Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

31 de dezembro de 2007

2 Thousand & Wait [Y34RZ3R0]

"'2xx7, pior que 2xx6 não fica'. Caaaalma que não quero pagar minha língua. Vou falar menos o que penso também."

Assim acabei com meu 06. E as coisas pareceram melhorar um pouco em relação ao ano passado. Porque o ano passado, puta-que-pariu, foi como foi. 07 realmente não poderia ser pior, e foi ruim, não pior.

Algo que ninguém sabe sobre mim, é que eu reparo e conto tudo que fiz por último no ano e tudo que fiz primeiro no novo ano que segue. A minha última ida ao banheiro, minhas últimas palavras, meu primeiro arroto do ano, o primeiro abraço... Eu fecho os olhos numa última coisa na virada, e quando o ano se renova, eu abro os olhos e nada é como foi. O estranho disso foi meu último sonho do ano. Essa noite sonhei com uma pessoa que não conheço, a não ser por saber o que seus olhos significam; e sonhei que havia matado um parente, enterrado e guardado seu coração. Um sonho a ser contado em outro post, quem sabe.

É uma data especial que, diferente do natal, julgo necessária. É um feriado de renovação, de mudança e esperança. Um novo começo. Assim espero meu ano zero8. Um ano de renovação. Será um ano curto, menos sólido quanto esse que se encerra, mas eu gosto disso... De altos e baixos. Com certeza será um ano de mudanças. Talvez bruscas, como eu não gostaria que fosse. Porque o que se solidificou em 07, eu gostaria de manter (faculdade, amigos, namorada...), e de uma hora pra outra, eu posso perder tudo de uma vez. E não me lembro da última vez que quis manter alguma coisa.










ps: E menos funk carioca, por favor! =/

29 de dezembro de 2007

Bubbly

Seus altos e baixos cabem bem no meu ano. Um início de grande perda, uma triste perda, e um fim com um grande ganho. Um estranho ganho. E no entre, um sobe e desce que me deixou tonta e desorientada.

Fui deixada por ela, fui achada por eles, fui deixada por ela, fui achada por eles, fui deixada por eles, fui achada por eles, fui deixada por eles (não imaginei possível...) e agora achada por ele. Isso cansa. Odeio ser deixada, ainda mais por razões estúpidas como as que presentearam meu ano. Mas é ótimo ser achada... uma descoberta.

Estou sem vontade de nomear e citar. Seriam muitas pontuações desnecessárias para apreender meu ano repleto de acontecimentos. E este estranho fim está me desorientando mais do que as mudanças repentinas ao longo de 2007. Os sentimentos que tenho fogem para um lugar dentro de mim no qual as minhas palavras não alcançam. Então, fico sem ter o que dizer. E acho que tudo bem, mesmo não estando acostumada com esta falta de precisão e objetividade.

Pequenas manchas de sangue pintam esta página do meu caderno, com uma discreta frase ao final. Ah, mas essa frase é só pra mim.

***

Fui tolerante, mas não aceitei ou tive paciência. Bom, antes realizar uma meta que nenhuma.



Para 2008, eu quero aprender. Com.

28 de dezembro de 2007

post200:

- Não é uma idéia que eu queira, mas é uma idéia legal.

Alice dá um olhar de paisagem do tipo "okay".

- Há quanto tempo a gente tá decidindo?
- Talvez desde o post 100.
- ...E isso já faz algum tempo.

Alice concorda com a cabeça e faz as contas nos dedos. Ela é muito ligada a números e datas. Hipocrisias do garoto 21... Ele precisa aprender a segurar direito na caneta.

- 10 meses. A gente podia ter feito um filho com este tempo.
- Ainda bem que ficou só no texto mesmo. E até agora não faço idéia sobre o que falar. Estamos na Síndrome de Seinfield.
- Antes fosse Síndrome de Seinfeld (é com um "e" só... sem "i")... Acho que não prestamos para datas festivas, funcionamos melhor por vontade espontânea.
- E o nosso tão preocupado "post 200" vai ser assim? Sobre nada?
- Não é sobre nada... é sobre nossa indecisão. Pais não sabem sempre o que fazer com os filhos quando eles crescem. Por que com a gente deveria ser diferente?
- Credo! Não me compare a um pai. Pais são estranhos.

Alice balança a cabeça de uma velha forma já muita conhecida por Yuri.

- Baioneta!!!
- Quê?
- Tava desde manhã tentando lembrar o nome daquela faquinha que vai na ponta do fuzil. É baioneta.
- Pronto... agora é sobre nada mesmo... Gosto mais da nossa fase pós post 100... Estivemos mais conectados mesmo sem estar explicitamente nos textos.
- Eu estive pensando bastante nisso e acho que também concordo. Crescemos com o Wonder.
- Será que ele vai crescer tanto que um dia explode? Ou vai inflar e voar sem controle... Longe de nossas cabeças e dedos? Aonde você acha que ele iria?
- Pra qualquer lugar, porque é nossa criação e é pra onde iríamos. Agora, rumo ao post 300. É bom não pensarmos em nada.
- Nada parece bom.

11 de dezembro de 2007

A árvore

A cada metro mais, nosso silêncio aumentava. Nossos olhos abriam, as cabeças giravam procurando sinais. Sintomas do tempo. E nada. E nada. Só mais nervosismo. Piadas tentavam diminuir as tensões, mas passavam em branco. Mais rápido, mais rápido. Como se corrêssemos para o hospital com sangramentos e contusões. Um parto complicado, e o oxigênio se acabava.

A estrada de terra nos chacoalha. Os ácidos dos nossos estômagos eram jogados para todos os lados. O que nos espera? Um primeiro sinal, um segundo, um terceiro. Cenas da guerra.

A já estreita estrada estava ainda mais fechada. Galhos e galhos, cortados, jogados nos cantos, aos montes. Carros e curiosos por todos os lados. E nós ainda sem saber como tudo estava. Desci correndo, pulando galhos, desviando, escorregando no barro e vi. Vi as tantas direções que este texto poderia tomar.
*
Papai finalmente conseguiu minha sonhada casa na árvore. Os galhos eram assentos, subíamos, e entrávamos na casa. Porta de folhas, noc, noc. Venha tomar um chá comigo.
*
Chorando ela caiu. Chorava ainda deitada, sangrava, me manchava ao abraçá-la. Perdia sua alma nas torções, nas rachaduras, em cada habitante que a deixava. O caos na floresta. O bichos fugiam para onde podiam, assustados, perdidos, agarrando no que podiam, no que parecia estável. Muitos eu carreguei em meus braços, aceitando as mordidas de temores, compreendia. Estava assutada também. Mas procurei abrigo para eles, afinal, alguém tem que se manter no chão. E também, suas casas tinham se tornado a minha casa. Era minha mínima obrigação prover novo lar.
*
Éramos o pior caso. Viramos ponto turístico. Curiosos pipocavam querendo tirar fotos, simpatizantes. Isso foi... conforto. A gente sempre se sente um pouco melhor quando tem alguém pior que nós, e normalmente tem. Mas nós éramos o pior e fomos acolhidos. Claro, que não por quem queríamos e deveríamos ter sido auxiliados. Burocracia é... vou parar por aqui.
*
O que nos resta é a verdade. Foram 30 metros jogados sobre nós, uma cena impressionante, difícil de acreditar. Água por toda a casa, eu e minha mãe movendo colchões, meu pai na serra elétrica e meu irmão pegando os galhos. Muitos galhos. Na entrada, sobre o telhado, quebrando as telhas, no meio do teto do quarto. Pensamos ser mais que 20 toneladas.

Puxa, 20 toneladas de árvore é muita árvore.

9 de dezembro de 2007

Fake Plastic Trees

A cada mudança de estação, vou para o mesmo campo. E observo atento como as árvores se movem e dançam com o vento. No outono, elas se espalham fazendo uma chuva de folhas grisalhas, deixando os campos mais coloridos. Ocupam a função do céu nublado da época. No inverno elas se encolhem e se juntam para abrigar calor e vida daqueles que também procuram. Na primavera, elas estão todas enfeitadas com seus penduricalhos. Marcando paixões, adocicando as bocas famintas e fazendo sorrir com seus perfumes. E é no verão que elas se rebelam.

Neste mesmo campo, percebo como elas se movem quando ninguém está olhando. É sobre isso que as gralhas conversam quando estão em roda. É assim que elas brigam e matam umas as outras e ficamos sem saber porquê. Eu volto naquele campo e são como areia, as árvores. Movem-se lentamente, sutilmente sem que ninguém perceba. Elas conversam umas com as outras e se seduzem. Mal sabem que eu observo tudo de longe, como se fosse uma formiguinha. E mal nós sabemos que elas nunca estão no mesmo lugar.

Elas estão cada vez mais escassas porque não vêem sentido no ódio dos homens. Logo elas, que são tão esperançosas. E fortes. Elas controlam tudo, e são muito generosas. Deixam que os outros vivos abusem de seus dotes, sem exigir nada além de espaço em troca. Nossas amiguinhas também têm problemas com o ar e precisam de muito para respirar. Mas nada que dêmos por falta. Nada que já não estragamos.

Algo que talvez ninguém saiba sobre árvores é que elas têm medo do vento. Eu também não sabia (mas não sabemos aquilo que não queremos saber, não é mesmo?). E que quando ele uiva mais forte, imponente, elas tremem e se apavoram todas, sem saber direito para onde ir. As mais medrosas correm e se escondem. Logo elas, que são tão orgulhosas... Seu maior medo é de cair. Se caem, não se levantam. E choram tanto, até secarem. Até que outra apareça no lugar. Por isso entendo quando elas saem dos pastos e invadem as casas dos homens.























































Radiohead - Fake plastic trees (acústica)

7 de dezembro de 2007

ossevA

o tempo do relógio finalmente não importa já está decidido é melhor esperar somente me entregar às músicas vozes passos pessoas à espera cansei de lutar contra ela me controlava para não olhar no relógio mas finalmente me entreguei ao platonismo bem-vindo e empolgante

voei longe longe longe sem noção de tempo ou de espaço até que me trouxeram para o mundo de novo

o cego me perguntava os nomes dos ônibus que passavam e eu os contava um por um ele dizendo este não este não serve e aquele também não até que um serviu e ele me deixou

deixou cega como ele onde eu estava sei lá não sabia mais que coisa estranha tudo ao contrário esquerda é direita e eu olhava atordoada à minha volta mil por hora onde estou quem sou eu que porra é essa que se passa socorro

moça me ajuda me ajuda moça moça onde estou o que é isso por que o mundo está contra mim me diz moça por favor me diz eu pra cá indo pra lá estou do avesso me desvira moça

o cego chutou minha bengala e eu caí de cara no chão tirou minha visão o safado abriu meus olhos pro mundo

até que me achei e ri




***

Samuel Beckett - "Como é"

Memento

Caminho sem direção. Não, estou correndo. Correndo sem direção. Olho pra trás, nada. Tenho medo do claro. Estou correndo atrás de alguém. E esse alguém não vai escapar. Ou seria um endereço? Será que estou atrasado? Olho pra cima e me distraio.

O sol queimava meus olhos. Não, era luz. Era suor. O suor queimava meus olhos. E que porra importa o que queima meus olhos? Eu não conseguia ver direito do mesmo jeito. Não perde o foco. Corre e não se distrai. Eu não vejo o motivo do desespero, mas o desespero vê motivos em mim. Olho os números, olho pra trás. Não sinto que esteja indo encontrar alguém. Estou assustado demais pra isso. Mas tem alguém que corre mais que eu na minha frente. Será que estou seguindo ele? Quando dei por mim, estava fugindo.

Se esconde! Vai logo. "Não pense que vai escapar". Droga, ele sabe onde eu estou. Ele quem? Aqui é escuro. Estou sozinho. Mm, o que eu vim fazer aqui? Claro, xixi. Que vontade de mijar. Ahhhh, pronto. Balança, guarda. Olha o relógio. 12h21. Será que estou atrasado? Acho que estava procurando um endereço. Saio do beco e tem um homem parado não tão longe. Eu sigo meu caminho, mas aonde é que estou indo mesmo? O homem me reconhece e anda em minha direção. Será algum amigo? Ele não parece estar bem. "Não pense que vai escapar". Droga, eu não vou escapar. Corre. Corre, mas corre muito, porque ele corre comigo e tem uma arma.

Eu tenho uma arma. É o homem a minha frente quem eu tenho que atirar. Carrega. Um tiro. Dois. Não saiu da minha arma, veio lá de trás. Tem alguém me seguindo. Eu estou fugindo. Eu corro sem direção. Não sei pra onde estou indo, nem quem está me seguindo. O homem a minha frente segue meus passos e some e aparece quando quer. Não entendo nada. Se concentra, vamo lá, respira, não agora, agora não...Vozestelefonesrisadastriiiimmmm hahaha. Luz. "Fudeu". Foi o que deu tempo de pensar. Desmaio.

Acordo. Conheço esse lugar. Esse sofá... Minha casa. Olho pra cima, essa luz... Olho ao redor e lá está o homem sempre a minha frente. Sombra. O homem às minhas costas. E eu.













































[Ao sair, favor apagar as luzes]

4 de dezembro de 2007

Calm Like a Bomb

"O ser humano é estômago e sexo. E tem diante de si uma condenação: terá obrigatoriamente que ser livre. Mas ele mata e se mata com medo de viver. Por isso meus olhos estão cegos. Para não enxergar a alma desses pecadores. Meus ouvidos escutam uma voz que diz: 'Padre, morrer não dói. Morrer não dói!' Estamos todos condenados. Eternamente condenados. Condenados a ser livres."

É uma prisão. Isso... esse respirar. Somo máquinas dentro de jaulas que não necessitam grades. Nós somos nossos próprios limites. Nossas barras de ferro. Ninguém enxerga além. O rádio só toca o que o dinheiro quer que você ouça. Eu não preciso de ninguém me dizendo o que ouvir. Aquelas repetições hipnóticas. A televisão... Deixa pra lá. Só diria o óbvio. E seguimos calados, organizados em fila, nos alimentando de semelhantes, achando que somos melhor que macacos. Guerra, poluição, enchentes, fogo, pânico, alerta vermelho, medo, medo, medo. Só nos encostamos quando trombamos sem querer. "Sem querer". Só nos unimos quando usamos transporte público. É muita gente. Muita comodidade no incômodo.

Ninguém quer ser livre. Quem é livre? Mendigos, Hippies, Tyler... Qual a vantagem? Onde entram os carros caros, as porcarias sonoras, os luxos, o computador? Ninguém quer ser livre. Esquecemos de viver nossas vidas para viver uma Second Life. Suprimos nossos vazios com marcas de coisas que não necessitamos e nem sabemos de onde vêm, e de aparelhos que não sabemos usar.

Os esteriótipos me fazem rir. Mas a risada não consola. É triste. O que um cabelo curto ou uma gravata influencia no seu caráter? Porra nenhuma! Se a minha barba cresce, por que não posso deixá-la crescer comigo? Qual o problema das pessoas? Eu desisto de todos vocês assim como já desisti de mim. E a culpa é nossa. Vivemos nesse aquário comendo carniça. Ninguém subiu pra respirar o ar virgem. Ninguém quis quebrar o vidro. Mas eu estou do lado de fora. E me distancio cada vez mais.


1 de dezembro de 2007

Hunted by a Freak

Encontro minha letra em papéis desconhecidos. Papéis que não foram escritos por mim. Parece que essa paranóia, esses ludíbrios que eu faço comigo mesmo, não vão cessar. Leio e não sei o que eles querem dizer, se é que saberia antes. Números, letras. Números. Palavras sem congruência vomitam de dentro de mim, não só da boca. O corpo fala demais. E com o corpo, essas palavras perdidas se encontram, porque é seu mapa, desconexo.

Parece que essas músicas foram feitas para esses meus momentos. Como se quando as fizessem pensassem realmente em mim. E nesses meus momentos, eu encontro uma paz quase divina. E triste. Isso aqui é raiva. RAIVA. Raiva mesmo, controlada. A pior das raivas, a da enxaqueca. Aquela que invade até meus sonhos e não me deixam dormir. Mas eu não me permito acordar. A raiva que encontra minha paz. E fico lá, divagando em meu Éden. Foi o que sobrou, não foi?

Converso. E falo e falo e falo, bastante. Mas é raro ter alguém ali. E quando dou por mim, volto ao sábio silêncio. É por isso que converso bastante na companhia de quem eu julgo presente. Porque eu só estou cansado de falar sozinho e ninguém me responder. Eu estou cansado de não ter desafios e não sentir emoção nenhuma em nada. Sabe, nada? Absolutamente. Até eu me surpreender com uma de minhas letras num rascunho qualquer. Códigos indecifráveis. Mas eu sou Deus, então eu sei.




23 de novembro de 2007

Glory Box

Era um dia de sol, quando aconteceu.


No ônibus:
"Bom-dia meus amigos, desculpem-me interromper o tão sagrado silêncio de vossa viagem. Aqui estou eu me pondo as caras, nu para a vergonha para dizer que fiz amor a tarde inteira com essa jovem garota que se esconde por debaixo dos meus braços. E só o que eu gostaria de dizer é que não devemos ter vergonha de um ato tão lindo e natural. Um ato tão cúmplice. Façam sexo sem-vergonha, respeitem a concretização do amor."


Era uma noite de lua, quando reli.









Portishead - Glory Box.mp3

22 de novembro de 2007

BZ




Eu não tenho espaço fora do que ocupo. E se não bato mais, não existo mais. O mundo segue cego enquanto eu tento enxergar numa tempestade de areia. Se eu desapareço, nada muda, só eu. Minha impressão do mundo é a de um cobertor cobrindo tudo. Calos, desenhos, umbigo, unhas, olhares, cabelos. Tudo. No começo, esquenta. Depois sufoca. Não tem espaço pra mais de um (o cobertor é de solteiro). Às vezes eu acho que estou feliz aqui. Às vezes eu acho que continuo fingindo.


Sonho dolorido. Um sonho que sinto que caio, que sangro, que dói. Se chego ao topo, eu quero pular. Se pulo, tenho medo. Se não, não tenho nada. "Há uma terceira alternativa", ele me diz com uma voz que não se sabe de onde vem. Tento fugir. Não acordo, mas fico preso dentro de um corpo adormecido. Fora do sonho. Aqui dentro. É um momento duradouro, agoniante. Me esperneio e grito, sem sucesso, pra tentar sair daqui. Da minha cabeça. Do escuro. Sem eu, eu não preciso existir¹.


E eu sonhava todo dia só para encontrá-lo. Era minha única companhia embaixo das cobertas. Eu podia estar pelado, ter chifres ou olhos pintados. À ele só interessava a voz. E a minha era ausente. Se antes eu tinha uma voz, agora mal faço barulho. Às vezes o topo da montanha é só aquilo. O fim ou o começo. O chão grita lá debaixo a minha espera. E às vezes o medo impede que cheguemos ao topo. Se eu pulo, eu morro. Se eu fico, eu morro. "Há uma terceira alternativa", ele dizia.


Meu mundo azul, tão lindo. Via de cima o mar prateado brilhando como diamante derretido. Se me molho, é só água. Verde e salgada. Não aqui. Eu não tenho espaço fora do que ocupo. Todos temos nossos mundos particulares. Nossas imaginações absurdas e inexplicáveis. Aquilo que não existe palavra que descreva o que é, o que sente. Por mais alienado e tosco que seja o sr-humano, todos temos nossos mundos particulares. Sem janelas, sem muros. Sem intrusos, sem mapa. Às vezes você acorda, às vezes você morre. E às vezes, quando cai, você voa.²

(Eu continuo caindo, sem decidir. Cada vez mais perto do fim.)









___________________________________

¹. Frase original de Milla Pupo: "Sem eu, ele não precisa existir."
². Extraído da "graphic novel" (adoro esse nome) Sandman: Fábulas & Reflexões.


19 de novembro de 2007

Depois daqueles dias


"it might make you feel better" - sam brown





Pensei, escrevi, apaguei e desisti. Substanciar ou verbalizar não importa agora, porque nada traduz a voz, o silêncio, a companhia ou o abraço. Eu ainda caibo no abraço.

Agradeço a companhia imaginária, virtual e real.

15 de novembro de 2007

Eu quero descer

Domingo eu perdi a mais preciosa certeza da minha vida. Minha única certeza, para ser sincera. Na verdade, eu já sabia tudo aquilo que ouvi, mas não esperava que outros, aqueles outros em especial, o apontassem. Achei que eles viam esperança em mim, viam minha real realidade e não a que eu vejo. Porque a minha realidade é uma merda. E eles sempre me fizeram acreditar que ela era uma mentira... mas isso na minha frente. Foi numa conversa que eu não devia ter ouvido que descobri a verdade. A minha real realidade.

Eu perdi, perdi meu lugar. E agora? Os dias passaram, eu desviando olhares, adoecendo, sumindo, fingindo estar tudo normal. Mas chorava no ônibus, na rua. Lá ninguém me conhece mesmo. Ninguém vai atrapalhar minhas lágrimas, pois não sou dali. Não faço parte. Porém, parece que não faço parte de nenhum lugar mais. Aqui não me sinto mais em casa, lá sou só mais uma. As pessoas estão mudando, as coisas estão mudando e eu estou perdida.

Meus textos não são os mesmos, as palavras não se conectam.
Minhas conversas perderam o sentido, as pessoas não me entendem.
Eu não caibo mais no seu abraço.
Seus telefonemas não têm o significado que tinham.
Suas palavras não têm mais efeito.
Seus olhares me olham diferente.
Tudo se tornou estranho e eu estou alheia.
Perdi o encaixe do mundo.

E não queria ter falado as coisas com um estranho. Mas não tive outra opção. E eu não devia ter o direito de reclamar, já que foi a vida que construí pra mim, mantendo sempre todos afastados e só um lugar de apego. Pois é, Alice, bem feito... e agora?

***

“A vida não é um ônibus. Não dá pra gritar ‘pára, que eu quero descer’”.

Vida, pára! Eu quero descer.

14 de novembro de 2007

Shoots and Ladders

Não podemos ver o vento, mas vemos sua vontade se manifestar. 1h21 e um barulho de porta bate no silêncio. Minha postura muda como a de um cão atento. Abro a porta do meu quarto e lá vou eu. Não temo. Na verdade, tomado as vezes por um pensamento insano-sociopata, eu sempre desejei isso.

Desço as escadas e olho o escuro. Conheço a casa melhor que qualquer invasor, mas acendo as luzes. Até hoje não sei por quê acendi aquelas luzes. Mas acendi. Todas. Esquivando nas paredes, sorrateiro. Nada. Portas fechadas. Nada.

Algo gelado encosta em minha costela por trás. Me gela e falha a minha perna. Uma mão cala minha voz e outra diz para eu ficar calado. Se essa era a hora de ter medo, eu estava cumprindo o roteiro. Manda eu acordar minha família. "Acorda quem tá vivo pra não morrer dormindo". Impotente, obedeço. Minha coragem definhou ao olhá-los. Eu não tinha maturidade praquilo. E qual a idade que se atinge maturidade pruma coisa desse tipo? Hun. Me revoltei, me acalmei. Ainda não tinha problemas com o ar.

Não tem telefone. Não havia sequer uma esperança de ajuda. Parecíamos carne fresca à leões famintos. Seu rosto coberto gritava abafado: "A chave!" Calma. Eu vou buscar. Sempre vigiado. Ele era minha sombra, meu fetiche, meu pecado. Me negou até um copo de leite na minha própria casa. Meu desejo maior. Vingança. E lá fomos nós buscar a chave. Nem sei de que chave ele estava falando, mas levei-o para o meu quarto. Um lugar simples, aconchegante, de paredes vermelhas.

O vento era a trilha sonora. Procuro a chave-que-eu-não-sei coincidentemente aonde guardava uma faca. Coincidentemente. Seguro-a como seguraria um amor caindo de um penhasco. Nada vai me impedir. Suas balas não vão me impedir. Que isso custe a minha vida se for preciso. Eu não ligo. Eu não tinha problemas com o ar naquela época. Minha boca estava seca. Meus olhos molhados. Deveria ser ao contrário.

Desconfiado e confiante ele se aproxima. Respira-vira-foi. Ele olha e ri. Eu olho assustado e rio. Então é assim, uma facada? Tão rápida, e quantos tecidos pude atravessar e sentir... Não solto. Não dói. Morrer não dói. Permaneço ajoelhado, minha faca é minha cruz e não solto. Então é assim, uma coronhada? E meu nariz empurra o corpo desequilibrado pra longe. Sangue. A faca permanecia na minha mão. Sangue. Ele olha desacreditado e me xinga. Olha em meus olhos com perdão. É só o que consigo ver de seu rosto. Soa mais sincero. Ele aponta a arma em minha direção. Mas antes que ele complete o ato, eu já estava lá. O rei agora sou eu. Ele encosta na parede. Minha primeira carne, minha semelhança. Minha primeira morte. O doce gosto da vingança. Um, dois, nove. Clic, clic, clic. Clic. Ele só repetia até perecer: "Um lugar simples, aconchegante, de paredes vermelhas..."



















Queria ver seu rosto. Queria saciar ainda mais minha sede de vingança. O copo de leite que não tomei. Tirei a máscara. Era eu quem estava morto.
"Jovem acorda no meio da madrugada, acende todas as luzes de casa, acorda família e se mata."



12 de novembro de 2007

Cartas de Uma Linha Só

Nunca olho a caixa do correio. Raramente chega algo interessante destinadoa mim. Mas quando chega, é exatamente esse o momento. Raro. Faz tempo que você não me escreve com sua letra, não sela a atenção dedicada que eu jamais tive. Não tem problema, eu entendo. Mas sempre quando checo o correio, te procuro no meio das contas.

Minha caixa de entrada que era indiferente, agora é interessante. Meus e-mails são pedaços de histórias de outras pessoas que se desculpam por "não escreverem tão bem como eu". Besteira. Entre spams e stresses e conversas sem sentido, me contam coisas como se eu fosse o "querido diário". Gostaria ser. Pessoas diferentes me anexam arquivos .doc cheios de segredos e intimidades. Gostaria sempre de saber dessas pessoas que me mandam cartas e páginas de díario. Tantas vergonhas e medos superados ao clicar "enviar" com meu email endereçado. Por mais triste ou conflitante que sejam, eu sinto orgulho. Orgulho pela coragem e confiança que depositam a mim.

Espero que sejam mais frequentes e que não sintam vergonha em escrever. Encham minha caixa de entrada com suas histórias. Carta selada ou não, eu leio. Leio tudo cuidadosamente sem me preocupar com erros de português. Não sou pai nem professor.

Muito obrigado. Minha vida escrita em teclas. A vida de alguns que só conheço por aqui. É onde eu falo mais. Para quem não tenho que olhar nos olhos. Para quem não conheço. Só escrevo agora para agradecer àqueles que me escrevem despretenciosamente querendo apenas serem lidos ou ajudados. Muito obrigado.




















Instituto & DJ Dolores - Cartas De Uma Linha Só (M. Takara Remix).mp3

11 de novembro de 2007

Só meu

Depois de ouvir as palavras que não devia, as palavras que não eram para ela, fugiu. Saiu silenciosamente para que não soubessem que ali estava, desceu para o fundo do poço e lá ficou. Se desfez em choro para preencher o poço. Encher e encher até o topo. Até a boca. Tremia e começou seu corpo a formigar. Seu coração murchou e ficou pequenininho. Quase desapareceu. Não cabia mais ninguém, cabia a todos sufocados por sua carência, por suas necessidades. Gemia como uma menina. Buscava o ar profundamente dentro de si, mas ele não estava mais lá. Puxava fundo e mais fundo e nada vinha. Ela não sentia. Só podia sentir sua tontura, seu embaraço, sua desorientação. Parou de sentir seu braço esquerdo. Aos poucos, o resto do corpo. Tremia. Estava tudo tão quente. Estava tão sozinha. Apenas uma menina. Sufocou-se no seu choro apertado.

Tinha acabado de perder o que a mantinha ali. Ela sabia agora que quando a coragem chegasse, diria seu adeus. Mas até lá, ficaria no seu desespero.

9 de novembro de 2007

Fragile


Segredos que você não conta. Cerveja, cerveja. Cigarro, cigarro. Nos vimos tão brevemente, você disse tão pouco. Porque você é assim. "O verdadeiro truque na vida não é ser conhecido, mas sim ser um mistério", como dizia Bukowski, não é mesmo? Como só ele e você sabem. Como leio até onde você permite. Como te conheço em poucas frases.

Vivendo a "monotonia na cidade que nao pára...". Monotonina. Sempre fugindo de minhas aproximações. Sempre fugindo para seu interior. Para debaixo de uma ilusória proteção. Como se sempre chovesse em dia de verão. Faz moda e acorda sempre insone. E costumava me encontrar em noites perdidas. Em noites passadas. Dois perdidos. Dois fudidos que não são mais uma soma. Um e um.

Aonde você foi parar? Perdida em caminhos que não levam a nenhum lugar. Bebida que te engasga. Fumaça que te cega. Eu enxergo sua luz. Eu sei aonde você está. Porque eu também estou. Foge. Foge enquanto há tempo. Mas se não quiser, por favor, segure minha mão. Bem forte e não solta. Não solta porque eu te quero bem. Te quero Ben, minha amiga. Minha depressão. Eu falhei com você. É o que eu sinto, que falhei. Para não sentir vontade de chorar, te aperto em minha dor. Mas você nunca está aqui. E nunca está lá.













It's something I have to do
I was there, too
Before everything else
I was like you
I won't let you fall apart













Horse Latitudes

O tic vai. O tac volta e me avisa o tempo perdido. O silêncio estéril, como me irrita. Tic... e fico... tac... aqui... tic... parado... tac... esperando... tic... cavando... tac...

Uma mesa preta envernizada. Eu não quero estar aqui. Cadeiras vazias só destacam mais minha solidão. O céu é de um branco sujo tão tristonho... Ao caminhar vejo todos chorando. O céu branco-sujo agora sou eu. As pessoas passam automáticas, como trem. Ao passaram por mim, todas apontam e riem. Elas o fazem aonde não posso ver. Mas eu sei.

Minha trilha sonora não me permite ouvir nada além. Os dias passam e passam, exatamente como são. E se eu morro na sala dum hospital ou pulo de cima dele, que diferença faz? Não há efeitos colaterais.

Uma mesa preta envernizada. Seu espelho agora é líquido, é óleo.E me sujo. Mergulho e me sujo mais. Porque sou como o céu. Furioso, triste. Explosivo. A fechadura é pêndulo e a chave não entra. Uma, duas, três. Tentativas vagas e ásperas. Preciso abrir. É sempre a última chave, talvez não a última chance. Seus dentes passeiam o corpo e vão. Um quarto, um inteiro. Vai inteira e não acaba.

Me faço parte e parto. Entro pela fechadura e sou mastigado. Acordo do lado de dentro. O que aconteceu? O dentro é fora e não faço parte. Um cavalo me espera para montá-lo. Penso em quantos eu espero que montem em mim. Está tão longe. Acordo do lado de fora. O céu é de um branco sujo tão tristonho... Ao caminhar vejo todos chorando.

3 de novembro de 2007

[Prólogo dos Mortos: Os Dias Seguintes]

"Perto de você,
Dentro da tua história
Eu carrego as paisagens
E as miragens do além"


Depois que ela se mudou, poucas vezes a visitei. Hoje, como todo hoje, amanheceu chovendo. Ela é a anfitriã do dia e adora companhia. Seu novo lar está sempre limpo, organizado, florido. Como o antigo. Porém é menos espaçoso, mais introvertido.

Você nos recebe com aquele sorriso! O mesmo que nos deu ao partir. Tentei rir de volta, mas não consegui. Tentei não dar as costas. Não vai nos convidar para entrar? Melhor aproveitarmos o sol aqui fora mesmo. Está um dia bom para se ficar. Hoje é um dia bom pra ficar.

Que escuridão. Minha mãe acende velas na esperança de enxergar. Quando derrete, vira enfeite. O seu lar está cheio deles. Espero que todos entrem e dispercem e se despeçam de você para eu ficar em paz. Hoje, como todo hoje, amanheceu chovendo. E sozinho, no seu telhado eu faço chover. Me abraça forte e não me deixa. Quem me dera eu pudesse ficar. Me abraça forte e não me deixa.



____________________________________________
Angel¹ Faded From the Winter²

¹. Angel é uma música do Jimi Hendrix e é minha dedicatória e declaração escrita em versos.


Angel come down from heaven yesterday,
She stayed with me just long enough to rescue me
And she tell me a story yesterday,
About the Love between the Moon & the deep blue sea.
And when it was time for her to go,
She spread her wings high over me,
And she said, "I shall return tomorrow."
And I said, "Fly on my sweet Angel,
Fly on through the sky,
Fly on my sweet Angel,
Tomorrow I'll look for you by my side."

And sure enough this morning comes to me,
While silver wings silhouette against the glow of the child's sunrise.
And as the blue birds and the sparrows envy me,
She says, "I Love you little boy and today you shall fly."
She kissed me once,
And the feeling so good she made me cry.
And now we can fly together...

And I said, "Fly on my sweet Angel,
Fly on through the sky,
Fly on my sweet angel,
Together we shall always be high."


[essa versão é a acústica, bem mais legal]




². Faded From the Winter é uma música do Iron & Wine, banda que a Alice me apresentou. Essa música, em especial, é foda e passou a ter um sentido muito grande num dia como hoje, por exemplo.


daddy's ghost behind you
sleeping dog beside you
you're a poem of mystery
you're the prayer inside me

spoken words like moonlight
you're the voice that i like


needlework & seedlings
in the way you're walking
to me from the timbers
faded from the winter

2 de novembro de 2007

I Will Follow You Into the Dark


Ouvi os gritos desesperadores do lado de fora. Abri a janela e os pássaros eram anjos que desciam à superficie. Os ratos eram monstros e pecadores vindos do inferno. Só desce ao inferno quem é pesado demais. A maioria deles, arrependido. Os que não estavam, faziam daqui sua própria morada. O medo invadia as casas. Mas eles não estavam fazendo nada, a não ser viver. As pessoas temem a vida.

Alguns vivos declararam guerra aos mortos e usam todas as armas possíveis. Como matar o que já está morto? ...Eu seguia me perguntando. Não quis sair da minha casa. Tudo estava calmo demais. Não quero sair. Está escuro, está tarde. Eu quero sair, eu preciso. Esperei mais um pouco. Um copo de leite. Outro.

Caminhava entre os mortos-vivos na esperança de encontrá-la. Mas tinha tanta gente. Minha esperança esvairava. E quando meus passos pensavam em desistir, logo lembrava que antes mesmo dos mortos, eu encontrava rostos conhecidos nessa cidade gigante de gente maluca. Então meu peito batia mais vívido entre aqueles que já se foram. E só ouvia meus tambores. A chuva chegou castigando e lavando a alma daqueles que ainda a tinham. Só se ouvia os trovões.

Alguns ateavam fogo. E o fogo se espalhava nos restos de corpos e os restos dos corpos espalhavam o fogo entre carros e lojas e os vivos. Os vivos. Que queimem. Vi alguns reencontrarem entes queridos. Aquilo me faltou o ar. Calma, não agora. Quis chorar. Não agora. Vi alguns mortos conversarem sobre como estão felizes e como não querem voltar à essa dimensão. "Pr'uma cerveja, tudo bem. Mas só uma."

Achei que aqui fora, fosse morrer. Mas só dentro de mim. É só dentro de mim. Hoje ninguém morre. A morte passeia entre nós. Que garota incrível que me olha nos olhos me seduzindo quase que hipnoticamente. É fácil identificá-la. A maior ironia da vida é a Morte ser a que mais gosta de viver.

E o dia amanhece maravilhosamente belo. O cemitério está vazio. Logo hoje, está vazio. Sempre olho o cemitério a noite, quando ele está fechado como se ninguém pudesse morrer naquela hora. Ele nunca está vazio. Eu olho e sou olhado de volta. Mas especialmente hoje eu não tive essa sensação. Não havia por quê. Muitos recém-chegados iam direto ao lugar em que tinham deixado suas saudades e contas a pagar. Porém nem todos eram bem-recebidos. Quase podia ouvir baixinho as pessoas rezando pra passar. As velas acesas quase ofuscavam a luz do sol. Quase. Me ligam perguntando aonde estou. Estou bem. Calma, ainda estou bem.

Via pessoas antigas, abismadas com o mundo atual. Os parques eram os lugares preferidos das crianças que nunca puderam viver aquilo. Vou para meu lar, meu destino traçado. Não minha casa. Meu lar. E se ela não estiver lá? E SE ELA NÃO ESTIVER LÁ? Alguns "zumbis" riam da minha falta de ar. "Nós não temos esse problema". Não, claro que não. E seguia tremendo. Sempre a pé, carro era arriscado demais (pra mim). As ruas eram guerra e paz. Ódio e amor ao mesmo tempo. Era tragicamente belo.

Ando agora sem direção. Sem onde ir, sem te encontrar. Pedra e terra no lugar de seu colchão. Demônios correm para as últimas travessuras, para as últimas redenções. Avisavam que estava quase na hora. E o porteiro dos portais já estava com as chaves nas mãos. O dia se desfazia junto da simpatia dos que não pertencem a esse plano. Era hora de ir embora.

Um espelho. Um reflexo. Não pareceu ser eu. Eu estava sumindo. Eu estou tão perto. Posso sentir seu cheiro. O dia estava acabando e eu não a encontrei.

1 de novembro de 2007

Só para você sorrir... um urso ou um leão?

Um dia, em 1992, vi os tristes olhos de minha mãe entrando na sala. Com meu irmão no colo, em uma das pernas, e eu, na outra, ela nos contou que Clara, nossa cachorra, tinha morrido. Ela não ia voltar, esse tanto eu entendi, mesmo sendo um toco de gente. O que não pude agüentar eram os olhos chorosos da minha mãe. Abracei-a e disse “tudo bem, mãe. A gente arruma um leão ou um urso”. Foi tudo que minha maturidade pôde proferir. Se minha mãe sorriu ou se me achou tola, não sei.

Já em 1994, na primeira série, encontrei uma joaninha laranja na cortina da sala de aula e, não sei como, a trouxe para casa. Coloquei-a num vaso e fui chamar meu pai para me ajudar a cuidar dela. Passamos a tarde procurando livros sobre insetos para descobrir como alimentar a pequena. Não lembro seu nome, mas tenho certeza que a batizei. Por fim, achamos as folhas certas para alimentá-la, mas era tarde. “Pai, ela não tá se mexendo”, suas patinhas estavam duras. Ela tinha morrido. Meu investimento emocional tinha sido tanto, mesmo tendo sido por apenas algumas horas, que fiz um túmulo, com cruz e epitáfio. Enterrei-a no vaso e a contemplei com flores. Eu nem 7 anos tinha.

Em 1995, minha bisavó (que faria 115 anos hoje) faleceu. Desse fato, não lembro nada.

As lembranças, porém, das mortes dos meus inanimados amores estão sempre a me perseguir. Suas mortes pesam muito, muito mesmo, até hoje. Sinto a culpa dos assassinatos nas imagens congeladas do passado. Creio que nunca vou esquecer suas faces... mesmo se não tinham faces, mesmo sendo só uma pedra ou um barco de papel. Mas tenho o pequeno conforto da certeza de ter feito suas mortes mais brandas e menos sós o possível.

Agora, vivo o conflito de me importar mais com as despedidas dos objetos e animais... e nem ao menos lembrar a morte da minha bisavó. Eu gostava muito dela, de verdade. E talvez eu só recorde a morte do meu tio por ter sido há apenas 3 anos. Espero que não, mas sinto que pode ser verdade.

Hoje, deixo meus pesos e pesares em pensamento e coração.





[Por cada maldade de criança com a Clara...
Pelas minhas unhas cheias de terra...
Pelo colo da minha bisavó...
Pelos pensamentos despertos pelo meu tio...
E pela minha neurose].

31 de outubro de 2007

Prelúdio dos Mortos


Dona Insônia me visita quase todas as noites: "Yu-uu, hora de acordar, gatinho". Ela não tem assunto nenhum, também não tem o que fazer, e adora minha cara cansada e sonolenta. Mas esta noite foi diferente. "Esta noite, meu amor, vai ser diferente". Também não sei de onde ela tirou essa intimidade, humpf.

Acordo sempre achando que estou sonhando. Sonho sempre que estou acordando e, ao acordar, nada é real. Nem nos meus sonhos eu sou bem-sucedido e minhas tentativas não passam de tentativas. Quando acordo, acho que estou dormindo. O mundo me engole. Mas mastiga as 80 vezes como manda o manual saudável da nutrição.

Esta noite vai ser diferente. O dia em que o céu e o inferno se misturam na Terra.





Continua...

29 de outubro de 2007

Motel

Meus desejos mais perversos e indecentes são os sexuais. Não vou ser prepotente em dizer que já vi de tudo porque uma amiga da faculdade me mostrou coisas que jamais achei que existissem e vão além da compreensão. Certo. Mas já vi muita coisa, já vivi muitas experiências legais. Porém nunca fui num motel. É, motel... Tão fácil, tão ali, e nunca fui. Até aquela madrugada.

Era um daqueles bem fuleiros, de beira de estrada. Daqueles que não se tem opção. E lá estava eu, me assustando comigo pelado no teto. Banheira com hidromassagem, hmm... Devo ter pego no mínimo 4 doenças ali dentro. Mas estava tão cansado, exausto. Não resisti. Me arrependi no começo e quase desisti, mas segui firme até o final. Era como se entrasse numa fossa de esgoto, mas depois se acostuma. Até relaxei.

Ao entrar de volta no quarto, me esparramo nu na cama quase redonda (até agora não entendi o formato daquilo). E novamente me encontro encarando a mim mesmo pelado. Que visão do inferno! Me ignoro. Na TV somente um canal trash pornô. Mas o pornô mais sacana e mal feito que eu já vi. Que possa existir! Até vídeos caseiros da Pam, Paris e Meg são melhores que aquela porcaria. Rodei os canais em busca de opções: três canais de igreja, Chaves no SBT, enlatado americano na Globo (Será que eles acham que alguém realmente assiste aquilo?), e o mesmo pornô novamente. É, ok, Chaves.

Pego o cobertor duro e me cubro pra dormir infeliz. Na verdade feliz, estava tão cansado que qualquer motivo de descanso era alegria. Qual o problema daquele cobertor? Ele parece um pedaço enorme de cartolina. Inquieto percebo que ainda estou pelado. Exatamente como eu gostaria de estar se estivesse num lugar limpo. Naquela cama e naquele cobertor misteriosamente duro, devo ter pego mais umas trê ou quatro doenças (chutando baixo) e levantei correndo pra colocar minha cueca afim de enganar aquela achaque.

Pronto. Finalmente, posso dormir. Os espelhos e o Chaves que me perdoem. Dormi apenas uma hora. Já era hora de levantar. Minha primeira vez num motel... Fiquei apenas 1h30, assisti Chaves, certeza que peguei alguma DST (na melhor das hipóteses) e o pior, estava sozinho.

28 de outubro de 2007

Transfiguração / Butterfly Caught




Para sobreviver é preciso morrer todos os dias. Eu me repeti isso durante esses 21 anos. 41, quem diria? Talvez quase todo mundo, menos eu. Mas só eu me conhecia.



Eu achei que não fosse chegar até aqui. Na verdade, não cheguei. Me trouxeram pra cá. Abraços e empurrões me fizeram até aqui. Estudei algumas coisas interessantes, fiz muitas delas. Nem todas que desejava, nem todas eu desejava. Não queria estar aqui nem nenhum outro lugar. Mas estou. O mundo me castigou e não sofri um acidente, os remédios não funcionaram, as doenças foram curadas e as drogas não foram o suficiente. E aqui estou. Minha fase autodestrutiva acabou. Não há mais espaços para drogas ou coisas do tipo. Cobri o corpo com cicatrizes e tatuagens. Não me arrependo. Talvez seja esse o problema. Continuo fumando, continuo errando nas mesmas coisas. Foda-se. Eu não queria estar aqui.

Estou conservado, como as salsichas que quase comi num reencontro ao passado. Me sinto bem com meu corpo. Nunca mais joguei basquete. Me traí. Isso eu continuo fazendo com certa frequência. Não tive filhos. Talvez tenha tido, mas não quis saber. Pisei em todos meus amores assim como eles (não) mereciam. Nós? Ainda somos amigos. Você foi o pouco que sobrou do meu passado. Após o meu regresso, eu não quis saber de ninguém. Ninguém quis mais saber de mim. Aquela clínica só ajudou a trazer mais problemas e, sinto em dizer, mas -

Agradeci quando minha mãe morreu. Chorei como achei que não choraria, e agradeci como achei que não agradeceria. Que seja feliz como não foi em vida. Demorei pra voltar a escrever. Acertei onde Schopenhauer insistiu em errar. Onde eu sempre errarei. E envelheço como ele. Eu piorei. Muito. Mas convivo melhor com as situações. Minha fase "aborrescente" não passou. Minhas músicas são as do passado. Agora sou quadrado, e meus filmes, antigos. Clássicos merecidos.

Dizem que o passado é sempre nossa melhor época. Mas eu perdi quase tudo e minhas felicidades são inventadas. Disseram que isso não é evolução. Eu evoluí sim. Minha transfiguração.

24 de outubro de 2007

But not today, independence day

Não consigo me deitar. O sono não está presente e nem anuncia aproximação. Devo tê-lo afugentado com meus pensamentos inquietantes que chegaram para atordoar o tempo. O presente se embrulha como meu estômago e o passado se embaralha como minha vista seguindo as gotas da chuva na janela. O futuro se embaça como as luzes da rua. Tudo isso, num só segundo de percepção. Antes eu estava tão bem, até ouvi-lo dizer “um último beijo de 39 anos”. Virei indignada, dizendo que nada ia mudar de hoje para amanhã, que isso eram formalidades de calendário. Ele sabia que não era bem assim, mas se fez de desentendido, porque tinha a certeza de como me sentia sobre o crescer. Então, me deixou a sós com a vista da janela, a olhar meu mundo de dentro.

Ainda bem que nunca cultivei a ilusão de que com a idade, a gente se compreende melhor, entende a vida e deixa de ser um militante inconformado. Acho que estou tão desnorteada quanto sempre fui. Ouço e vejo coisas que me mantém assim, sem conformação. Justo eu, toda conformada nas formas e segmentos. Meu passado embaralhado não foi mentira, sou ainda tudo que fui. Mesma estruturação em conflitos diferentes. Mas algo sempre está a se modificar, não posso negar. Só não posso apontar.

Cansei de refletir sobre crescer. Pra quê a introspecção? Chega, já sei muito de mim, basta!, análise em casa também não. Sempre assim, sempre assim. Canso a todos e a mim. O meu mundo continua pesando, muito. O mundo de fora também. Muitas questões para hoje. Muitas penalizações, pare de pensar Alice, e aproveite o mundo! Mas é assim que aproveito o mundo, minha vida, me esquecendo dentro de mim, dentro dos outros, nos olhos, doenças, normalidades e loucuras.

Dou um beijo nos pulguentos espalhados pela casa. Boa noite, boa noite. Deito com ele e sonho. Alguma lembrança de um passado alegre me visita. No dia de amanhã, estarei feliz. Gosto de aniversários, de presentes, de bolo. Amo a presença de quem me marcou e não deixo fugir. Quero abraços antigos, abraços novos, lambidas babadas e surpresas. Quero atravessar a rua fora da faixa segurando sua mão.

21 de outubro de 2007

Jigsaw Falling Into Place



"I never really got there. I just pretended that I had."

In Raibows [reescrito]




Um formigamento. Uma sensação pululante de algo esquecido há muito tempo. Não desconhecido. Mas que me assusta quando acontece. É falta de intimidade. É só isso...


Os dias têm sido fáceis, corriqueiros. Não tropeço mais nos buracos no caminho, tampouco olho pro chão. Se antes olhava pra baixo, agora ando preocupado se vai chover. Flutuo sem precisar desviar de nada. Nem tudo nem todos estão certos. Nem tudo, nem todos. Se antes eu era dominó, agora sou quebra-cabeça. E tudo vai se encaixando.


Essa sensação passeia por todo meu corpo, me deixa um pouco sem jeito, acanhado até. Cubro meu rosto para não me entregar. Cuido para que não faça barulho. É uma sensação tão boa, tão sincera e tão secreta...


Olho meu passado e me arrependo de poucas coisas. E posso crescer sem essa culpa. Tenhos pessoas ótimas a minha volta que querem isso que tanto escondo. Querem o que só divido comigo e só demonstro quando estou sozinho. Arco-íris. Me sinto leve e vôo todas as cores.


O formigamento atinge meus músculos e já não posso mais controlar. Meus dentes querem enxergar, e se batem inquietos dentro da boca. Meus olhos não negam, mesmo que tente esconder. Eles dizem sem precisar dizer. Meu peito não aguenta mais, minha barriga dói junto com meu maxilar.



Essa sensação passeia por todo meu corpo, me deixa um pouco sem jeito, acanhado até. Cubro meu rosto para não me entregar. Foda-se. Que ecoe quarteirões e acordem os cansados e desocupados. Que todos vejam meus olhos brilhando de alegria e que minha boca engula o mundo se for preciso. Que vejam. Que juntem-se a mim e que nos alimentemos. É uma sensação tão boa, tão sincera... Um sorriso.





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- Doutor, o que significa toda essa euforia e disposição?
- Felicidade, meu jovem.
- Ahhh... E tem cura?


=)

19 de outubro de 2007

Um texto feliz, sim

As palavras soaram tão desconcertantes. Inimagináveis pela minha imaginação, partes somente do meu sempre constante e inevitável platonismo. São integrantes do roteiro perfeito de minha vida, falas que não acredito serem possíveis de sinceridade e, muito menos, de realidade. Mas, ahhh, aconteceu.
.
Do fundo escuro do passado, o qual nem eu mesma recordava, as lembranças de uma época embaçada foram descritas para mim. De repente. Um admirador, um fã, de muitos anos, que persiste em ser um fã. Não sei por que, nem mesmo ele sabe, mas sempre me considerou especial. Fui pensada, diversas vezes.
.
E eu sempre pensei que quando eu ia embora, meus efeitos iam comigo e nada de mim ficava para trás. Nenhuma lembrança, pensamento, palavra, suspiro. Nem mesmo minhas digitais. Mas não, oh não! Quem sabe eu realmente inspire. Ah, que estranho pensamento.
.
Não estou acostumada a ouvir elogios. Nem comentários sobre o que for que eu tenha feito, dito, pensado. Sempre me considerei aquelas pessoas que passam em branco. Talvez não, talvez não. Sou admirada há anos, sou a garota distante que virou tudo, sou chuva.
.
Ah, meu Acaso, não sei como processar estes pensamentos! Parecerei fria e intocável. Mas saibam que estou feliz, mesmerada, estática. Surpresa... confusa. E com um sorriso gigante no meu rosto.

16 de outubro de 2007

Sorte e seqüelas

"Ele está bem, está se recuperando.
Foi uma puta sorte...
Ele não vai ficar com seqüela nenhuma!!"

13 de outubro de 2007

SINATRA [A Dolphin!]



Está realmente calor hoje. Bebo uma Coca-cola quente enquanto almoço de cueca em frente ao cemitério. Enquanto respiro com dificuldade como se estivesse asfixiando num deserto. Alguém está me enforcando, sinto suas mãos. Alguém está me enforcando só pra me ver mudar. Mas é só sangue; meu nariz menstruado e suas lamentações. Meu voyeurismo não incomoda. E afundo numa torrente quente de lágrimas e chuva. E tudo se mistura.

Neste mesmo sábado resumi por MSN minhas noites de fim-de-semana a uma amiga como sendo solitárias, e às vezes na [rua] Augusta. Ela, preocupada porque sabe em parte da minha situação leu e releu "angústia" no lugar de Augusta. Angústia¹. Talvez ela tenha lido certo e quem escreveu errado fui eu. Talvez eu seja o próximo corpo que irão apontar e rir e me culpar pelo trânsito ganho com tempo perdido, pelo corrimão amassado ou pela nova cor do carro.

Naquele chão quente eu me perdi dentro dum arco-íris. Foi nesses olhos desiguais, Lice, minha amiga, que vi as visões escondidas. Aquelas que não querem que vejamos. Mas elas estão lá. Provoquei o ursinho cor-de-rosa que sempre me olha disposto, e estava no meu lugar, no meu fundo-do-mar, meu deserto Blue Zoo.

Essas visões não duraram muito. Mas o suficiente para que me encontrassem. No máximo o tempo de enxergar um golfinho, minha amiga. Um golfinho... [abre os olhos]









¹.
Acepções■
substantivo feminino
1 estreiteza, redução de espaço ou de tempo; carência, falta
2 estado de ansiedade, inquietude; sofrimento, tormento
Ex.: a notícia só fez aumentar-lhe a a. em que vivia
2.1 Rubrica: psicologia.
estado de excitação emocional determinado pela percepção de sinais, por antecipações mais ou menos concretas e realistas, ou por representações gerais de perigo físico ou de ameaça psíquica 2.2 Rubrica: psicologia.
medo sem objeto determinado
2.3 Rubrica: psicanálise.
reação do organismo a uma excitação impossível de ser assimilada, desencadeada pelo bloqueio da consecução da finalidade de uma pulsão (p.ex., a frustração do orgasmo) ou pela ameaça de perda de um objeto investido por uma pulsão (p.ex., a perda de um ser amado)

The Sound of Silver

Violência. Mais violência, eu quero mais. Mais violência. Ver aquelas crianças mortas foi inspirador. Ouvir aqueles gritos abafados e desesesperados de mulheres indefesas foi como uma felação inóspita. Eu estava ali e comandava tudo. Homens com membros gigantes passeavam pelos céus, mulheres com mentes febris me encaravam como deusas, mas eu podia tudo.

Um campo. Cadáveres pendurados em ganchos sangravam e secavam e diminuiam e me faziam maior. O cheiro me fazia vomitar, mas segurava como seguro as lágrimas pra provar que sou Homem, frio e vazio. Para provar pra mim mesmo que eu desejava aquilo tudo e ali queria me esfregar e me lambuzar sem vergonha. Ali eu me pertencia e ali era meu lugar, em meio a sangue, lama e carne.

Era um quadro. Sim, um quadro, desses que se pendura na parede. E tinha muito sangue e tripas. Um boi aberto, totalmente exposto. Tá, não era um quadro desses que se vá pendurar na parede. Mas este estava pendurado. E era gigante, para que pudéssemos apreciar os detalhes dos dedos humanos afundando nas carnes e nos lagos de sangue que se formavam. E eu senti vontade de comer tudo aquilo. E foi exatamente o que eu fiz.

Afundei quadro adentro e lá estava, envolto a moscas e a um fedor repugnante, como eu. Exitei por um breve momento, mas foi irresistível. O desejo dentro de mim, a libido, me rasgavam a pele e queriam explodir. Abri a calça com o membro já pronto para sua missão e mergulhei tripas adentro. Mal sabia que parte da carcaça era aquela, mal sabia eu o que estava fazendo.









































[Babava, batia, arranhava. Eu queria aquela carne dentro de mim, eu queria sê-la. Eu era aquela boi. E o choro já não se segurava mais dentro dos meus olhos. O orgasmo já não se segurava dentro do meu olho. Ajoelhei, e todo sujo de sangue e sexo, agradeci.]

12 de outubro de 2007

Vertigem

Foi estranho e incomum. Eu estava dormindo, cansada e feliz das conversas que tive no dia anterior. Pulei da cama, levantei. Ele também. Fiz meu café-da-manhã, minhas torradas pularam da torradeira. Ele também. Beijei minha mãe, dei tchau e fui para o ônibus, corri para não perdê-lo. Ele também. O caminho todo fui pensando nas grandes oportunidades que o dia me guardava. Nas minhas esperanças e possíveis felicidades. Tanta, mas tanta esperança. Ele também, mas uma bem diferente da minha. Havia chegado ao ponto, pulei do ônibus. Ele também. Recebi a mensagem, corri para ver o que estava havendo. Vi pessoas conversando, portas fechando, olhares estranhos. Sim, ele tinha mesmo pulado.

E pulou para se perder no mundo. Sua vida se perdeu na boca dos universitários egoístas. Porque trânsito não é legal para ser tomado em vão. Porque os minutos gastos no ponto de ônibus não compensam uma vida de sofrimento. Pois a vida não era a sua vida.

Ah meu umbigo, como se no mundo só existisse eu e ele. O burro ainda podia ter arruinado a vida de alguém, que perigo, meu Deus! A igreja do lado desmente, espero eu. Se não ela, eu. Onde foi parar o garoto? Ninguém liga para ele, eu noto. Apenas para o evento, o show, não é? O dia sem aula. Alguém se importa com sua manhã? Com o peso de seus passos na subida da rampa? Com o peso em suas costas? Ninguém quer saber se ele acordou e pensou “hoje, minha vida acaba hoje”. Será que dormiu? Ou será que vagou pelo mundo procurando carros para manchar?

As bocas maldosas perdem o humano. O humano perde o humano. E os dedos apontam, o local é visitado e vejo risos. E eu choro. Eu choro. Eu choro. Porque podia ser eu, você. Mas não!! Foi ele. Foi ele. E ele foi. Não, ninguém mais, mas ele. Ele.

***

E tem tantas coisas mais presas no meu peito.

3 de outubro de 2007

O Longo Vestido Cinza




Estou me perdendo em mim. Já nem lembro como eu era para ficar angustiada por ser como sou. Jogaram meu ponto de vista pela janela. Caiu num bueiro e entupiu o Pinheiros. Fujam pacas, cotias, capivaras [ou veados como diz a placa]! Eu estou poluindo o mundo.

Psicólogos são muitos, amigos são raros. E cá estou eu deixando de ser rara. Como posso? O que mais procurei em outros é o que me falta agora. Dá pra calar a boca e ser você? Ser sincera está custando muito. Ser neutra é um treino. Façamos de cobaias a todos, menos os animais, pois isto é pecado. Don’t test on me, clamava 14-B. Testo em mim então, em você, em todos! O mundo está aí para meu bel-prazer. Rá, abuse-o. E perca-se.

Para um estranho escrevi sobre. Ele me disse que todos somos assim, vamos nos perdendo no que fazemos. Pois, afinal, somos um só, não é? Mas não queria trair minha Alice interna para satisfazer uma Alice que nem adjetivo posso atribuir. Não sei quem é, nem porque faz o que faz. Tenho ética profissional! Ah, achei que seria por amizade. Que inferno, aonde está minha opinião?!

Não, não, cuidado. Não tome decisões por ninguém, meça as palavras, amplie a consciência, faça-os entender, não dê respostas, seja um instrumento, não julgue, não opine, não seja espontânea. Ou seja, mas dentro dos limites da teoria. Force até dobrar, mas não romper. Se romper, comprometeu! Fudeu o sujeito pro futuro inteiro, shame on you! Ugly baby judges you!

Como saber também, se não fui sempre assim? Pouco me recordo, mas elogiada sobre sempre fui. Oh, oh, meu destino! Que acaso de merda, poderia ter me dado as vísceras para salvar o cão atropelado, mas não!!!! Cuide dos estúpidos humanos.

Desculpe se opinião me falta, sobre assuntos que merecem um ombro amigo. Pode chorar, pode. Mas não enxugo lágrimas. Sou cinza.

***

O Sr. Vendaval foi ouvir a Novosom. E dele, roubo as palavras: “ser desagradável e ter nojo da humanidade... eis o bom psicólogo".

1 de outubro de 2007

Oxygen Thief

O pão é duro e esfarela. O queijo está embolorado, assim como aquele corpo no sofá. Mas pouco importa. Tudo aqui em casa venceu. Menos nós. Nós perdemos. Nós Nos perdemos. O ovo tem umas "coisinhas" estranhas, o chocolate virou plástico branco. O danone é ácido, o miojo venceu em fevereiro. 2006. Tem muita comida. Muita invalidez. Tudo venceu. Tudo menos eu.

Minha mãe tem essa mania, de comprar muita comida para pouca fome. Minha mãe tem essa mania, de achar que somos muito. De morrer sem avisar. A casa estava quieta e a comida cada vez mais podre. Mais podre éramos nós que comíamos sem se importar. Uma cara feia, um gole de qualquer coisa, e pronto. Tudo vira merda do mesmo jeito. Eu estou no caminho.

O bolo não estava mais tão bom, estava duro. E xingava por comer aquilo, mas sequer me mexia para preparar outra coisa. Sequer me importava o gosto ruim que tinha. Podia fumar em casa, agora ninguém me incomodava. Minha mãe dormia e dormia, passava dia nem a via. - E daí? Melhor assim - eu dizia. O lixo do banheiro não esvaziava sozinho. Minhas roupas acabaram e o guarda-roupa está vazio. Tudo está no mesmo lugar. Eu também.

Era um sofá, onde encontrei um corpo. O sofá que ela nunca sequer sentou, agora ela jazia. Nossa diferença é que eu respiro.