Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

31 de dezembro de 2010

Novidades

Este foi o ano das novidades. O final de 2009 já anunciou que tudo seria diferente dali em diante e decidi mergulhar de cabeça em deixar essa parte de mim dar as caras frequentemente. Tudo foi meio estranho no final do ano passado, mas me mudou de tal forma que comecei 2010 apostando em coisas novas. E fiz: mais de 365 novidades em 365 dias!

Parece muito, mas aprendi duas coisas com essa aventura: 1) que eu era uma pessoa muito privada da vida! e 2) que não ligamos para as pequenas coisas novas que fazemos todos os dias. Por exemplo: eu nunca tinha andado de shorts no ônibus, ou comido uma ameixa ou pintado minhas unhas. São coisas banais, que ninguém acredita que eu nunca tinha feito antes. Mas também fiz coisas como ir à casa de novas pessoas, ir a novos lugares, experimentar coisas... tudo possível no dia-a-dia. Fiz, claro, coisas inusitadas também, sendo a mais estranha ter ido a uma casa de swing. Em 2011, pretendo continuar com minhas novidades.

Este ano, porém, teve outras novidades. “Conheci uma pessoa”, é a peça na qual eu opero o som. Ela ainda está em cartaz. Não parecia muito boa quando comecei a fazer, mas aprendi a rir com ela e gostar muito de seus detalhes – e odiá-los também. Sempre temos maus dias, mas me divirto com ela. Em 2011, continuarei amando fazê-la.

Além disso, meu irmão foi para a Inglaterra. É estranho não o ter comigo sempre. Mas o Skype ajuda e ele está gostando muito. Em 2011, vou visitá-lo, estou ansiosa.

Uma amiga está grávida. Serei tia de um menininho. Em 2011, espero gostar mais de crianças.

A faculdade acabou. Eu me formei. Sou psicóloga. E agora? Acho que vou fazer um curso de adestramento para, um dia, trabalhar para o bem estar canino. Não há nada que eu ame mais que cães. Em 2011, farei isso dar certo.

E, se minha calcinha do ano novo passado funcionou, desse ano há de funcionar de novo! Para dar continuidade à minha fase amarela, vou de amarelo e trarei dinheiro! Mas quero também ter coragem para fazer dar certo meus sonhos.

15 de dezembro de 2010

22 de novembro de 2010

Reconstrução


Eu quero parar de mentir, ser mais sincero sem ter que fugir. Posso parar de me bater, socar minha própria cara pra tentar me convencer. Eu quero parar de roubar, seja dinheiro, abstratismos ou coisas que eu não preciso. Eu não preciso de nada disso. Eu te disse que eu poderia deixar de odiar meu próprio coração, eu sinto que posso. Eu juro que estou tentando.

Eu posso ouvir mais e tentar sorrir nas fotos. Dizer “oi” quando conversam comigo. Eu posso arriscar um diálogo, me abrir mais... Eu queria não me odiar tanto, não odiar tanto os outros. Me mexer mais, desejar e lutar mais. Porque eu sinto algo bom perdido em algum lugar na parte de dentro.

Eu quero tentar ter um pouco mais de fé nas coisas. Eu quero tentar e acreditar que consigo ser maior do que eu posso suportar. Parar de desejar um coração perfeito e construir algo melhor em mim.

Eu posso parar de arrancar as cascas das minhas feridas. Melhor ainda, eu posso parar de me machucar tanto, tentar manter o sangue na parte de dentro. Eu posso parar de usar muitas drogas, tomar muitos remédios e beber perfume quando você não está vendo. Eu posso tentar ouvir menos o que as vozes me dizem. Eu quero parar de querer me matar pelo menos uma vez por dia.

São tentativas, batalhas conquistadas ou perdidas. Mas sou eu, são minhas.

...Falhas construídas.

25 de outubro de 2010

Sad Pony Guerilla Girl

Você diz que eu sou “loca” porque eu sou sua garota. Eu quero que brinque comigo, mas te quero sério, porque eu quero segurar a sua mão em público, poder posar nas fotos com o seu rosto no meu, sentar no seu colo para ouvir as suas histórias e chorar quando eu quiser. Sem vergonhas, sem vergonha!

Você sempre me deixa pra trás e me veste como um garoto, me disfarça porque eu sou seu amor secreto. Você diz repetidamente que nenhuma mulher ou garota te fez sentir assim antes. Se encanta com meu sorriso e meu jeitinho de quem brinca com a vida, sem responsabilidades. Você diz que eu sou estúpida por querer ser sua. Uma menina triste.

Eu quero contar pro mundo todo, você pede segredo. Mas eu quero contar quando eu brinco com meus carrinhos e você me pega por trás no banco de trás do meu carrinho. Cavalgando meu pônei eu quero te proteger e fugir com você. Me ama com seu corpo forte e cheio de tatuagens, veste minhas calças, arruma meu sutiã e vai para casa junto a suas outras crianças.

Eu vou te segurar quando tiver muito pesado. Me dê sua arma,"chico", descanse em meus braços, descanse em meu corpo. Você diz com seu sotaque latino que eu sou “loca” por querer ser somente uma garota. Eu quero ser a sua garota, seu amor eterno. Bermudas não me dizem nada, eu quero usar vestido pra sentir suas mãos subindo pelas minhas pernas. Deixa eu brincar com sua arma, vamos passear pelos bairros e atirar em quem for contra nós.

Eu vou ficar quieta e vou contar para todo mundo. E depois eu vou crescer e ficar sem graça e você vai querer me matar. Eu terei minha própria arma para nos proteger. Eu vou ficar quieta, mas vou contar até você descobrir. Então serei só uma menina triste novamente, vestida de guerrilheira com minhas roupas de menino cavalgando sozinha meu pônei, com meus carrinhos e minha arma...

22 de outubro de 2010

Sobre um suéter

Cantava.

“I want to have fun, I want to shine like the Sun, I want to be the one that you want to see, I want to knit you a sweater, want to write you a love letter, I want to make you feel better, I want to make you feel free”. Faltava o suéter. Aceitei o desafio e coloquei-me a aprender como fazer um. Comecei pela cor, lógico, o que eu já sabia. Azul-royal, já que ele, bobo, me disse que essa era a sua cor. Ri da surpresa na resposta sobre a cor favorita, pois não bastava ser “azul é a cor que mais gosto”, nem o já estranho “azul-royal é minha favorita". Tinha que ser “azul-royal é a minha cor”... havia perguntado a predileção, não sua destinação cósmica de cor! Ele riu comigo.

Então, aprendi o resto. Mas logo percebi o tempo que isto me tomaria. Não seriam dias, nem semanas. Seriam meses e meses... um grande investimento. Suspirei. Decidi ir em frente.

Escolhi com cuidado a linha, o tipo de costura e fiz um planejamento de onde queria estar ao final de cada mês. Ele, só observava... deixou todas as decisões para mim – mesmo sendo o suéter para ele.

No início, funcionei como de costume: dediquei-me e trabalhei muito. Nenhuma trança sequer fora de ritmo. Porém, os dias passaram.

Num desses, ele me perguntou como poderia sair com o suéter no tempo, de chuva e vento. Mas como! Mal começado e já com essas perguntas... pressionava-me para uma data de entrega e cogitava a possibilidade de expor meu lindo presente a tais condições perversas. Como poderia imaginar isso em tão pouco tempo de costura? Não me entendeu. Ficou em silêncio na beirada da cama... aposto que imaginando ser aquela época do mês. Dormi enfurecida, enquanto ele me olhava. Não devia.

Acordei. Triste. A vontade de tecer o suéter se foi e eu queria ir junto. Esses detalhes significavam muito, delatam como somos e predizem o futuro. E não gostei do que vi. Decidi ir e fui. Ele nem se mexeu. Mas devia.

Foi a primeira vez que deixei nosso canto. Não encostei mais no suéter. Senti a falta dele, mas ele não veio me buscar. Minha dor aumentava e decidi dar mais uma chance e ignorar os efeitos dos detalhes. Voltei. Assim, de repente. Agora que ele ia pensar mesmo que o que se passou foi a época do mês. Mas não foi.

Surpreso, levantou-se depressa para observar-me novamente tecendo o suéter no meu colo. Eu sorria, pois a saudade era tanta e senti-me boba por ter-lhe deixado. Remendei as linhas que tinha deixado fora do planejado e dormimos juntos.

O inverno chegou. E a vontade de partir também. Os detalhes voltaram para confirmar o futuro de meses atrás. Ele me fazia querer partir, a linha, a agulha, os remendos... tudo. Fazia tudo como um bobo, inclusive silenciar-se na beira da cama. Acabamos dormindo, sem palavras, sem respostas, sem decisões, sem nos tocar.

Acordei e fui. Ventava e estava frio, mas não me importei. Deixei meu lindo suéter para trás... aos pedaços e inacabado. Ele ficaria no frio o restante do inverno, assim como me deixou quando este começou. E em silêncio continuaria, na beirada da cama, imaginando como resolver nossos detalhes. Imaginando o suéter acabado, imaginando ser do meu agrado. Imaginando chorar ao não me ver. Imaginando buscar-me. Mas ele me deixou partir.

“Do you see how you hurt me, baby, so I hurt you too. And we both get so blue...”

Cantava.

28 de setembro de 2010

Companheiro

Contente cheguei com colegas. Clube caótico, concorrido. Cruzei com conquistador certeiro. Criteriosa como costume, contrariamente convenceu-me. Curiosa, convidei-o com coragem, convoquei-o com cada cara charmosa. Cego... cortou-me com costas!

Cadê?!

Cá! Cantando com colegas, comigo conjuntamente. Chantageei-o com curtas cobertas cobrindo coxas, caindo cuidadosamente com chão. Chato, cessou contato!

Caramba... cadê?!

Contando cada canto, consegui calar comigo carnais chances.

Choque! Cá, compartilhando comigo calorosa calmaria. Como conseguir? Comecei criando contato: caminhei casualmente cabisbaixa. Cruzamos com compostura... corei! Cravei cobiça carnal. Cabe comportar-me com classe convincente, cedendo caras com chances concretas.

Cruzamos, correspondeu-me claramente com cara convidativa.

Calma... chama-me!

Calma... convide-me!

Calma... conquiste-me!

Canalha! Chega, cansei!

Cerco-o com corpo, cicio cínica charada “cansei, camundongo”. Cortês, comigo concorda. Concedo chance conquistadora... contesta-me “cual ceu cigno?”.

COMO?!?!!?!?!

Conquistou... como compreender?

24 de setembro de 2010

Coma White

Até no sonho se morre, e morremos todas as noites. Somos arquitetos, deuses, de algo nosso que não conseguimos controlar. Não se controla a fúria do pensamento, e é isso que machuca e nos segura ao mesmo tempo. Um ode à loucura, outro ao que faz enlouquecer.

Nós bebemos da fonte dos prazeres que a insanidade oferece enquanto um Sol se punha e outro apontava o meio-dia. O segundo Sol da noite, assim era chamado. A eterna espiral que confunde o Tempo. Aqui ele não manda nada e significa menos que a areia da ampulheta. A significância do tempo simbologicamente representado pelo objeto do infinito reduz-se a nada mais que uma cachoeira de areia que sufoca e enterra. Sem espaço, só ex-paço.

Eu passeava pelos espaços do espaço enquanto eu sentia os efeitos na minha cabeça. Olhava para o céu e via aquela nebulosa exuberante de cores vibrantes. Há luzes em meu cérebro, como as das ruas. Há ruas que fazem caminhos dentro de mim. Caminhos sensíveis que se modificam a todo instante. Mas quanto é um instante? – Labirintos intelectuais que nos fazem querer decifrar, por isso corremos.

Corremos sem direção ou destino, porque aqui não se para pra descansar, porque senão a loucura, o tempo, o pensamento, tudo pode te pegar e liquidificar a existência do real. Você ria de tudo isso enquanto via sua máscara partir corroída pelo ácido que caia do céu. Quando o mundo está às avessas, pisamos no paraíso enquanto somos destruídos pelos ares. Seu rosto ainda era belo.

Eu vi as luzes saindo de todos os orifícios enquanto nos beijávamos. Eu vi tudo se desfazendo sem som enquanto nos consumíamos. Eu senti a dor de seu coração e a apertei bem forte em minhas mãos, até se desfazer em líquido. No meio da água, vi de olhos fechados o reflexo de um monstro. O mal que não para de me olhar. Então eu abri os olhos.

Acordei de um sonho e percebi que não podemos mentir quando dormimos. O sonhar é a nossa única verdade sincera e sem interesses. É aquilo que simplesmente é, sem começo e sem fim. Os valores e amores se perdem nos labirintos confortantes da mente. Tem vezes em que só queremos acordar. Outras, em que não queremos renascer para vida, como todas as manhãs. Eu adoraria viver um coma.

Amanhã não será um dia bonito.

11 de setembro de 2010

Por Todo Lugar




Eu poderia dizer
Que moro num lugar seguro
Dentro de você
Mas minhas partes estão
Por todo lugar

Se desfazer é fácil
Veja como eu me desfaço
Se desfizer, refaço
Recompor, é bem mais complicado

Quem dera eu tivesse um lar
Ou somente um lugar pra ficar
Descansar o corpo um pouquinho
Guardar o que restou

Caí de novo
E agora vou
Voo
Voo
Voo

Passarinho bate asa
E não volta tão cedo não
Não volta mais pra casa
Não volta, não

Se eu pudesse
Um lar seguro dentro de você
No seu coração




--
*poesia nova pra carimbar o novo caderninho que eu ganhei de presente!

10 de setembro de 2010

Como eu quero*

De repente solta um “fica quietinha aí” sem nem perceber que pegou pesado na brincadeira. Não quero que fale assim comigo. Muito menos que pegue seu violão pra tocar duas notas de cada música que conhece. Assim você não vai me conquistar. Eu quero você tocando uma música inteira pra mim, sob minha janela, com cara de mistério. Sem piada boba, eu quero você sério.

Sabe o que vou fazer? Vou te passar a tinta. Tirar-te deste rascunho borrado por outras, vou te transformar em arte final. Longe de mim, nada dá certo pra você. Deixa eu te ensinar como ser bem melhor. Isso já estava decidido desde o início, não há como fugir. Você entrou sabendo da cilada, que seria cada um por si, menos você, que será sempre por mim.

Eu quero você como eu quero. Cara de mistério, sempre sério...

***

* Kid Abelha - "Como eu quero"
** Kid Abelha, que nem gosto, mais uma vez de fundo dos meus relaciona-mentos.

9 de setembro de 2010

These are my twisted words

Mãos sangrando de quem socou parede. Um soco e outro o punho cede. Com esperança, ainda sobra um pouco de ossos e nervos pra escrever. A cabeça já não sei. Ela já não sai, só voa em direção ao chão... Me traindo, mentindo a realidade, lixando o cérebro no asfalto, me lixando, fazendo eu me sentir um lixo... Lixado.

As noites são realmente solitárias. Sinto meu corpo como porcelana partida guardando uma alma quebrada

Meu caderninho de letras não é italiano ou tão chique para ser chamado de moleskine. Minhas palavras saem sem direção, querendo muito mais do que sou capaz.

me calo dizendo tudo em páginas.

Há clareza na fogueira do caos. A tocha ainda está em minhas mãos sujas com a matéria-prima do ódio. Unhas pretas de carvão e sangue seco. Não havia ninguém a minha volta. Eu destruí tudo, eu fodí com tudo.

---

*esse rascunho está aqui no blog há quase um ano. eu sempre quis escrever algo legal com esse título 'these are my twisted words', daí nunca consegui. o resultado foram essas frases soltas e perdidas que eu tirei de um dos meus caderninhos de anotações e fui jogando aqui pra ver se clareava a mente. até que fez sentido, essas são minhas palavras torcidas.

31 de agosto de 2010

Imagino

Imagino que se fosse honesto comigo, eu não ficaria tentada a olhar suas coisas na sua ausência. Fazia-o antes por curiosidade, para conhecer o que ainda não havia dividido comigo, descobrir seus hábitos secretos e suas organizações. E, claro, porque era proibido.

Imagino tantas coisas sobre você. E tudo que te envolve quero que me envolva também. E tudo que me envolve, quero que saiba. E tudo que tenho, quero que seja em parte seu também, pois o que é solitariamente secreto perde o gosto. Mesmo que não ativamente presente, seria um pouco nosso, se ao menos soubesse.

Imaginei na festa tomar posse da guitarra abandonada na pausa, atrever-me a ser ridícula e cantar para você a música que havia escrito. Mas não sou sem-vergonha, sou imaginativa apenas. E, no mais, meu medo agora de fazer tudo errado é demasiado grande para tentativas como tal. A frustração virou degustação.

Imagino ser surpreendida, ser preenchida ao menos uma vez nas expectativas que crio na minha cabeça.

Imagino nossas discussões terminando. Chegando a um entendimento que perdurasse além do momento, chegasse a um ponto final. Sem mais continuações, exclamações ou interrogações.

Imagino suas cartas, suas promessas realizadas. Imagino os tesouros ali contidos para por tanto tempo privar-me delas, suas palavras. Imagino todas as coisas que não me diz, as coisas boas, os charmes há tanto deixados de lado.

Imagino o que elas ganham de você. Por que elas têm os seus sorrisos e eu os silêncios pesados? As mensagens sem retorno?

Imagino o que fiz para tudo estar assim e o que deixei de fazer. Imagino o que mais tentar e chego sempre ao vazio. Esperar é doloroso, perdoar também. Mas ter que escolher entre estes é ainda mais sofrido.

Imagino o que pensa agora. Não, esta não é mais uma. Faço isso para me desarmar das dores. E tentar sofrer menos sozinha. Imaginei que minhas palavras, ditas ou escritas, fossem te tocar. Imaginei que meu chorar não fosse mais te irritar, mas apenas mostrar o quanto tudo pesa para mim também e de como você é importante o suficiente para eu aturar essa Alice que eu tanto desgosto para que você faça a Alice, que aqui se esconde por medo, reaparecer.

Ouvi Tom Waits e imaginei que tivesse sido você quem escreveu tais versos para mim.

E, entre tantos imaginar, percebo que vivo um relacionamento platônico nos momentos em que me convém.
(22.03.09)

20 de agosto de 2010

Remember Who You Are

Ah, o conforto do ódio, que há tanto havia esquecido, mas nunca substituído. Soa como eco dentro de mim e vaga pelo vazio até sombras contemplarem as informações e se consumirem dela. Até sumir tudo novamente. Amor sem afeto é como raiva sem dor. No final, sobra sempre a mesma coisa.

Eu construí a minha fortaleza, e ela me protegerá e me tornará forte. “Sê forte, irmão guerreiro, liberte em ti silenciosamente a fúria que consomes”, certa vez ouvi de um cavaleiro num passado distante. Eu havia me esquecido e me tornei fraco, vulnerável, escravo.

Servir à raiva é um propósito, mas então, qual é o próximo? Eu encontrei uma solução diferente para curar a dor que a vida traz. Raiva vem da dor. Raiva não cura a dor. A única coisa que a raiva faz é empurrar a dor para bem dentro de você, então com isso você constrói uma parede ao seu redor que manterá todo o amor afastado.

Se eu fecho os olhos,
é pra te proteger de mim mesmo.
Dentro de mim, te guardo e te assusto.
Te dou o sonhar e te destruo.
Morro pra te deixar viver.

Eu vejo a traição disfarçada. Consegue ver o ódio em meus olhos? Eu simplismente não aguento mais conviver com mentiras, hipocrisias, vidas e vidas. Eu não posso, não consigo confiar em mais nada. No final, o que sobra?

Pra onde vai tudo o que se sente?

16 de agosto de 2010

A Batalha Jedi de Equus caballus em Love Dream num Caleidoscópio Fluorescente em Câmera Lenta

A música cobria todo o som ao redor. Love Dream tocava enquanto meu reflexo e eu brincávamos de Jedi com lâmpadas fluorescentes compridas, dessas de escritório. Em câmera lenta, estourávamos um no outro e respirávamos aquele pó de vidro que subia no jardim. As faíscas pareciam mini fogos de artifícios que confundiam os insetos com um ano novo fora de época. A luz cegava lentamente e dominava o ambiente, deixando tudo pálido e com aspecto frio.

Ao piscar, meus pesadelos assombravam por um período longo de tempo. Eu abria os olhos e a luz me obrigava a fechá-los. Quando se aperta os olhos com as mãos, as cores alaranjadas e roxas tomam a vista do cérebro, fazendo tudo ficar divertido como um caleidoscópio natural. Enfrentava as luzes coloridas porque era gostoso e curioso descobrir outros olhos em mim. Minha cegueira temporária era o motivo das minhas risadas.

Cavalos brancos relinchavam e corriam entre nós, pisando e deixando explodir mais vidros e luzes pelos ares. Eles passaram por mim e pude sentir seu cheiro enquanto era ignorado pelos equinos. O vento me dava a sensação de liberdade e pude flutuar baixinho por um instante. Tudo bem devagar, como se estivesse tudo acontecendo embaixo d'água.

Quando eles se foram, Allan apareceu com corpo de Homo sapiens e cabeça de Equus caballus segurando um porta-joia chinês com a única gravação original e inexistente da canção tema deste texto. Entramos todos na caixinha mágica e dançamos a triste valsa, eu, Allan e meu reflexo que reviveu no espelho de ilusões históricas e segredos guardados ali.

12 de agosto de 2010

Insolúvel

Hoje eu decidi não sair de preto. Tampouco quis ficar perto do que me deixasse pra baixo. Chega desse luto que já dura mais da metade da minha vida. Hoje eu dei um basta na tristeza para dar mais espaço à saudade pura misturada ao café de toda manhã. Mas fiquei mais um pouco na cama, não consegui sair.

Disfarcei meu choro tímido de poucas lágrimas nas cores dos panos que cobriam minhas vergonhas e me protegia do frio logo da manhãzinha. Faz sol aqui, está um dia bonito até. Queria te visitar, mas não vai ser possível, agora sou adulto e tenho responsabilidades que me impedem. Mas só hoje, logo menos te levarei flores e um sorrisinho salgado.

Foi só quando peguei meu primeiro copo de café pela manhã que percebi que agora somos desconhecidos. Eu mudei e mudei e estou mudando, sim, porque estou vivo neste plano. E você, eu me dei conta que, na verdade, não te conheço. Te conheço assim como você me conhecia, com olhos de criança. E como seria eternamente grato se pudesse conversar com você um pouco agora, saber quem somos como indivíduos. Se não me acompanha e não sabe de mim, tenho tanta coisa pra contar, tantas alegrias e tristezas de uma vida inteira – porque, sabe, eu não gosto da vida, não mesmo, mas a aproveito muito bem, vivo.

Gostaria tanto de saber como você está.
Falta filtro no meu pó.
Falta água no café,
vida breve
num gole.
glup!

Antes, como você sabe, eu ficava na mesa imitando meu avô mergulhando coisas no café-com-leite enquanto você corria com todo o trabalho para servi-lo enquanto ele ficava sentado - rotina praticamente religiosa. Hoje, gosto de tomar café sozinho, sempre preto, puro.

Às vezes me lembro de tudo e parece que não dissolve.

6 de agosto de 2010

High and Dry

Mareado pelo cheiro forte da falsa natureza do incensário, foi até a janela e acendeu um cigarro. Lá de cima via até onde a névoa do frio permitia ver. Deixou congelar os dedos enquanto observava a vida ao seu redor. Sombras na rua fugiam da garoa enquanto ele a encarava.

Sentia o conhaque descendo por sua garganta, o álcool em seu bafo evaporava com a fumaça da baixa temperatura misturada a do cigarro. Entristeceu por não poder mais ver o cemitério em frente à sua casa, que trazia tantas lembranças de infância e agora tampado por construções dos vivos e adultos.

A música alta, orgânica e clássica vinda do quarto dava o tom passivo da depressão. Há tempos não se sentia assim, tão como no passado. Por isso também, não gostava do frio, porque a temperatura externa refletia o seu interior, fazendo seu coração expandir até por onde não conseguia enxergar.

Suspirou olhando o céu claro em tons pastel e ficou imaginado ser sangue flutuando quando na verdade era uma rabiola vermelha presa nos fios. Pisou no chão gelado para se sentir vivo, e se sentiu. Sabia de sua vivacidade e a considerava, às vezes, uma maldição. Suas cicatrizes e machucados doíam no frio, mas ele não saiu de lá.

A tristeza invadia seu peito a cada respirar, sem resquício algum de felicidade. Contou as gotas que caiam da calha a cada três minutos. Nunca foi muito sistemático, mas gostava quando era mais Alice. Não a do País das Maravilhas, mas a do Wonderlando mesmo. Às vezes matava a saudade tentando ser um pouco mais ela ou imitando suas manias só para se sentir mais próximo e aquecido. Sempre funcionou.

Enjoado, queimou o resto do cigarro em seus dedos e deixou voar. Depois procurou a bituca desesperadamente e nem sabia o motivo. Olhou tudo a seu redor e desconheceu. Derramou álcool por todo lugar, sem querer. E, brincando com o isqueiro, ficou tentado a atear fogo em tudo ali, para esquentar mais as coisas, talvez, mas a sanidade ainda predominava. Se sentiu covarde.

Tudo estava tão molhado, mas nenhuma gota pingou de seus olhos secos.




“To all the boys and the girls outside
You know I didn’t cry
But you saw me anyway”

3 de agosto de 2010

Sepulcro Vazio


- Deixa durar então, até você ter um câncer.

Esse foi o meu boa noite dos últimos dias. O meu bom dia me acordava com a mesma mensagem, aquela mesma de todas as manhãs. Para não me fazer esquecer de algo que se espalhava dentro da minha pele, pelos meus ossos, atingindo a corrente sanguínea. A mancha negra no raio-x de meus sonhos incontroláveis ganhava forma e força a cada sinal de desesperança.


Eu lidero o festival, fazendo decisões e organizando tudo. É o que eu preciso fazer antes que tome o controle e foda minha vida de vez. Eu quero passar no teste e cumprir com louvor a minha vida atormentada. Só não entendo por que tenho que escolher um lado.

Morte é a minha dor que não me deixa deitar. É a maldição das fissuras em minha pele putrefata que alimenta a fogueira fétida de outros como eu. Outros doentes como sou.

Eu estou tão cansado, minhas pernas não aguentam mais a fraqueza de meu coração. Eu perco todas as batalhas, porque sou fraco. E cada vez mais.


Nunca durmo em minha cama.

30 de julho de 2010

Assombro

Aparece sempre ao fundo, em segundo plano. Risadas que eu não sei de onde vem, sussurros que eu nunca consigo entender, sombras que desaparecem quando eu olho. "Vão embora", eu digo a elas – então eu saio e me tranco pra fora. Bato na porta até minhas mãos sangrarem de tantos socos. Cansado, bato com a cabeça, uma. TUM. Duas TUM. TrêsTUM. QuaTUM. TUM...

Eles não saem. Eu permaneço.
Eu saio.

Me seguro em sentimentos que mantém o ódio vivo. Ninguém me deixa sozinho, ao mesmo tempo que percorro um deserto caminho de escuridão completamente tomado por almas fracas que se desfazem na tempestade de areia. Solidão. Todas as mentiras e traições me perseguem com raiva e dor e sofrimento das vozes no meu cérebro. Desperdiço vida a cada passo, a cada lágrima, a cada trepidar da voz, travada pelo nó que não desata. E a cada sorriso de um dia em que fui feliz.

E fico pensando, pensando, pensando... O quanto essa porra toda significa. Um segundo a mais é um segundo a menos no relógio do tempo. Mas só vou parar quando meu coração parar. E fico pensando, pensando, pensando... E a cada pensar, morro devagar. Uma morte leenta que vai tirando aos pouquinhos, me preparando para o grande final.

Eu estou pronto para partir, já não enxergo mais tão bem, com tanta lucidez. Constantemente eu combato as dores dentro de mim. Mas eu não consigo mais controlar, estou só perdendo meu tempo testando toda fé ao meu redor.

Eu só sou um idiota assombrado pelas próprias ideias.

6 de julho de 2010

Super-heroi


Eu não tenho nome fresco, nem sou tão inteligente quanto seu super-heroi. Talvez nem beije tão bem ou tenha a pegada tão boa quanto ele. Seus cabelos devem ser bem mais macios e de um enrolado bem mais organizado; e seu sorriso mais sincero com aqueles dentes brancos, completando o conjunto da obra na pele bronzeada e com olhar idealista de vigilante. Enquanto eu nem sequer tenho uma capa. Hahaha, como pode, eu não ter uma capa...?! [a minha é um mero pano amarrado.]

Eu sei que você não me admira como ele, não conversa comigo o que conversa com ele, mas te entendo, não tem motivos pra isso. É difícil, não tenho armas ou forças ou superinteligência para competir. Eu te entendo como deve ser fácil cair em seus braços e se deixar levar pelas conversas moles sobre seus outros herois. Ele também já vem de uma linhagem de herois, seu pai, o professor Xavier. Eu não moro sozinho num apartamento legal no centro da metrópole - moro em lugar nenhum cheio de gente e que não me pertence de nenhuma forma; e se for preso pelo inimigo, será por tráfico, por roubo, homicídio, qualquer besteira que não importa, não vai ser o seu orgulho de cárcere ideológico. Ele é tão charmoso, bonito e fala tão bem... E eu não tenho nem uma identidade secreta. Merda, preciso urgente de uma dessas.

Eu até gostaria de ser seu Superman, ter uma roupa bacana, estudar seus aliados e fazer parte da Liga da Justiça. Já tentei, mas falhei, falharam comigo. Acho que estou mais pra anti-heroi. No fundo, sei que estou mais pra alguém que não acredita em nada disso, que não faz parte de grupos, não tem superpoderes nem superinteligência - porque eu não consigo, não sei, tá bom? Mas eu gosto de fingir que gosto de ser assim, um outkast fora-da-lei, um lobo solitário autodidata. Mesmo perdendo coisas importantes, mesmo tendo que ser eu mesmo, só isso, um gênero comum de uma espécie decadente. Mesmo sendo um pedaço do que você disse ser perfeito.

Talvez eu seja um pedaço de kryptonita, uma bem lapidada, daquelas que parecem pedras bonitas, mas que não significam nada. Talvez essa pedra seja só vidro, que você insiste em jogar no chão só pra recolher os cacos com lágrimas de desculpa enquanto eu morro em silêncio sem salvar o dia.

De super eu não tenho nada, amor.
Tinha você.

1 de julho de 2010

Histórias de Dormir [Segredos do Céu]

(Das palavras não me lembro, mas segue aqui a forma como eu gostaria de ter contado.)

- Que poético.
- É, foi. E eu nem percebi. Queria conseguir lembrar disso depois.
- Você não vai.
- Sua vez.
- Tá.
- Estrela, cobertor, aldeia.


Segunda noite: Segredos do Céu

Era uma vez uma aldeia. Meia-noite, silêncio. Noutro lado do mundo, enquanto os reis articulavam, ela fugiu. O clarão deu notícias de sua chegada.

Ele acordou assustado e correu. Viu uma mulher rodeada pelo nada. Longos cabelos loiros escorriam pelo vestido cor de céu. A levou para casa, ela estava fraca. Inquieto, pensava nela, da onde teria surgido, a quem pertenceria? Tanto quanto ela, estava perdido, não sabia o que fazer por tão frágil criatura. Tentou em vão se aproximar de seu corpo, mas teve medo de quebrar sua pele porcelana.

Depois de um tempo ouviu sussurros vindos dela. Ela dizia “não”. Sua agonia fazia da palavra algo tão triste, como se a morte viesse buscá-la e a recusa fosse a única possibilidade. Mais tarde ele entenderia que a opção nunca foi esta.

Ela o enfeitiçava e ele passou horas a admirá-la, enquanto dormia e reluzia. Mas a luz sumia aos poucos. O desaparecimento o levou até o curandeiro da aldeia, que ouviu atentamente a história da jóia encontrada no meio do nada. A cada palavra o curandeiro desvendava o seguir da carruagem. E com delicadeza desvendou a história da rainha morta, a estrela caída.

“O futuro do céu é incerto, meu filho. A estrela de hoje pode já não existir. Foi assim que ela veio a terra. A antiga rainha cedeu seu espaço e veio à terra dar seu último suspiro. Cadencialmente elas se suicidam. Encontrá-la não foi mero acidente, sua ajuda é necessária. Ela aguarda o resto de céu que a levará, o manto que colocará fim à sua existência.”

E com o cobertor cor de céu ele deixou a casa do curandeiro, pronto para cumprir com sua tarefa e apagar o fogo que insistia em reluzir nos seus cabelos. A jovem rainha dos fios quase brancos. Aquela que quase nada denunciava a idade, não fosse os cabelos.

Ao entrar percebeu o sorriso em seu rosto. Mesmo de olhos fechados ela sabia que ele encontrara o manto. O perfume dos céus invadiu o quarto. Foi com lágrimas no rosto que ele a cobriu, centímetro por centímetro. Despediu-se de cada parte do corpo e eternizou as horas em que passaram junto com um beijo, antes de cobrir seu rosto.

A luz desapareceu. O mundo voltou a ser cinza. Só o céu manteve a cor do seu vestido, que alternava com o brilho de seus cabelos quando o sol resolvia surgir. O feito de sua vida estava feito. A proeza durou algumas horas, mas que outra pessoa se vangloriaria de ter atendido o desejo de uma estrela cadente?


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Se você tem interesse em participar escrevendo um texto, mande-nos um email ou comente aqui mesmo. O próximo desafio é para a Alice, com as palavras: papel, gel e vapor. Daí ela escolhe mais três para o próximo e por aí vai.

A primeira noite você confere AQUI.

25 de junho de 2010

Yuri

Há anos, o nome Yuri continua aparecendo significativamente para mim. Fora todos os 4 Yuris marcantes na minha vida, tenho certeza que ainda vou casar com um Yuri, ou vou ter um filho Yuri ou, muito mais provável, um cão Yuri. E outro Iuri, e outro Iury, e outro Yury...

O primeiro, amigo do meu irmão, lindo, cobiçado no colégio, usava tiara (época de Cauá Reymond em Malhação), veio dormir em casa. E depois, ah, ele me cumprimentava no colégio... com a mão na cintura ainda! Isso significava muito naquela época, hoje, nem tanto. Paixão platônica e só.

O segundo caiu perdido na minha classe, loiro, dentes um pouco tortos, nariz grande, cabeludo, uma graça. Todas as meninas gostavam dele também. Virou meu melhor amigo e meu primeiro amor. Com ele descobri o valor da amizade masculina - coisa que eu nunca mais vou dispensar. Ele nunca me olhou com os olhos que eu secretamente queria, mas publicamente negava. Às vezes, bem raramente, sinto o cheiro do perfume que usava e lembro com um grande carinho dele e da nossa aliada caneta bic verde.

O terceiro eu odiava. Mesmo. Cara tosco, metido, com cabelo cacheado como o primeiro e dentes tortos como o segundo, se achava o gostoso e mano do rap. Por meses o odiei. Até que fomos apresentados e nem sei como já dividíamos um blog. Ele me encantou de tal forma que me apaixonei. Platonicamente, como nos dois anteriores, ele também nunca me olhou com aqueles olhos. Até que eu cresci e virei mulher. Então, me viu. Um pouco tarde, mas assim foi melhor, melhor amigo, isso foi, isso é, isso continua firme. Com muito amor.

O quarto, desconhecido, barbudo, misterioso, dentes um pouco tortos também, ficou só me observando, tímido. Fui me apresentar e, quando ouvi o nome Yuri, soltei um incontrolável "Ah, não! Jura?". Como podia? Sou um imã de Yuris. Enfim. Yuri, o quarto, se tornou. E se mantém me mostrando outros "Ah, não! Jura?" - coisas maravilhosas que eu não acreditava que podiam existir, mas que existem.

Meus Yuris me fizeram e me fazem muito feliz. Nome abençoado.

***
Se você se chama Yuri e ainda não me conhece, entre em contato! Seja você também parte desta história de amores! Mande um email para: alice.frank@gmail.com
(Sujeito a número de vagas)

24 de junho de 2010

Knife Party

Luzes. Escuridão. Luzes. Escuridão. E assim permaneceu, como se eu estivesse abrindo e fechando os olhos a todo instante, mesmo eles estando intactos, vidrados em lembranças longes dali. Secando e lacrimejando, abertos em memórias, distante do agora.

Alguém me procura, passa a mão em meus cabelos e me beija. “Você está lindo hoje, Kiddo”. Obrigado. Continuo parado. O rosto amigo some na escuridão. Aparece na luz. Some na escuridão. Como todas as outras. A música é boa pelo menos, penso tentando me enganar pra me alegrar naquele instante.

Vejo mais rostos conhecidos, me cumprimentam, sorrio de volta. Sou querido no meio de pessoas também queridas. Dou um gole no perfume dentro do copo. Mais um pouco pra dentro do corpo. Eu gostaria de estar ali, mas minha cabeça está em outro lugar. Flutuo pelo ambiente em busca de diversão ou algo que mate a saudade ou baqueie meus anseios. Talvez alguma insanidade pra alimentar meu espírito inquieto, inconstante, insano. Mas estou são. Sóbrio, me resta beber. E eu odeio beber.

Aqui todos são anímicos. Alguns são doces, e me alimentam com seus venenos. Então eu fico voando e divagando pra sempre nesse espaço. Meu peito bate conforme o grave do som, mas a minha real sensação é a de que está tudo parado. Olho direto nos olhos do clarão, ele me devolve a negritude da ausência. A luz brilha no escuro, e a escuridão nunca vai entender isso.

Cambaleio dançante até o banheiro. Não sou um homem sério, tampouco sou feliz. Gargalho com amigos no caminho, mas há um vazio tão grande dentro de mim que me completa - adoro uma ironia. Não estava ali e não estava em nenhum outro lugar. Meu pensamento só quedava no que havia perdido, talvez para sempre. Luzes me lembravam seu olhar, e na escuridão, eu a via caminhar nua em minha direção com os ossos brilhando, como um espírito em raio-x que aparece em meu sonhar. Ilusão.

Me misturo ao vômito e mijo daquele lavabo e marco lembranças em minha carne. O sangue começa a sair pelo espaço que concedo. Escorre pelos meus braços, escorre pelo meu peito, escorre pelas minhas pernas. Tenho algo dentro de mim, enfim. Algo para me tornar vivo, uma tentativa falha pra tentar não pensar, me distrair. Tem algo maligno dentro de mim que não me permite ser além do que não sou. E não se esvai com o sangue.

Minha cor vai pingando naquele banheiro. De repente, o lugar parou de altenar entre luz e escuridão e prevaleceu somente um. De repente, eu fui levantar e caí. Acho que bebi demais, acho que estou sangrando demais. Acho que vou ficar por aqui.

Ela é minha festa particular. "I’m the new king. I taste the queen"

Oh, decadência, pegue sua faca e me beije.










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Dedico este texto à minha irmã, Teta Gorda, que também considera a música que leva o mesmo nome do título fantástica, porém não é adepta da prática. =)

21 de junho de 2010

Histórias de Dormir [Segredos do Mar]

- Conta uma história pra eu dormir?
- Ah Yu, eu não sei. Conta você.
- Ahhh eu?
- É.
- Hm... Não consigo pensar em nada agora.
- Consegue sim. Vou te dar três palavras e você vai contando.
- Tá.
- Praia, céu e peixes.
- Hm... Beleza, vou tentar.

Primeira noite: Segredos do Mar

Quis sentir os vidros em seus pés. Moídos, os cacos se misturavam a outras coisas misturadas a outras que formavam cacos que se misturavam a seus pés. Segredos partidos na areia. Areia que nos olhos são sonhos, nos pés, caminhos.

Quanto mais afundava nos vidros, mais entrava naquele deserto que aos poucos se tornava praia. Mais ela fazia parte de mim e eu dela. Olhei o Sol no topo, não estava calor, não era verão, mas brilhava imponente sem se importar. Ele brincava com as sombras de tudo, só pra se distrair, matar o tempo. Elas dançavam a minha volta fazendo um convite que recusei.

Percebi então que o mar não tem sombra, só um lado sombrio. Apreensivo, pus um pé, depois outro. Não sabia dizer se a água estava quente ou gelada, com ondas agitadas ou cansadas. Adentrei hipnotizado, como se a própria Iara ou Iemanjá tivessem aparecido e me feito o convite. Quando vi, só estava com a cabeça pra fora, então me deixei afundar.

Percebi que as estrelas que caiam do céu iam parar ali, no fundo do mar. E a luz do Sol não alcançava os mistérios reservados a poucos. Lá havia um enorme vazio, como na superfície, só que tudo era em câmera lenta. A semelhança fazia com que tudo fosse parecido e a tristeza tomava conta de mim aos poucos, fazendo meu humor combinar com o azul frio do mar.

Foi aí que, cansado de olhar tanto pra baixo, olhei pra cima. Vi uma luz lá do alto, os peixes flutuavam no céu.

16 de junho de 2010

Diamond Eyes p3 [Fim dos Mundos]

Não queria ir devagar, queria levá-la para casa. Queria poder sonhar novamente, encontrá-la novamente só para ouvir o que tem a dizer. Não havia língua em sua boca, sua pele cansada, marcada e frágil indicava a doença. Seu olhar, esperança.

Pálido, doente, fraco. Ela reapareceu e sentou ao seu lado. Estendeu a mão e lhe ofereceu um cigarro, um cigarro mágico. Lá estava ela, completa com suas roupas de couro, pele indígena e cabelos negros e desgrenhados, como se nunca havia partido. Ela também não podia falar. Estava ali, no limite do além, e se bastavam.

O pegou pela mão e aconselhou com um pedaço de papel surrado: “Embrulhe seu coração, você talvez vai precisar dele”.

“Venha pra fora e inspire a vida, relaxe os ombros e deixe-me entrar”. É um jogo que eles gostavam de brincar. Ele ainda precisava resolver as coisas no mundo exterior, além do fim. Esse foi o conselho dela pra ele, que finalmente entendeu, amadureceu e se fortaleceu para as batalhas seguintes no mundo que dói.

Permaneceram ali. Os olhos de diamantes dela diziam saudade de um futuro incerto, os dele indicavam medo de ter que voltar, acordar e enfrentar tudo de novo, de uma forma dolorida. Porque procurar a dona do diabo não era o mal, pois não se sentia ferido, não havia conseqüências inseguras. Não mais. Ele se sentia o próprio demônio em seu braço.

Ele jamais esqueceria. Ela também, e sentiu que o perdia pra ele mesmo.

Até o fim dos mundos.

14 de junho de 2010

Diamond Eyes p2 [Caminhos Perdidos]

As memórias são filmes sem ilha de edição.
Ideias rondam os homens
que falam línguas que parecem sem razão.
Ele ainda estava perdido,
Sua amante prometia retornar,
Mas ele havia esquecido.
Ela mentiu.

Por mil dias ele andou sem parar, se arrastando pelas noites de seus olhos. Nunca mais viu luzes cintilarem tão forte, com tanta precisão. Não sabia seu nome, nem ninguém a conhecia no fim do mundo onde ela o havia mandado.

“Foi muito bom estar com você aqui”, os demônios repetiam retorcendo a voz dela em sua cabeça. Ele nunca estava cansado, mas perdido, sem saber se realmente desejava voltar ao mundo desperto. Seus passos infinitos não rendiam. Confuso, contou e ouviu histórias sobre mulheres piratas e amazonas, xamãs que dominavam a língua dos homens e os fazia escravos da liberdade. Não se falava em realidade ali, não havia motivo para definições. Só histórias.

A sentia por perto, em outros planos, em outros seres, em tudo ali. Ela o mandara para seu mundo para que ele pudesse mandá-la para o dele. No meio da jornada se questionou e se perdeu confuso.

Havia dúvidas sobre quem salvar. “Eu vou encontrar um caminho, vou confundi-los, eu acho que consigo. Vou salvar sua vida”, ele dizia. Quem corria para resgatar uma alma perdida agora precisava ser salvo. “Você é quem precisa ser salvo”, a voz dela batia forte dentro dele. Ele nunca mais a viu. Ela prometeu.

Ele não dormia.

Nunca mais sonhou.

12 de junho de 2010

Diamond Eyes p1 [Pesadelo]

Para o topo. Foi seu objetivo: sair daquele lugar desconhecido e subterrâneo. Quando chegou à superfície, havia se esquecido de tudo que vivera, até que percebeu um orvalho num chão de cristais, combinava com os diamond eyes. Havia esquecido, então lembrou de alguma coisa.

Seu paradeiro de tempo perdido. Uma garota, se lembrava de uma garota com um diabo tatuado no braço. Um diabo que dizia “siga-me”, e ele como todo mortal, seguiu sem opções. Como se nega um pedido do diabo?

“Quando os caixões balançarem e as agulhas quebrarem...”, cantavam os demônios em sua cabeça. A garota com aqueles olhos brilhantes se aproximou de seu ouvido e sussurrou: “você é o meu sonho, mas eu sou pesadelo. O seu pesadelo mais bonito”. Raspou arranhando seus dentes afiados por seu pescoço. Ele a segurou e a beijou. Ela disse não. Saiu do sonhar para tomar vida. Ele quis ir junto, ela lhe deu a mão. Partiram para o mundo desperto numa jornada infinita.

Tomou o comando só porque podia. Não era culpa dela ele se meter na perdição do espaço. Ele apenas seguia seus olhos que faiscavam como estrelas cadentes numa galáxia escura. Isso o deixava insano. Ela fazia pose com suas bela roupa de couro, caras e bocas e charmes como quem montava a cena de um filme ou uma história em quadrinhos, porque sabia que estava no controle.

O abraçou confortavelmente, repousou a boca em seu queixo, sorriu, mas não o quis. Então foi pesadelo. O mandou em direção ao fim do mundo com uma simples risada, mas sem o beijo da morte. O pior castigo de um homem é ir parar nos braços de uma paixão sem poder morrer.






“My gift to the world outside
Its ok, I’m alright”.


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Vivi, sonhei, acordei, ouvi e escrevi o Diamond Eyes em três partes: Pesadelo, Caminhos Perdidos e Fim dos Mundos.
É isso aí minha gente, finalmente um desejo antigo realizado: o Wonderlando está de cara nova!

Ainda não está totalmente pronto, mas digam o que acharam nos comentários.

6 de junho de 2010

The End

A música vai tomando conta do meu quarto. Canto alguns trechos involuntariamente, deixo tomar conta de mim. Ouço algumas vozes. Paro a música assustado. Ninguém. Lá fora está frio e aqui dentro, quente. Muito quente. Se abro a janela, o frio toma conta, se pego um cobertor ou uma blusa, calor.

Uma mulher apareceu. Não era minha mãe, minha irmã ou minha amante. Ou qualquer uma do passado ou de minhas lembranças. Antes que eu pudesse arrepiar assustado, ela se vai. Me deixa um recado que não compreendo.

Pego uma carta recente e leio seu triste lamento. Só mais um lamento, entre tantos já feitos. Brinco com o fogo para ver se aqueço suas letras frias. Só mais um lamento.

[esse texto eu fiz em 3 de fevereiro de 2010, às 18h35. eu fiz o fim, que é o parágrafo a seguir, antes do meio. Daí, nessa bela tarde de 6 de junho de 2010, exatamente às 14h29, eu fiz um texto pra chamar de The End e havia me esquecido deste, com o mesmo nome. Portanto não o terminarei. Ele é isso. Eu também. Um texto que chama The End, que no final diz ter um final inexistente, e na verdade, não tem o meio, mas tem fim. (sem querer) Eu ri.]

Eu sou esse maldito que se aquece, fortalece, adormece e se alimenta do fim. A ouroboros que se consome de forma infinita, a lemniscata, o universo conquistado.

Um final inexistente.
E não feliz.

The End

“Você tem algo com final feliz?”
“Você tem algo contra final feliz?”
“Você tem final?”
“Você é o fim”.

Quando a gente chegou ao fim, eu o quis primeiro quando ela quis antes de mim. São palavras que não se encontram em letras destacadas que não significam. As lembranças na porta branca rodeiam pensamentos de outrora.

No céu laranja, tons sobre tons de azul, roxo e lilás guiavam um navio de cristal, que se refletia na pista de vidro abaixo de nós. Pisávamos no inferno quando parecia paraíso. Até o espelho começar a trincar.

Dizem que é um novo começo. O fim vem antes do começo quando o relógio está do avesso e nos permite voltar. Enquanto ela faria tudo igual, eu, tudo e todo diferente. Uma peça de um quebra-cabeça inexistente questionando o que é o bem e o mal. Quem fez assim ser isso?

Eu entrei num ônibus azul cheio de crianças insanas. Todos os adultos não-insanos me olhavam com seus olhos rochosos como se eu fosse um nóia qualquer ou um ladrãozinho barato. Como se eu tivesse algo a dizer, abri minha boca seca e quebrada. Nada.

A música que tocava nos fones soava como uma velha viagem ruim que eu era obrigado a ouvir. Jim não parava de me enlouquecer. Jim e ela. E todos que me encaravam com suas almas vazias.


Eu tenho vários finais. Tive muitos felizes. Não tenho nada contra finais. O irônico é que o fim nunca vai ter fim. Mas só enquanto ele existir. Eu queria acabar por aqui. Queria que tudo acabasse agora.

...

Não consigo me concentrar em nada. Perdi o final do filme, do livro, do texto... Só não perdi o nosso final.

O fim é meu único amigo.
Enquanto eu me fodo,
enquanto chegamos. Fim.

26 de maio de 2010

Motivo

Você me despedaça, veste minha carcaça. Você, que tinha peso pra erguer, agora pisa em mim para se manter. Se eu me afastar, se você me largar, será que volto a sorrir?

Você está me matando de novo. Eu ainda sou uma lembrança? Sou quem controla os corvos. Você controla-se em vingança. Você costumava me iluminar, agora me joga na escuridão.

Estou te perdendo de novo, como se me digerisse por dentro. Eu acho tão difícil conviver com alguém, me permitir estar com alguém. Sou como o vento, que não sabe para onde vai, mas se mantém. Eu costumava te alegrar, agora eu sou quem te entristeço.

Sou patrono dessa realeza. Estou confuso em ódio fresco. Construí meu reino de tristezas. Quanto mais eu tento a cura, mais eu apodreço.

Não consigo perder ou parar com os gritos. Me confino a ser sempre um maldito. Me racha, me parte, me confunde. Maltrata estar vivo. O pior de tudo é não conseguir saber o por quê.

Eu queria um motivo.

21 de maio de 2010

Monstro Embaixo da Cama

Allan me acorda. Está frio. Quando finalmente resolvo atender a seus apelos, o vejo dormindo ao meu lado. O sono dos mais pesados. Allan não acordou aquela noite. Era cedo ou tarde, não sei dizer exatamente o quanto três horas da madrugada significam. Lendas urbanas dizem que é a hora do diabo. Eu sou o diabo, ao mesmo tempo em que não acredito.

Acordo Allan, que quando acorda, me vê dormindo ao seu lado. O mais profundo sonhar. Ele está cada vez mais comigo e se faz cada vez menos eu. Olha as horas, mas o que representam esses números? Lendas urbanas dizem que Allan não existe. Ele se acha deus.

O acompanho até a saída de mim, quando dei por mim, eu é quem havia saído. Trancado pra fora, nu, vestindo apenas uma forca ao redor do pescoço. Corro para as colinas, a inquisição me aguarda. Allan está lá a minha espera sem carta de alforria. Todos estão presentes. Me encapuzaram e preparam para o ritual. Meu pescoço quebra, Allan cai.

Eu acordo caindo. Allan dorme ao meu lado. Acorda assustado, caindo. Me procura. Acordo. Allan acorda. Eu sou o monstro embaixo da cama.

19 de maio de 2010

Sobre cabelos

Quando passaram a mão em meus cabelos, me perguntaram se você dedicava horas a afagá-los. Parei por segundos e viajei a uma cena, não aquela em que você me incentivava a cortar meu cabelo curto, cheio de personalidade, mas a outra cena. De tão infeliz que foi e de tão envergonhada que me sinto por isso ter acontecido, não vou dizer mais nada. Só que, quando essa digressão terminou, virei para os que me perguntaram com olhos chorosos e disse “não”.

***

Então, chega a meu conhecimento um tal devaneio. Não sonho, mas aquelas experiências sensoriais semioníricas. Seguem segundos de apreensão sobre o conteúdo. Será que quero saber, será que consigo aguentar, o que será? Como uma eterna curiosa, nunca direi não. Então, peço que me conte. E descubro que a dúvida paira dos dois lados: não sabe se eu devo saber também. Mas me conta e me alegra. Digo novamente sobre a timidez que tenho nestes contextos, algo que você ainda não vê. Dirá que não se importa, verá minha vulnerabilidade inicial.

Pensou que passava a mão no meu cabelo.

***

No banho, pedi que lavasse meu cabelo, só por preguiça e porque você é mais alto. Fechei meus olhos para que não me cegasse com a espuma. Embaixo do chuveiro, senti a água escorrendo e tapando meus ouvidos. Então me lembrei da minha mãe lavando meus cabelos quando eu era pequena e senti seus toques suaves, retirando o shampoo de todos os fios, até dos mais escondidos. Quando terminou e quis ser adulto, pedi um segundo para aproveitar minha infância, nunca havia me recordado disso.

E foi neste dia que cantei “All I Want” de Joni Mitchell e disse como ela falava sobre mim. Você significou uma parte da música que ainda não fazia sentido... agora só falta eu aprender a tricotar um sweater.

10 de maio de 2010

28.

Seus olhos são flores
que eu insisto em regar com tristeza.
Gostaria de chorar também suas belezas,
mas agora sou deserto,

e meu deserto chora areia.

Nos acolhemos sempre na tempestade
acampamos nos abismos mais perigosos,
desfrutando os medos em momentos
infantis e orgulhosos.

Foi um pouco depois da lua nova pendurar no céu,
te encontrei a mais bela
anunciando um novo romance,
me dando um velho papel.

Carreguei meu ódio cansado e pesado
ao redor de seu
corpo.
Não sei se já passava da meia-noite,
mas,
meio
bêbados,
meio
a meio
e meio
inteiros,
beijamos
um beijo
e meio.
Conforto.
Nós morremos um pouco
depois do amor nascer.
Um pouco
depois que havia me sentido vivo
após tanto morto.

Te ouvia gritar em meus gritos febris em descontrole,
em cada nota construída que eu viole...
Para minha flor de fim de tarde.

Já era tarde.

Suas mãos estão nos ramos,
sua voz está na brisa.
Novamente machucamos
e acabei manchando de sangue a branca camisa,
o sumo de um coração extinto.
As ações doloridas banalizadas em dramatizações batidas.
Desculpe,
é só o que eu sinto.
Em goles de vinho tinto
para fazer ir embora,
você me expulsa
ao mesmo tempo em que me quer na hora. O que se fazer de nós,
senão desatar?
Teimosos,
ainda tentamos buscar,
o que muito perdemos e julgamos banais.
Eu nunca te alcanço,
Quase nada satisfaz.
Quase tudo fica pra trás.
Sabemos que seremos para sempre,
e para sempre,
nunca mais.

O cabelo dela está no jardim,
entre os espinhos,
fazendo a morada de aranhas.
Ela me arranha e estranha.
Me aguarda
me guarda
para o fim.

Vinte e oito dias de amor.
Mais vinte e oito,
teu peito, meu acoito.
Dois infinitos de dor.

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Finalizando a série que começou com o I Have the Map of the Piano, com todo romance meloso e brega; passando pelo falso-
excitante e sem efeito Gole de Pernas; até aqui, no inerte e estúpido 28. =)

7 de maio de 2010

Ajuste os controles para o coração do Sol


A neblina que deveria nos impedir de ver faz enxergar muito mais. Fumaça contra a luz. Allan olha a luz e sente seu calor, encosta sua mão bem devagar até tapar parcialmente o brilho branco. Allan é o eclipse do Sol.

Toco uma canção na extensão de mim. A vibração deixa o corpo leve por dentro e mais pesado por fora, me domina a ponto de não conseguir parar ou controlar as notas. Allan dança hipnotizado a canção dos condenados.

Ele me dá um beijo e sua saliva é ácida. Desmaio e caio de uma vez no chão. Quando acordo estou num lugar de terra vermelha e céu laranja, uma terra gelatinosa, um laranja forte.

Derreto.

Calor.


Vejo uma janela pairando no ar. Ela dá pra outra janela, que mostra uma outra e dentro dela, uma sombra que sai correndo sem me dar a chance. Allan então aparece com duas bicicletas, ele nunca diz nada, eu sempre sei o que ele quer dizer. Vamos pedalando até as estrelas.

As nuvens do Sol são chamas ardentes que não nos queimam e se desfazem no ar. Um ramalhete de lótus voa com a gente, espalhando pétalas por todo lado. Allan pedala mais rápido e mais rápido e atrás da gente, nosso rastro arco-íris e as sombras tentando nos alcançar. As cores são sintilantes, quentes, tocáveis... Mais que qualquer outra coisa viva ou sólida.

Meu coração pulsa e o ambiente pulsa com ele. Me sinto vulnerável a esses fenômenos. Saímos da Grande Estrela. Allan então me diz: - Você sabe as coordenadas. Ajuste os controles para o coração do Sol!

Fomos e nunca mais voltamos.

Até voltarmos.Pulsando.

4 de maio de 2010

Cegueira

Ando descalço no escuro da madrugada. Sinto a água gelada no piso esfriando minha espinha, fazendo meus pelos levantarem. A cada passo, uma adaga faz uma nova cicatriz. O labirinto que eu fiz em mim não tem saída, mas mostra exatamente onde dói.

Vejo os Cavaleiros do Apocalipse se aproximando cada vez mais, eu me permito. Guardo tudo pra mim a
sete
chaves, a
sete
palmos, em
sete
pedaços estilhaçados do que restou.

Se eu pudesse escolher, pularia ou dormiria. Por incrível que pareça, nós não escolhemos nada. Nós, os suicidas, não temos escolha. A causa é explícita e a consequência varia de acordo com nossas vidas. A vida brinca com a gente o tempo inteiro. Irônico não?

Viver é um jogo que não permite vencedores.


Parece tão errado,
tudo o que eu penso o dia inteiro.
O tempo inteiro
eu acho que sou tão errado.

Então assisto aos meus acidentes imaginários, os acidentes de carro, as marcas que já não cabem mais mentiras, os medos que assumo aos poucos, meus desejos de violência reprimidos. Minha cara esmagada em algum ferro numa rodovia, meu corpo exprimido no asfalto.

Eu sou
o sangue
que ainda não escorreu.

Quanto mais me abro,
mais me sinto fechado.

Se eu fechar os olhos,
sei que
sentirei
minha falta.
Mas eles abertos não me enxergam mais.

27 de abril de 2010

Gole de Pernas [+18]



Leu os meus borrões e pôs as mãos ao trabalho. Passeou pelo corpo, apertou os próprios seios pequenos e maduros enquanto se admirava no reflexo da janela. Mordeu o lábio inferior e cravou os dedos na púbis, deixando-os se perderem no meio dos poucos pelos.

Do outro lado da cidade, o observador a via na janela. Bebericava uma taça de vinho enquanto tentava entrar dentro dela. Fazendo força para caber, deixando cair o líquido, manchando a camisa e o tapete do quarto sem pudor. Uma mão primeiro, força e logo está o braço inteiro. Mais um pouco e logo entra a cabeça e então o corpo deslizará naturalmente pra dentro.

O reflexo dela fugiu pela janela semi-aberta enquanto os vizinhos assistiam a tudo, estáticos, literalmente paralisados. Ele conseguiu entrar na taça e se afogar goela abaixo, febril em prazeres.

“A sede atroz que me faz louco
Quem a pudera amortecer
Só o vinho que pode caber
Na sua tumba e não é pouco”

Embevecida alma que vem satisfazer luxúrias, aqueça-se no veludo do vinho e no corpo de seu voyeur. O espírito-reflexo da janela então segurou firme seu pau enrijecido e começou a fazer leves movimentos pra cima e pra baixo enquanto ele estava deitado no ar das dúvidas gravitacionais. Ela acaricia a cabeça do pênis passeando por todo seu rosto até encontrar a caçapa de sua boca. Afundou o membro até o fundo da garganta, sentindo o cheiro masculino dos pelos negros de seu amante.

Cambaleando de bêbado e de gozo, dominou seus cabelos e a puxou para um beijo. Enfiou a língua com violência e pode sentir o gosto de seu próprio prazer. Lambeu seus lábios e disse olhando em seus olhos para que ficasse de quatro. Ela deu um sorriso torto, de canto de boca, molhou o pau de seu voyeur com sua boca quente e posicionou-se como uma bela fêmea. Ele então abriu mais ainda sua bunda com as duas mãos, se agachou e começou a lamber aquela boceta encharcada. Mordeu os grandes lábios, chupou os pequenos, enfiou a língua até o fundo e, enquanto lambia freneticamente o clitóris e o ânus, colocou um dedo na caverna molhada, dois, esfregando o ponto áspero, a deixando indefesa. Sentiu sua essência da melhor forma possível e assim, enfiou seu pau com força até o talo naquele oásis.

Conforme enfiava, ela gemia, gritava, pedia para apanhar, empinava ainda mais seu corpo; ele grunia, suava, batia e sentia a carne friccionar uma na outra. Ela pedia mais enquanto ia se curvando pra frente, estremecendo e falhando o corpo, tentando se segurar. Ele enfiava cada vez mais forte e imaginou se ela não poderia ser infinita como aquela taça de vinho. Ela cede e cai pra frente, mergulhando num lago de prazeres.

Ele a segue e os dois vão parar embaixo d’água, flutuando, se tocando e se observando. Se abraçam e se olham por alguns segundos seus corpos rubis cheios de bolinhas de ar e peixes ao redor. Ela nada como sereia rumo ao Sol, até a superfície. Ele novamente a domina, segurando-a pelo pescoço contra a praia. Ela o puxa para seu corpo, o abraça, ergue as pernas aos ares e fica roçando no pau dele até deslizar pra dentro de sua boceta apertada. Enquanto isso ele esfrega a barba em seu pescoço e chupa seus seios duros de tesão. Enfiando bem devagar, sentindo toda a acidez de sua vagina engolindo seu pau enquanto ela arranha suas costas e bate em sua cara, enverga a cabeça pra trás e se entrega. Ela afunda na areia e desaparece, deixando somente o homem na cena, perdido e sujo de vidros e conchas moídos no meio daquela praia.

“No espaço é o brilho das auroras!
Vamos sem rédea, freio ou esporas,
Vamos, cavalo sobre o vinho
Para um céu feérico e divino!”

O chão começa a tremer e ela emerge em cima de um cavalo branco, dominando outros cavalos brancos, que também saem debaixo da terra. Domina seu homem. Ele vai até ela e pula no lombo do eqüino. A abraça por trás sentindo a confiança de seu corpo, começa a masturbá-la enquanto cavalgam. O espírito-reflexo se vira e sobe em cima de seu voyeur, monta nele que monta o cavalo. Rebola e sente todo seu pau dentro dela, almejando o gozo de sua forma como solução para as dores da vida. Ele a abraçava, lambia seu suor, sentia o cheiro e seus batimentos rápidos em diacronia com o ritmo de seu corpo.

Os cavalos cavalgam cada vez mais rápido. Ela cavalga cada vez mais rápido. Ele geme cada vez mais alto e a aperta cada vez mais forte. Mais rápido, pra frente e pra trás, pra cima e pra baixo. Eles fazem música com a sincronia harmoniosa de seus movimentos. Ela então para, estremece e seu prazer ecoa pelo infinito. Os líquidos se misturam, fazendo uma nascente pura. O cavalo não agüenta e cai, derrubando os dois, ainda grudados, no chão.

Os dois caídos nus no deserto de terra batida, com os pulmões se esforçando para retomar o fôlego. É fim de tarde, o silêncio domina quando o galopar dos outros cavalos desaparecem. A mulher espírito-reflexo fica em pé encarando seu homem inerte, quase derrotado. Anda calmamente em sua direção, abre sua boca com um beijo e ele então retoma a virilidade, retorna à vida. O beija bem devagar, sentindo o gosto de sua boca, o conhecendo. Entra em sua boca cada vez mais, ela vai virando névoa e escorregando pra dentro dele como um trago de fumaça. Então Voyeur pode sentir ela por todo seu corpo, andando nele, conhecendo-o internamente. Ele então se contorce e sente vindo da ponta dos pés e das mãos, da cabeça e da nuca, do estômago, uma energia que se canaliza em seu pau. Ela sai pela sua uretra e ele goza incessantemente por alguns segundos como um animal atingido por um bote, lutando pela sua vida enquanto sua dama se mistura ao ar.

Ele volta a sã consciência e está na sala, a observando gozar por aquela janela distante. Ele a ouve gemer, ouve seu desespero de sexo, de dor e prazer. A cidade inteira consegue escutar. Ele com a taça na mão observa o líquido que não é mais vinho, mas sim o fluído das pernas dela. Bebeu tudo num só gole.

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Fazendo parte da série que começou com o I Have the Map of the Piano. Encerra no próximo texto, chamado 28.

19 de abril de 2010

Taking these broken wings and learning to fly

É horrível sentir que se deve ao passado. É uma dívida que não se pode nunca pagar, uma dívida eterna, que me tem sido sempre lembrada e cobrada por você. Isso porque quem de fato deve algo é você. Me deve tanto... mas tanto. Porém, eu já havia feito minhas pazes com isso. Seria uma ferida constante, mas que me ensinou onde não colocar o dedo pra não me machucar. Então tudo bem. Não, seria tudo bem se ficasse por isso. Se seu arrependimento bastasse pra manter essa minha visão, se seu carinho por mim bastasse para eu saber que tudo não foi perda de tempo, se sua preocupação comigo bastasse para eu saber que não fui uma idiota. Mas seu arrependimento, seu carinho e sua preocupação são pesados julgamentos sobre quem eu sou agora, quem é essa Alice, cuja vida você não acompanha mais. E sente-se no direito de reclamar, de se chatear, de criticar uma Alice que você dispensou. Eu fico tão magoada por ouvir suas insanidades que não fazem sentido algum para mim. Mas acho que está claro que são tentativas de não me soltar. Sendo que tudo o que você quer são memórias e isso você já tem. Não posso te dar mais nada do que pede, ou você aceita o que eu dou ou me deixe sozinha, sem cobranças.

Se sou seu passarinho, sabe que odeio gaiolas. Não me protegerá assim. Seu momento de proteção já foi e você falhou. Se me deixou ir num dia chuvoso, me deixe ir quando está sol para mim. É justo comigo, não acha?

14 de abril de 2010

I Have the Map of the Piano


Passeio pelo deserto de sua pele carente. Quente, encosto meu ouvido e ouço o sangue correr pelos rios de suas veias. Até chegar no coração que é meu lugar. Seus olhos fechados vão de um lado para outro. Um sonho... sonhar.

Sou eu divagando desenhando letras nas paredes. Ela faz parte do conjunto, então sede o corpo esguio e esculpido de beleza. Escrevo sem razão em suas costas, deixo dominar o que meu peito insiste no grito:

Em ti, pele e pêlo.
Por ti, faço o meu zelo
Amor
O teu
Quero tê-lo

Fotos registram e capturam o momento de seu corpo, pego desavisado, revelando uma forma feminina que eu desconhecia. Então vejo de verdade. Para mim, esse é o conceito da beleza. É preciso a sensibilidade de artista para entender uma mulher. Para conhecer seus traços e amá-los por serem o que são. É preciso saber fragmentar e sentir com todos os sentidos. Tudo se aflora quando ela está perto de mim.

Perpétua, assim te chamaria se não tivesse nome. O teu corpo é meu mapa para a paz e esperança. Suas costelas são teclas de piano, que eu toco devagar, pensando que se pudesse cantar, sopraria poesia em seus ouvidos. Só para vê-la acordar, ver seu sorriso alegando felicidade. Em seus olhos, a partitura de nossa canção.

Teu corpo é clássico, sua alma, erudita. Neles sou maestro e faço orquestra. Vladimir Horowitz sentiria inveja de mim.









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Não percam os próximos posts: Gole de Pernas e 28.

13 de abril de 2010

Acromático


Acordo com Frédéric Chopin tocando piano ao meu lado.
Tudo está preto e branco como a visão acromática dos cães.







Ao meu leito, apenas minha mãe chorando baixinho, cansada. Calma, eu digo. Eu estou bem.

Minha cachorra morta há alguns anos vem correndo em minha direção. Como é bom revê-la.

Saio para respirar o ar e sinto-o atravessando meu corpo, como quando nos escondemos embaixo do lençol só para sentir sua textura nos fazendo carinho, quase como ondas do mar.


Estou numa floresta de árvores secas.

Sinto o frio de outono. Um frio confortante que faz uivar as árvores e me evita a solidão.


Minha namorada surge com o ex-namorado. Eles estão de mãos dadas. Hey, ninguém me avisou nada, obrigado pela consideração. Ela está tão triste. Grito sem sucesso, meus lamentos e ofensas não chegam aos seus ouvidos.



Ela desaparece em névoa.











Me lembra as visões de Munch quando eu achava que estava enlouquecendo.

Olho para o céu preto e vejo pontinhos brancos brilhantes como cristais. Então, cores surgem indicando as constelações... Vermelho, azul, verde e rosa. Qual constelação estará escondida em nossos olhares?

Não sei todas por nome, mas as reconheço.

Volto o olhar para a atmosfera terrestre e lá estão outras dezenas de pessoas. Andando sem parar, sem destino.

Não existe mais a casa de onde eu saí, só aquela mata morta. Para onde vão? Posso ir?

Os ambientes se misturam, os fragmentos de minhas memórias agora estão por toda parte. Como cacos estilhaçados. Em minha imagem refletida, apenas um corpo sem rosto.

As roseiras secas no chão formam uma espiral até o céu. Ando por dentro dela e os espinhos são anjos implorando perdão.


Será que finalmente minha lucidez desistiu de mim?

O sangue tem cor.
Deixo ele colorir meu corpo por fora enquanto me corto com as lembranças.

Um corvo me observa perto o suficiente para que eu possa tocá-lo. Se eu encostar nele, ele estará morto, porque outros corvos sentirão a essência humana em suas penas e o matarão.

Chopin nos observa enquanto toca. As notas batem fundo dentro de mim, as vibrações das teclas confortam.

Fico pensando em todos que eu já tocara. Em todos que eu não consigo mais ver e deixei sem despedidas.

Há alguém para me salvar.

Vem em minha direção e seus passos formam vida no caminho, crescem grama, flores, pássaros cantam. A reconheço, não acredito. Me arrepio e corro em sua direção, a abraço e começo a chorar.




Um arco-íris corta a cena e tem cor. Um abismo infinito.
No céu, ele que sempre esteve lá.









De repente, tudo começa a desaparecer novamente, ficando cada vez mais escuro, comigo abandonado no breu. Não deu tempo.

A maldita música que não consigo parar de escutar.

Só lamento por não ter conseguido me despedir de ninguém. No fundo, o diabo nunca vai deixar de me olhar.


Tudo terminou acromático em mim.
Me deixando sentir um vazio por dentro.
Um vazio sem fim.


Às vezes eu fico pensando se os sonhos não são um paralelo de outra realidade, entende?

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legenda das fotos:

01. Mulher Chorando Frente ao Leito - Edvard Munch
02. Frédéric Chopin
03. Alexander Binder
04. Alexander Binder
05. Alexander Binder
06. Separação - Edvard Munch
07. Alexander Binder
08. A Divina Comédia
09. Man Ray
10. Alexander Binder
11. Alexander Binder