Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

29 de janeiro de 2009

Agavero

Cheguei e deparei com Allan se masturbando em frente ao espelho. Quase inerte. Nem reagiu ao meu susto. Oi Allan. Definitivamente não iria ficar ali assistindo ao término do show. Ao término gosmento do show. Tudo estava como sempre. Como sempre, andei por toda a casa a procura de algo que ainda não sei. Resolvi deitar um pouco. Adormeci sem querer.

A estrela maior me olhava e julgava minhas ações. Eu sou um escritor, qualé?!, me dá um tempo! O Sol sorria pra mim e girava 360º anti-horário. Era um cículo, não uma esfera. Nada de estrela. Era só. Só e só e só... igual a gente quando cresce. Crescemos. Acho que Allan cresceu mais que eu.

O Sol tenta ser mais quente, mas é a Agave que aquece meu corpo. Mas meu coração, não. Meu coração pertence à Cláudia. Hmmm Cláudia, deliciosa... Frango com curry. Um gole e outro, mãos e mãos. Cláudia de minhas tentações, de mil formas e sabores. Seu buraco era de rosca, como eu faria? Sou tão tristonho e dramático. Se o meu pau é prego e o rabo dela só entra parafuso, problema...! Foda-se!, ela que se foda. Toda oferecida... Falsa. PUTA!!! POW! Um tiro na testa e um copo intacto, vazio, inteiro. WB teria orgulho de mim. William Burroughs? Não, idiota, Warner Brothers!

Acordei melado, com babosa de agavero no pau. Miles Davis estava tão alto quanto eu. Tocava tão alto quanto eu, se é que vocês me entendem!, he he he "Jazz é como o blues, mas com um pouco de heroína".
Allan estava nu na minha frente usando uma máscara de espelho. A primeira coisa que vi foi um xis em cicatriz em seu peito. Ele nunca havia se mostrado. Ele nunca havia se mostrado dessa maneira. Crescemos. Allan cresceu mais que eu. Ou eu diminuí.

Com o pau na mão, pronto para atirar, me disse adeus e me tirou a vida. Um mescal passeava em seu corpo. Olhei em seus olhos e me vi masturbando a mim mesmo. O espelho de meu próprio reflexo.



"SHOOT THE BITCH AND WRITE A BOOK! THAT'S WHAT I DID" - Bill!


*Uma homenagem à perfeita combinação de Tequila, William "Bill" Burroughs, Lourenço Mutarelli, solidão e Miles Davis (e toda a geração fusion e bebop como Bill Evans, Charlie Parker, Chet Baker, ...).

28 de janeiro de 2009

10:23

Argh, mais um dia. Meu primeiro pensamento do dia costumava ser que horas são?, até o despertador do celular me avisar todos os dias que são 6:50. Sempre. Acordei pensando: Alice!, não vai esquecer hein?! Durmo até 8:10 com o despertador tocando de nove em nove minutos uma música que eu não pedi. Não lembro. Levanto atrasado como quase todo dia. Está chovendo. No rádio, Milton Jung avisa que está chovendo e pergunta do trânsito. Aquela ladainha do trânsito poderia ser só uma gravação. O trânsito não muda, são sempre as mesmas pessoas nos mesmos carros fazendo as mesmas coisas. Pra quê saber do trânsito de todo dia se a gente já sabe? Desço as escadas e procuro alguma coisa pra comer. Tomo um copo de suco de goiaba e me arrependo, nem gosto tanto assim. Mãe, não vou almoçar em casa. Tá.

Costumo reparar nas pessoas no trólebus e no metrô, mas hoje não. Hoje estou cinza, como o dia, cinzento - "...com máxima de 25º na grande São Paulo". Mas a pequena me parece bem mais quente. Tiro minha blusa sem tirar os olhos do livro: A arte de produzir efeito sem causa. Quando dei por mim já estava na estação Anhangabaú do metrô. Nem percebi. Os dias passam e a gente só vai sendo condicionado às coisas sem nem perceber. Lembrei que lavei o cabelo hoje de manhã com um outro condicionador – para cabelos danificados. Só cabelos? Penso que para tudo temos um condicionador. Um bar ou uma mentira ou sexo podem ser condicionadores para desiludidos, por exemplo. Para danificados.

Entro no prédio em que trabalho e ninguém me percebe. Só percebo todo mundo porque estou com fones de ouvido. Olho a todos para responder um bom dia caso alguém me deseje isso. Ou finja, pelo menos. Eu quero que todos tenham um bom dia para que não atrapalhem o meu. Aqui o povo é bem sincero, e atravesso tudo transparente. Só a catraca sabe de mim. Subo um elevador até o térreo e espero o outro até o sexto. O elevador que faz envelhecer pela espera. Odeio esperar. Aqui os elevadores são tão confusos e temperamentais... Penso nas escadas, mas logo de manhã?! Eu não uso escada rolante, já subi uns bons degraus pela hora que é. Eu nem sei que horas são. Subo, dou um sorriso amarelinho pra secretária, que sempre me pede uns “biscatinhos”, como ela mesmo diz. Não tem ninguém no meu setor. Ainda bem. Trabalho com comunicação, mas odeio me comunicar de manhã. Deixo a mochila na mesa. Mal me acomodo, a secretária aparece com um “biscatinho”. Já? Vai ali, vai lá, vou. Volto e lá está ela com outro favorzinho. Faço porque gosto dela, ela é engraçada e parece ser verdadeira. Mas em outro prédio? Chovendo? Putz, já vou.

Digo que tenho que esperar a garota que chega às 10, não posso deixar o setor sem ninguém. (E também estou com uma certa preguiça). Que horas são, hein? Lembrei que ia comprar um suco de laranja e um pão na chapa antes de subir. Esqueci. Posso pegar na volta do “biscatinho”. Antes de ir, abro o Word e começo a escrever esse texto. Eu sempre escrevo direto no blog, mas ia demorar muito pra abrir o blogspot e fazer o login. Não quis perder o fio. A Tejano acabou de chegar, ou seja, hora de ir. E eu nem sei que horas são. 10:23.

27 de janeiro de 2009

snuff.

Enterre seus segredos na minha pele. Vá embora com a sua inocência e me deixe aqui com meus pecados. O ar a minha volta é uma prisão, e o amor é só uma camuflagem para o ódio. Dói pensar que você não faz mais parte da minha vida. De que cada vez mais, quem eu me importo, não faz mais parte. Como peças que não se encaixam de um quebra-cabeça misturado, todos se cansam e vão embora. O quintal limpo e vazio aceita meus joelhos e minhas lágrimas inundam a solidão. Eu me despedi sabendo que você não voltaria mais. Pouco tempo depois fiquei feliz por sua passagem, então me senti culpado. Eu não queria te dizer adeus.

Antes de todo ódio inventado, você dizia me amar. Eu ainda leio suas cartas como se fossem as orações que vão me salvar. Eu te afastei porque eu também te amo, e não posso destruir o que não existe. Então se você me ama, me deixe ir e corra antes que eu perceba. Talvez eu não teria chegado até aqui sem sua luz, mas tudo se partiu porque meu coração é sombrio demais pra enxergar ou me dar forças pra lutar. Os anjos mentem para manter o controle. Você me vendeu para se salvar. Mas isso não muda o que eu sinto por você.

Engula o ar e se afogue, então saberá, por poucos segundos, como eu me sinto a vida inteira. Eu achei que esse dia nunca fosse chegar. Achei que fôssemos pra sempre, no nosso próprio mundo. Depois das perdas recentes, eu me sinto inseguro, como se ninguém entendesse o que eu falo. Ou somente valorizasse doces mentiras em charmosas perfídias, será que é isso que preciso fazer? Bata de frente com as pedras, eu só gostaria que você não fosse minha amiga. Então eu poderia te machucar no final.

Meu sorriso foi tirado há muito tempo atrás. Se você nunca percebeu, espero que nunca perceba, então posso ter alguém. Se eu conseguir mudar, eu espero nunca saber. Tenho tido uns sentimentos estranhos que comprimo em minha dor. Eu não mereço ter você. Espero que você nunca saiba. Assim eu poderei destruir tudo, de novo...



22 de janeiro de 2009

Te Devoro

Um beijo expansivo, feroz, escondido, cheio de mãos e amassos. Cheio de saudade. Será que vai ser sempre assim? Nosso segredo com hora marcada, em dose regulada, que se acumula por 365 dias inteiros. Criamos assim, nunca encaramos a situação, e assim sempre será. Será?

"Teus sinais
Me confundem
Da cabeça aos pés
Mas por dentro
Eu te devoro,
Teu olhar
Não me diz exato
Quem tu és
Mesmo assim
Eu te devoro"

Você é a representação do meu ego, meu gêmeo, meu reflexo. Seus olhos de esmeralda param o tempo e me mostram o universo inteiro. Quantas possibilidades reclusas num olhar... Caralho. Quanto desespero num beijo, quanto desejo, quantas lágrimas. Dois corpos num só, com o mesmo objetivo em direções opostas. Temos chances, sou eu, o Sanchez, mas e você, quem é?

"Te devoraria
A qualquer preço,
Porque te ignoro,
Te conheço..."

É um momento. Eu te ignoro até você aparecer, você eu não sei. Eu vivo pra te ver, pra te ter em pensamento, pra saber que me tens em seus olhos e saber que fomos feito na mesma fôrma. Assustador, eu sei. Mãos que se encontram, que logo se soltam. Nos arrependemos sempre, sabemos de tudo sem dizer um "A", um mísero "A". Te decifro, mas é você quem me devora.

"Eu quero mesmo é viver
Pra esperar, esperar
Devorar você"

19 de janeiro de 2009

Olhos Rasos D'água

E de repente pego em suas mãos sedosas, suaves e delicadas. Uso a desculpa de nunca ter reparado naquela pintinha, mas conheço cada pedaço de seu corpo. Seus lábios sabor morango sorriem revelando um sorriso tímido, inestimável. Me encanta aquele simples olhar puro e firme que ela tem, aquele abraço que me faz falta todos os dias.

Pena não poder tê-la pra mim. Pena não poder mais empurrá-la contra a parede com meu corpo e tê-la aberta e vulnerável, submissa, pronta pra receber o desconhecido, que se torna inevitável. Pena não poder mais escorregar minha língua contra seu corpo suado. Nuca, seios... descer até seu ventre, aquele segredo que até então ninguém havia descoberto, expelindo calor, me desejando ali, querendo me engolir, deixando correr a água que banha aquele inferno; me hipnotizando como uma chama incontrolável, seu encontro com minha língua e dedos não poderia ter sido melhor recepcionado.

SEXO, quando o beijo é maior que a boca. Dançávamos numa sincronia perfeita, como se já tivéssemos ensaiado para apresentarmos diante a uma platéia. Realmente merecíamos aplausos. Seu canto lírico ecoava no recinto iluminado apenas pela luz do sol que atravessava com dificuldade pela persiana. A cumplicidade naquele momento era toda, éramos um só, e nossos olhos fixos sabiam disso - que naquele momento já não controlávamos mais nada e tínhamos o mundo em nossas mãos.

O gozo incrivelmente forte, intenso, pulsava e jorrava rompendo as barreiras da realidade, fazendo o chão sumir e o céu obsoleto e, por um simples instante,nos tornamos deuses.

Então recolhemos nossos corpos suados e nossa fadiga. Você se despede com o mesmo sorriso que não consegue conter e então eu me entristeço, pois sei que terás fingido que nada aconteceu; que por um simples momento eu fui só seu; que aquele amor e cumplicidade nasceu e morreu ali. Vou embora encolhido, cabisbaixo. Me afasto e desapareço com os olhos rasos d`agua.


04.02.2005



*. Texto extraído e editado do original no BlueZoo - achei sem querer e resolvi postar. Gostei do que li.

15 de janeiro de 2009

O Palhaço que Ri

- Eu quero um palhaço com cara de deboche! - Falei ao tatuador com uma certeza antiga, com uma firmeza que não tenho. Eu queria mesmo um tigre tribal, mas não tinha o desenho ali na hora, não tinha internet, não tinha revistas, não tinha desenhos naquele estúdio. Mas era tão real minha vontade, minha ansiedade. Era tudo tão real e verdadeiro...

Palhaços sempre me assustaram, desde criança. Com aquela maquiagem derretida de suor, aquele ar velho, bêbado e cansado. Fingindo insanidades, rindo sadicamente da desgraça alheia, boquejando o próximo à vergonha e humilhação. Quem eles querem enganar? Eu sei que eles ressentem por rirmos deles, da cara deles, e não para eles. Velhos amargurados que precisam de máscaras para esconderem suas decepções e fracassos. Mas eu sei também que quando damos as costas, são eles que riem de nós, todos nós. Eles têm motivos de sobra pra isso, mais que nós deles. Eles são cônscios de suas ações e anseios, enquanto nós só mascaramos tudo e damos falsas risadas e promessas. A única diferença é nossa covardia e nossa máscara ser transparente.

- Eu quero um palhaço com cara de deboche. Nas costas! - repeti com mais determinação. Era isso que eu queria. "Nas costas?", indagava o tatuador, "o melhor lugar pra fazer é aqui assim", mostrando a parte de trás do ombro até o cotovelo. Mas eu estava decidida. Tinha motivo. E não entendia aquele tatuador, acho que ele representava minha vida, era inseguro.

Precisava disso. Precisava mostrar a uma garota que me fez de palhaça - e agiu como uma, que agora é a minha vez de escarnecer. Me enganou, riu de mim, me ridicularizou na frente de todos, humilhou minha paixão e pisou em meus sentimentos. Me conquistou com falsas flores só pra me esguichar água e me afogar quando estivesse bem próxima. Fez seu circo em minha própria casa, desgraçada.

O palhaço é pra ela, pra quando eu der as costas, ela se ver refletida no passado, atrás de mim, me seguindo... Tendo somente minhas costas debochando de sua cara, enquanto quem ri sou eu.




*Para Paula "Tejano", que sempre divide suas experiências e me confia segredos e sonhos.

12 de janeiro de 2009

Uma Cadeira Flutua no Espiral¹



Pegue uma cadeira e a coloque de ponta cabeça. Inutilize-a e pronto. O ensaio do desconcerto do objeto baseia-se na idéia de quebrar esteriótipos, transformar o material em ideal. A idéia da cadeira é uma incógnita que pulula na mente de muitos amigos e conhecidos, e quando a criei era exatamente o que estava querendo - causar impacto.

Primeiramente o impacto: "pô, o cara tem uma cadeira tatuada"; em seguida o questionamento: "por que?", e é aí que fica interessante. Minha real intenção com a cadeira de ponta cabeça é fazer o receptor encontrar o próprio significado da desconstrução. O que você vê numa cadeira de ponta cabeça? Essa é a sua forma de pensar, você acha suficiente? E se você se contenta em dizer um simples nada, é só isso que você tem pra oferecer? Você não consegue criar uma idéia própria ou interpretar uma imagem? Se sim, me conte, não existe um significado certo ou errado, e eu não rabisquei isso no meu corpo por nada.

O desenho veio num sonho, foi meu inconsciente quem me enviou a mensagem - e eu nunca ignoro meu inconsciente, gosto sempre de interpretar suas bizarrices e dar a máxima atenção possível a ele, que tanto prezo. Era uma cadeira flutuando no espiral. Eu, vestido de Chico Science com flores em minha camisa numa tarde do bairro, deixando borboletas se equilibrando no espaço¹. Quando acordei, tive todo o insight do sonho inteiro e tudo se encaixou claramente no meu consciente. Pensei: "Preciso disso a minha vida inteira". Preciso do meu cérebro nesse ritmo sempre.

A simbologia da cadeira invertida é pra mim o que muitos disseram. A despretenção de regras ou idéia fixa, um ícone anarquista, a morte da minha preguiça. É tudo que eu acredito e vejo. Às vezes eu enxergo as coisas e não sei se sou eu ou o mundo que está virado de cabeça pra baixo; se sou eu ou ele que está girando ao contrário. Mas minha guerra não é com o mundo, é com a sociedade não-pensante, alienada, ignorante e preguiçosa. Burros! A cadeira significa virar tudo de cabeça pra baixo mesmo, fazer bagunça, dizer tudo o que penso e destruir a película de falsidade que usamos pra nos proteger. A cadeira pra mim é liberdade de expressão, é eu fazer o que eu quero, aonde eu quero. E eu faço. É mostrar que eu sou um guerreiro que não para pra descansar.

Quando viramos a cadeira, ou seja, desmontamos esteriótipos e criamos a partir de nós mesmos, a gente abdica os costumes da sociedade e começa a pensar com a própria cabeça, com novas idéias. Leis e grupos são para cordeirinhos que precisam abaixar a cabeça pra se alimentar e sobreviver. É por isso que eu virei a minha cadeira de ponta cabeça e transformei o que só tinha como única função servir de assento, em um ideal de interpretações infinitas.


¹. Referência à letra de "Sobremesa", de Chico Science e Nação Zumbi, grande mestre.

9 de janeiro de 2009

The Autumn Lips





Veio assim sem perguntar nem pedir permissão. Meu amor na ponta da agulha, um velho esfarrapado e cinza, grandioso em meio às ruínas. Sem meias palavras, calou-me. No meio fio, ria às custas da Morte. Essa vida ainda me mata...

Veio por acaso, vestida de arco-íris, flutuando poesias. Meu amor na ponta da caneta, a moça das unhas de sangue. Um brinde ao ctrl+z. Resumidamente é isso. Me abrace, não me solta e me deixa morrer. Quando eu precisar... Deixa eu morrer quando eu precisar...

O cansaço falha as letras. Falha todas as canetas. Empresta o sangue de suas unhas?, é rapidinho... Preciso apenas escrever um ou dois versinhos. Posso até beijar seus lábios de outono e minha boca ressecada. Posso até me envenenar, beijar cada veia machucada. Prometo não irá se arrepender.

O velho que mata, a moça que deixa morrer...

7 de janeiro de 2009

Lágrimas Pretas

Quem nunca viu uma mulher derramar lágrimas pretas? No melhor estilo Alice Cooper, a encontrei no meio fio da calçada ao fim de um show dizendo que estava tudo acabado. "Está tudo acabado", repetia sem parar. As pessoas passavam e a cumprimentavam: "Clau, não fica assim", "tchau Claudjá, que show hein!", "Clau, a-do-rei, você não? Só achei o final um pouco forçado".

Ela só vestia preto, parecia estar sempre pronta para um funeral, ou sempre de luto. Combinava com seus longos cabelos vinil. Tinha a pele mais branca que o liquid paper que usamos pra apagar os erros cometidos a caneta. Ela lamentava por ela não poder fazer o mesmo. Lamentava por ela. Queria ajudá-la, mas ela só me afastava. "Eu já chorei demais", repetia sem parar. Você chora por alguém, mas já tentou chorar para alguém?

Todas as pessoas que passavam a cumprimentavam e pareciam familiar, eu até conhecia algumas umas e outras. Mas o que estariam fazendo todas ali no mesmo espetáculo? Eu não sabia que todos estariam ali. "É o show da minha vida", ela dizia, e acabava assim, com ela chorando sozinha na calçada. - Era um show importante? - perguntei tentando um gancho para o diálogo. - Você não entendeu - ela então começou a falar, - é o show da minha vida, todos vieram assistir a minha vida. Todos vieram derramar suas lágrimas e prestar homenagem a mim. Mas infelizmente eu ainda estou aqui, não estou?

Sim, realmente ela estava ali. Ela chorou mais aquela tinta preta ácida e venenosa e pôs pra fora toda a mágoa em seu peito branco e volumoso. Talvez tivesse um coração de nanquim, talvez tenha pintado somente um rascunho amassado e agora precisasse de um novo coração de papel branco e liso para colorir com outras cores. Não vi o fim de uma alma, e sim uma outra vida que estava pra começar. Nova. De mais lágrimas pretas, com motivos diferentes e os mesmos de sempre. Tentei convencê-la de que seu show não terminava ali, apenas um ato, e que outros estavam por vir. Talvez eu tenha chegado atrasado para o que ela disse ser o todo. Mas prefiro acreditar que cheguei em tempo para fazê-la crer que o futuro era incerto, mas não proibido.

6 de janeiro de 2009

Cure for Pain

Mais um dia cinzento e cinza, cheio de nuvens e fumaça de automóveis e cigarros. Cheio de gente, argh. Saio de casa atrasado e desmotivado com toda aquela garoa fina. Parecia fazer frio, mas nunca aguento muito tempo de blusa. O frio parece não me atingir, só todo o resto que ele traz: tristeza, solidão, morte. Bem Bauhaus, Smiths, ou a banda responsável pelo título desse texto e trilha sonora, Morphine. More fine.

Mais um dia de busão lotado. Daqui a pouco voltam as aulas e tudo de novo. Que ciclo inteligente e esgotante (que vem do esgoto? Não, cansativo mesmo). Inteligente porque, todo fim de ano, estamos podres e querendo morrer, e como um passe de mágica o ano acaba e as esperanças são renovadas com luzes faiscantes e coloridas no céu. U-hú. Gostaria de ter esse ciclo e não viver sempre um fim de ano de 12 meses.

No caminho para o trabalho ouvi os gritos de alguém que parecia perturbado - claro, quem grita na cidade é sempre louco ou perturbado, nunca um pedido de socorro. Era um homem. Ou a Morte como ele mesmo se proclamou, e gritava: "Eu sou o último enviado por Deus, o espírito que cavalga o baio em direção ao Inferno". Identifiquei a criatura magra e amarela do lado de fora do busão. Assustando a todos pela janela, ele se jogou no chão e puxou a camiseta até rasgá-la inteira: "Deus não está aqui hoje. Só eu. Só eu!". E todos permaneciam estáticos encarando-o. E quando ele encarava de volta ninguém o olhava nos olhos. Esperei até ele me encontrar naquele mutirão de carne, e quando o fez, sorri. Ele sentou e se acalmou e sorriu de volta. Sorrimos com maldade, malícia e cumplicidade. Um sorriso morfina.

Enquanto o ônibus se afastava do ponto, pude vê-lo pondo as mãos sujas no rosto e deixando escapar as lágrimas. Sorri sem demonstrar meu pesar - Ninguém ali o merecia. Engoli seco e retomei meus fones no ouvido, mas não parei de ouvir: "Deus não está aqui hoje. Só eu. Só eu!"

1 de janeiro de 2009

Tudo de Novo

eu acendi todas as velas
e extingui cada medo
abri todas as celas
agora eu não me comovo

esperei cada segundo pra você morrer
para dar início ao meu ano novo
e tudo de novo

e tudo de novo,

e de novo
e de novo
tudo de novo