Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

30 de junho de 2006

Acaso, o Senhor das Máscaras


Somos todos cegos para o presente. O passado é o mais claro do mundo, vemos nossos erros, acertos e julgamos tudo. Mas é óbvio: julgamos porque não precisamos vir com soluções! A única tarefa a nós dada é aprender com ele. Nem isso o homem faz.

Então o passado nos segue. Volta ao presente a todo instante, assim que vê uma oportunidade. Como o inconsciente, que encontra nos sonhos a abertura perfeita para vir à consciência. Com qual objetivo? Ensinar sobre si mesmo.

Quando as lembranças boas vêm, causam saudade. Saudade ruim, lembra que não temos mais o que tínhamos, aquela coisa tão boa, aquele cheiro, aquela pedra. Só o vazio. A mão segurando o ar. O beijo aproveitado pelos pombos. E as lembranças ruins trazem ainda mais dor, cutucando a velha ferida que na verdade nunca sarou. Não tinha Merthiolate naquela época.

Sou mais uma prova da ignorância do homem. Minha raiva com o passado significa que nada tirei dele para o meu presente. Que pena.

O que fazer então para aprendemos? Ignorantes por natureza. Tentamos. Em vão, mas se não tentarmos, não teríamos utilidade. Extinção. Futuro tão esperado! Logo, tentamos.

A perspectiva é tudo. O olhar alheio. Você não sabe quem é, mas o desconhecido que te ouve falar todos os dias sabe. Os passos errados que são dados hoje não nos indicam que estamos caindo. Mas amanhã nos veremos no fundo, tão longe da luz. Teria sido um erro cair no buraco?

Ou seria tudo obra do Acaso?

Por que não percebemos o Acaso?

26 de junho de 2006

House of Secrets

Estavam os dois deitados e cansados, conversando sobre segredos e mundos. Ela, por alguma mistura química do cenário e do tempo, decide contar ao garoto sobre sua infância. Nunca havia dito nada a ninguém sobre o que aconteceu. E então começou: "Quando eu era pequena, meu irmão abusava de mim". O garoto não entendeu e quis saber mais. "Doía muito!". "Não sei se rolava penetração, eu era muito pequena". "ele mandava eu fazer coisas...". A voz é interrompida por lágrimas. Ela o abraçou como se o monstro estivesse ali e o garoto fosse seu escudo sem armas posto à frente da besta. "Não corre, não conta pra ninguém senão vai ser pior" rondava na cabeça dela. O garoto, de uma forma quase egoísta e sadomasoquista, a tranquilizava e queria saber mais. Ele queria entender, chegou até a dizer que isso é normal. Como pode ser normal? Como entender um incesto ou estupro? [eu não sei a classificação correta e isso não importa muito agora] Na mesma hora que ele disse que era normal, ela levantou de seus peito e lhe perguntou se ele já havia feito algo parecido com sua irmã. Ela disse com um certo tom de esperança, como se ele tivesse feito com a irmã dele, faria a dor dela diminuir. Mas "não" foi sua resposta. Ela perde a faísca de esperança que tinha e volta a ser criança em seus braços; e contava e chorava e o garoto se sentiu culpado. Por nada. Lágrimas se misturam enquanto o sono não vem.

Ela sabe o nome de seus demônios, como combatê-los? Ele a vê sempre, sempre com sorrisos. Ela tem salvação. Todos temos. Ela luta por isso, mas é muito sozinha e o medo a domina de uma forma absurda. Medo do escuro, porque ela sabe o que tem lá. Os monstros são reais e tocáveis. Esse é 1 caso de milhares. O que mais acontece quando a porta da frente da caixa de cimento está trancada? Segredos pesam mais do que parecem, e o garoto agora ajuda a carregar esse fardo. Mas será que ele aguenta? Desde aquele dia, não tem um dia sequer que ele não pensa no que aconteceu, no que acontece em todos os lugares que seu cérebro lhe permite ir. Então, ele se sente deprimido por não ter nenhum tipo de poder especial e não poder fazer muito a respeito de coisas desse tipo, nem de seus próprios defeitos.

O irmão dela? Um idiota com o cérebro praticamente inválido porque só o que ele sente é culpa e vontade de ser punido pra pagar seus pecados. E só ouve músicas violentas e gritantes porque aquilo entra em seu cérebro e faz com que ele tenha sossego dele mesmo. Ele mal olha pra sua irmã e evita conversa, por vergonha e arrependimento. Ele não passa de um verme escroto e sabe disso. Embora tenha feito "na inocência", o fardo pesa hoje e vai pesar pro resto da vida. Ela, a garota, se deprime ainda mais, porque sente falta do irmão.


Então, alguém fecha as cortinas da janela.

9 de junho de 2006

Um cão acorrentado só pode ver a vida passar

Fazia tempo que eu não escrevia em meus cadernos e, quando fui escrever, minha caligrafia estava tão estranha. Comecei a prestar atenção nos movimentos feitos pela minha mão [e, claro, minha letra foi ficando pior, saindo das linhas... mas por que também manter esta ordem imposta? Deixo isso pra depois]. Prestei atenção na caneta também, como eu usava ela. Mas eu também estava usando minha mão. Ou não?

Daí, veio a mim essa idéia: meu corpo era meu instrumento ou meu limite? Seria ele algo que eu estava usando para satisfazer o meu eu interno? Eu uso o meu corpo para me expressar, para que o meu eu seja manifestado para os outros? Ou seria meu corpo meu limite? Será que eu sou maior que o meu corpo me permite? Quero eu fazer movimentos que simplesmente não posso fazer, por não ter asas e sim braços, por não ter garras e sim dedos, por não ter focinho e sim boca? Sou maior que meu corpo me permite? Estou presa? Quero sair?

Fiquei pensando e pensando. O meu corpo é minha linguagem. Eu uso ele para me expressar toda hora. Não consigo falar sem movimentar minhas mão... até mesmo como eu iria falar [e eu falo muito!] sem minhas cordas vocais? Sem mencionar meus olhos. Digo tanto através deles. Minto e transpareço quem sou por eles. Minhas mãos escrevem!! Meus pés pulam!! Meus dedos tocam!! Minha face me entrega...

Meu corpo me prende. Ele me limita, dita quem eu sou, quem as pessoas acham que sou. Não tenho 12 ou 15 anos. Não sou meiguinha. Não sou criança. Também não sou amarga ou tediosa. Quero voar mais alto que todos! Quero sair dessa terra, lotada de humanos frios... quero sentir o vento, as nuvens, não ter medo de cair! Quero mais energia para correr, andar, pedalar e não desmaiar no ônibus... quero ser julgada por quem sou, não quem pareço ser.

Um psicólogo fenomenologista disse num livro que o corpo ao qual nos referimos não é o corpo dos livros de anatomia. Nosso corpo é outro, é o corpo que somos e não o que temos. Nós tocamos na face que somos, não na que temos. Quando minha mão segura o seu braço, ela toca você, e não o braço que você tem. Melhor: quando eu toco você, eu toco você. Entendeu? Então, rejeitar o nosso corpo como ele é é rejeitar nós mesmos.

Acho que acabamos tendo que nos aceitar como somos, nossos limites. Viver se sentindo numa prisão deve ser horrível. Digo não às gaiolas.