você nem sabe como reagir, você está sendo uma louca mesmo... preciso entrar no palco! Não, senhor, eu sou a atriz principal, eu preciso tirar ela do palco! Mas como assim, sou eu! Nos vemos todos os dias nos ensaios! Ela vai arruinar tudo! “Quero que você vá pra puta que pariu, que vá se foder, você e sua arrogância de merda! Você não serve pra nada, porco estúpido! Olha o que eu faço com seus preciosos livros! E com seus filmes! Tudo é mais importante que eu! TUDOOOOOOOOOO! VOU QUEBRAR TODAS SUAS MERDAS! E você saia daqui, que não agüento nem olhar pra tua cara!!!”.

Ela se calou, graças a Deus! Vai, diga algo cara! Nossa, ele está em choque... oh, não, e agora, o que ela está fazendo?! “Me desculpa meu amor, não me deixe, eu te amo, por favor, não me deixe, me desculpa! Eu não sei o que aconteceu comigo, por favor não vá... olha, olha pra TV!” – um comercial de ração? – “Poderíamos ser nós dois e o Totó, uma família feliz, oh não, não se vá, por favor! Eu sou uma idiota, não te mereço, mas não se vá, te amo, não se vá”. Ela está chorando e implorando? Como assim? Ela está em prantos, soluçando... ela não consegue nem respirar! Ela vai ter um treco! “Por favor!!!! Olha pra mim, estou me arrastando e suplicando, eu não sou nada sem você, por favor, não me deixe, te imploro! Olha pra mim, eu não existo! Eu vou morrer se você me deixar, vou morrer!! P-por favor, huh, por favor, não não não me deixe, uh, oh, não, eu não sei o que que, uh, fazer sem você!!!!! Eu não sei eu não sei! Você é tudo pra mim, tudo, p-pra mim, meu mundo, minha v-vida, nada faz sentido!! Eu te amo, te imploro, por favor, o que eu, huh, o que eu vou fazer????”.

Ela parou. De gritar, de berrar, de chorar, de soluçar. E deixou o palco. Eu entrei, para terminar a cena. Pedi desculpas e contornei a situação de forma sensata. Fiquei semanas sem ver Tâmara. Até que, um dia, ela reapareceu. E eu bem que precisava de uma folga. Então, dei outra chance a ela. Novamente, ela gritou, bateu, chorou, surtou. Sempre me esqueço que sua performance nunca muda, é sempre um surto. E não há nada que eu possa fazer, ela faz parte de mim.

“Eu choro vendo comercial de ração, e daí?!” - T.P.M.

13 de janeiro de 2010

Só algo que eu fico pensando...



Eu dependo do Sol, pela esperança dele me dar o que preciso.

Quando estou na frente de um muro, consigo olhar em seus olhos. Então posso senti-la.

Quando estou na moto, eu gosto de olhar minha sombra no asfalto. Às vezes me desligo com o desenho da minha forma no chão. Devo ter causado alguns acidentes, que ficam apenas no meu retrovisor. Mas eu só olho pro chão.


Não é narcisismo. E só que, eu fico pensando se... Deixa pra lá, vai soar estúpido.

Euficopensandoseeupudessetrocardelugarcomela...
Como seria. Deve ser infeliz ser minha sombra. Eu que sou eu tento fugir de mim o tempo inteiro, imagine não ter essa opção, deve ser um pesadelo. Tenho dó dela. Enfim, tenho dó de alguém.

As linhas que dividem as pistas criam vida e dançam minha partida. Pois estou sempre partindo, nunca indo ou vindo. Sempre me despedindo dos amigos e amores, como se fosse a última vez. Eu só parto. Desde que nasci.

A minha sombra me segue nos atos e sofre o dia inteiro comigo, mas se orgulha pela noite, porque todos sabem, eu gosto da escuridão, e é onde ela toma conta de mim, onde eu deixo ela crescer. Onde eu me torno ela e ela sou eu. Em minha solidão, nunca estou sozinho.

Fico nesse breu pensando se há alguém no mundo mais infeliz que eu.










“Hey you! Out there in the cold

Getting lonely, getting old, can you feel me?
Hey you! Standing in the aisles
With itchy feet and fading smiles, can you feel me?
Hey you! Don’t help them to bury the light
Don't give in without a fight.”



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Queria algo interessante para começar o ano; algo bom, significativo; algo novo; ou que desse retorno para mim e para quem lesse. Queria escrever melhor, ter mais tempo, mais referências, mais inspirações para outros temas. Mas minha cabeça só pensa fragmentada, espelho de meu coração. Tristezas em fragmentos, sentidos e não sentidos. Só algo que fico pensando...