Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

30 de setembro de 2007

Just a Car Crash Away

Eu o esperava metade da minha vida, praticamente. Ela me esperou a vida inteira. E eu, não esperava nada. Nem vê-lo, nem revê-la. Tenho sonhos frequentes onde somos felizes. Tenho sonhos frequentes onde todos têm a mesma dor. A minha dor. E não consigo suportar. Mas eu posso acordar. Eu poderia, eu deveria... - Eu não consigo suportar.

Ela estava toda de preto e seus olhos permaneciam os mesmos. Vitrais que mudam de cor com o céu. Quando nos encaramos, quis regurgitar a bagunça da minha cabeça e me ajoelhar no próprio vômito. Nossos olhos se encontraram pouco mais de um segundo. Dois, três, talvez. Pude ver um par de asas negras que a enfeitavam tornando-a mais bela, mais ela.

Ele estava quieto como não era de costume. Estava sofrido. "Se eu fosse seu vampiro" lhe doía... Estava como eu sempre imaginei. Ele é real, porém não podia tocá-lo. Ela não era real. Não mais. Mas senti que podia tocá-la. Eu me escondia para que não nos víssemos. Mas meus olhos não mentiam. Meu coração a procurava e batia vividamente como um solo de bateria. Ela se escondia, mas seus olhos não. Diamantes são lapidados para chamarem atenção. E me chamava. Ele não me deu nenhum olhar, nem sabia da minha existência. Não importa, eu sabia da dele e isso me bastava. Ela sabia da minha existência. Eu sabia da dela. Mas o que ela estava fazendo lá??? Não nos conhecíamos.

E seguimos nossas vidas. Chegamos aos dias seguintes. Os três. Engolindo vômitos, segurando lágrimas e juntando os cacos de um coração partido.







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So how can it be this lonely? Is that all we get for our lives? Is love only sweeter when one of us dies? Then I knew that our love was just a car crash away.

28 de setembro de 2007

Cow + Chick = always in the field




Eu tenho uma amiga que eu conheci no inglês e ficamos muito amigas. Daí eu descobri que ela estudava na mesma escola que eu. A gente sempre se trocava cartinhas na hora da entrada. Só que ela é um ano mais velha que eu, daí a gente não nunca ficava na mesma sala e era difícil a gente se encontrar. E depois nossos horários mudaram também, daí era praticamente impossível.

Mas, nem lembro como, ela me encontrou e contou que ia mudar de colégio. Fiquei triste né, mesmo não vendo muito ela. Mas daí ela foi. Só que tínhamos nossos contatos e continuamos a trocar cartinhas, com adesivos do Snoopy e dobraduras complexas. Com desenhos e frases do Friends. Com apelidos e códigos. Ficamos mais amigas do que quando a gente estudava junta.

Um dia, ela decidiu vir me visitar no meu colégio. A gente ficou o recreio inteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeiro conversando! Foi tão divertido... ela disse do menino do colégio novo dela que gosta muito dela. E ela também gosta dele. Contou como era difícil o colégio novo, mas que ela tava tentando se enturmar e já tinha umas amigas novas. A gente falou também de como as meninas tavam estranhas com ela agora... a gente falou mal delas, hahaahahaah! Ah, mas elas também falam da gente. Mas daí encontramos outras amigas dela que ainda estavam no mesmo colégio que eu. Elas são muito engraçadas. A gente foi na cantina e compramos uns sucos e fizemos uns jogos. Eu fiquei sabendo de cada coisa! A gente dividiu segredos de menina... depois corremos e fomos pro parquinho. A gente já tava meio grande pra isso né, mas foi tão legal! E dane-se o que as meninas chatas do colégio acham, a gente tava feliz. Comemos pipoca e uma amiga nossa tinha levado a máquina fotográfica!! A gente tirou muitas fotos divertidas. E inventamos músicas nas nossas cabeças pra dançar e rimos muito.

Mas o recreio acabou, que droga. Ah, quer saber, tudo bem! Foi muito divertido e a gente logo mais vai se ver de novo. Enquanto isso, a gente continua com as nossas cartinhas...


E você me mantém informada das coisas aí no seu colégio, tá? E me conta do menino que gosta de você!! E não liga pra essas bobas do meu colégio, você é muito mais legal que elas! Hahahahaahah! Mas se você me esquecer, vai ver só! Mas eu sei que você não vai fazer isso... eu também não! Logo mais te mando uma cartinha, tá? Deixa eu ir, se não o professor me fecha pra fora da sala! Beijos Paty, até outro dia!

25 de setembro de 2007

The Day the World Went Away

Tudo derrete. A sala afunda comigo na cova que se forma a minha volta. Você já teve um orgasmo? Imagine mil deles... Sólidos e adocicados. Não sei se me deito ou se caio. Sei que tudo afunda comigo, e entro em coma sorrindo.

“Afundaremos juntos de mãos dadas
buraco negro no chão
beije-me e goze em minhas veias atadas
veneno contido no coraçã
ocuspa suas dores e traumas
eu me entrego a ti
sugadora de almas”

Jenny Junkie poderia ter sido uma garota qualquer. Poderia ter sido Jennifer, uma garota classe média, como outra qualquer. Eu sempre fui um caso perdido. Ela me deu a mão para me tirar do buraco, mas eu não pedi pra sair. Agora sou eu quem a seguro pra não deixá-la cair. Cair para não mais levantar.
Jenny não tinha muitos amigos, mas tinha uma carreira maravilhosa. E foi aí que nos conhecemos. Ela dividiu a carreira comigo e cheiramos juntos. Foi aí que nos entregamos. Ela começou com maconha, como todos começam, e agora eu mesmo preparava sua seringa. A qual dividíamos como dividíamos a saliva, o suor, o sangue. Ela só queria ficar ao meu lado. “Eu quero tentar do seu jeito dessa vez”. E nos amávamos e desejávamos pra sempre. O dia e a noite não existiam. Dormíamos na hora do sono, comíamos na hora da fome. Mas quase não tínhamos fome, quase não dormíamos. Nossa dieta era a base de LSD, maconha, heroína, valium, vicodin, o que fosse, o que nos tirasse daqui, o que nos fizesse voar. E lá do alto via minha salvação. Minha paixão. Jenny.

“jennifer is something
you handle with care
its fragile, its cristal, its glass
jennifer lips always soft as the air
kissing her hear of cries

im lost in a maze
counting the way that she smiles
time is slipping away
lost in the arms of her love
so generally white”

Quantas doses de sal ela me deu na veia pra me salvar da overdose de mim mesmo? Da overdose da vida que eu não suportava mais. Mas ela vinha e me salvava. Ahhh, minha doce Jenny. Tudo aconteceu muito rápido e gostamos disso. Nós queríamos dividir tudo. Invadimos a vida um do outro e nos prometíamos pra sempre. Eu fazia tudo por ela, e era destemido. Jenny vivia de barras de chocolate e luz do sol. Eu fazia pequenos roubos e furtos. Às vezes pedíamos dinheiro aos pais dela. Milhares de pássaros, pequeninos, enfeitavam seus cabelos disformes e belos ao mesmo tempo. Tudo era ouro. Estávamos no paraíso. Um dia Jennifer desapareceu.

Decidi parar. Como sempre decidia. Somos a escória da sociedade. Somos o medo de todos os pais. Estamos acabados. Ouço vozes e vejo monstros renegados do inferno. Elas falam comigo, eles me atacam. Jenny atende o telefone... Mas o telefone nem sequer tocou. E xinga por desligarem na cara dela. Ahhh, minha doce Jenny. Não nos suportávamos mais. Só não digo que estamos só o pó porque senão já teríamos nos cheirado. Mais nunca é o bastante.

Decidi parar. Como sempre decidia. Mas agora a tenho comigo. Ela só queria fugir da vida que tinha antes. Eu não estava tentando melhorar a vida de Jenny, eu estava tentando melhorar a minha. Quando se pode parar, você não quer. Quando quer, não pode. “Você não se envergonha, Jenny, de meu desespero desnudo?”
Febre. Febre, choro e dor. Éramos zumbis. Deitar irritava e ficar em pé doía. Mas a tinha comigo. “Dividíamos a saliva, o suor, o sangue”. Quase nunca fazíamos amor. A seringa era meu pau, a heroína seu orgasmo. Ela insistia “Só mais uma”. Eu já estive lá. E estou aqui, então... Não. Nos mantínhamos trancados e nada nos tiraria dali. Não havia telefone ou ninguém pra pedir socorro. Não havia ninguém por nós. Jenny se distraia tremendo no meio das cobertas, embaixo do chuveiro, chorando em desespero. Eu cortava a ansiedade espalhando cicatrizes, causando mais dor. E dividíamos o sangue. As lágrimas. Estávamos no inferno, no mundo real.

Só me sobrou esse diário (e as alucinações, os medos, as confusões...). A solidão me faz companhia. Acordei e ela simplesmente havia sumido. “Só mais uma. A última”. Tivemos várias últimas. Mas nesta, em especial, Jenny não estava comigo. Nessa última ela estava sozinha, e sozinha ela preferiu morrer. Essa “última” veio especial. Os remédios agora eram outros. AIDS. Eu nunca mais a vi.

Só me sobrou esse diário. Acordei e ela simplesmente havia sumido. O quarto era forrado e vazio. Minha letra tão bonita, agora tão medrosa. O lápis me cortava. O lápis podia me matar. Eu só podia escrever quando me vigiavam. Os remédios agora eram outros. E a solidão me fazia companhia. Cheguei a pensar que Jenny foi só um sonho, uma viagem quente e boa. O pouco que sobrou foi sua letra aflita num papel amassado: “I'd listen to the words he'd say. But in his voice i heard decay. The plastic face forced to portray. All the insides left cold and gray. There is a place that still remains. It eats the fear it eats the pain. The sweetest price he'll have to pay. The day the whole world went away”.
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Troquei a Alice pela Susi este fim-de-semana, um zine de muito conteúdo e de várias formas, isso é o mais legal. Fui convidado para postar lá e você pode ler esse mesmo texto aqui. Obrigado Susi pela oportunidade de fazer parte de sua história, mesmo que pelo tempo de um post.

23 de setembro de 2007

Consolo II

Que momento ruim que se passa e que não passa. De novo. E de novo. A enorme macha preta reaparece (ou nunca me deixou). Mas surge a oportunidade de uma fuga, um velho escapismo. Meu amigo, minha droga, para você estou sempre disposta e animada.

Porém, não estava preparada. Para nada, nem mesmo para o que tinha planejado, previsto e prevenido. O meu já dito “não” lamentado me impedia de seguir em frente, fosse com o que fosse. Minha culpa interna fez-se ainda mais sentida, mas um segundo alterou meu estado de insatisfação. Surgiu a certeza da necessidade de consolo, a pergunta das horas para mim, despreparada.

Dessa vez também não pensei duas vezes, minha angústia não deixou. Me inquietou ao longo da manhã, empurrando-me para fora, decidida e negligente. Necessidade valiosa e nem um pouco aparente. Percebo isso agora, quando elogiada pelo meu sorriso. Falseamento.

Infelizmente, nem tudo que eu precisava naqueles dias veio no abraço apertado e sincero que pedi. Minha garganta estava aberta e livre, mas ligada à minha cabeça e não ao coração. Ainda não pude destrancá-lo, tem medo de sair do escuro. Me desculpe.

Andamos decididos e apressados, como sempre. Nossas dores nos empurravam para frente, colidindo por vezes. Nalgum lugar nos encontraríamos, ainda naquele dia.

Vamos? Vamos! Fomos aonde nos achamos. É sempre melhor estar acompanhada. Nosso canto foi revelado. Lá jazia a árvore, a qual durante meses carregou a cicatriz de nosso carinho. Testemunha de nós. Hei de retornar (novamente), hei de apanhar o momento, para sempre momentaneamente.

E foi diferente, éramos dois confidentes no encontro póstumo, questionando nossas vidas, nossos fins, nossos encontros. Conseqüentes, aproveitávamos o manto de folhas, curiosos com o outro. Ora quietos, sem ter o que dizer (ou como dizer), ora assustados, fosse com suspiros ou sérias palavras.

Creio que fomos gentis, concorda? Rimos e nos fizemos presentes na eterna memória dos que descansam eternamente. Eu estava fascinada por ter voltado e ainda envolta no mesmo abraço. Mas estava perturbada com o lugar que nunca habitarei. Talvez eu não mais queira um ponto de lembranças, muito menos permanecer inerte. Quero cada vez mais voar no depois, no céu, ao vento. Ao menos uma vez, sem controle...

Te encontrei nas minhas palavras, finalmente, nas palavras sempre caladas. Você não me olhou, baixou a cabeça e se escondeu na sombra. Evitou meu olhar. Nem me deixou tocar seu braço, mas tudo bem. Por que soas tão satisfeita? Para mim é raridade. Vislumbrar alguém por estes olhos já tão confusos não é simples. Mas creio que o acaso sempre me dá forças para presenciar o que é único. Foi a primeira vez que realmente te vi.

Mas o tempo me incomoda, por mais que tente esquecê-lo. As horas cortam meu desejo de permanência e deixam cicatrizes. Muitas vezes, elas se dão para lembrar o que valorizo, mesmo não podendo me entregar. Entretanto, nada é tão efetivo quanto o abraço de quem nos sacia a saudade.

20 de setembro de 2007

Dark Side of the Moon


























Me disseram que o lado escuro da lua é colorido. E que lá é mais bonito. O coelho piscou pra mim. Atrasado como sempre. E ninguém me disse nada.



14 de setembro de 2007

Foi o melhor

parte V
Que inferno! Não inferno-inferno, foi maneira terrestre de dizer. Mas que lugar sem fim, sem ninguém. Tá, fui injusta e exagerada, claro. Tenho meus amigos que me acompanham e minha família querida. Só que quando a gente morre, os últimos sentimentos não mudam, infelizmente. Sabe aquela teórica perspectiva que ganhamos quando de longe vemos ou não mais dentro estamos? Então, não existe. Você é responsável por si mesmo e por seu conhecimento. Corra atrás, disse-me Deus. As coisas não ficam claras no depois. Ficam iguais. E eu nem sei se Deus existe mesmo...

Mas segui o seu conselho. Vivi com rancores e remorsos minha vida viva, agora quero ser leve com sempre desejei. Eu tinha que encontrá-lo, meu querido em terra, minha tristeza em morte. Não foi uma surpresa e muito menos uma alegria. Mas fingir sentir o abraço dele não é a mesma coisa. Então eu andava dispersa a sua procura.




Yuri: Lice?

Ahhh, seu famoso “Lice”. Sorrio por dentro

Alice: Eu tava te procurando.

Yuri: E eu te esperando. Mas como que você sabia que eu tava aqui, se fui eu que te matei?

Ele se levanta

Alice: Eu te matei também, esqueceu?

Ele ainda esquece tudo

Yuri: Ahhh [longa pausa]. É verdade.


Alice: Você não vem aqui me abraçar e pedir desculpas?

Ele me abraça. Que bom... há quanto tempo queria senti-lo de novo

Yuri: Minhas desculpas estão nos comprimidos que tomei... por sua causa.

Alice: Você acha que essas “desculpas” são suficientes por tudo que você fez comigo?

Aquilo saiu sem intenção. Acho que eu ainda estava chateada com ele. Ele se incomodou tanto com o que eu disse... colocou a mão na cabeça e deu uns giros. Ele pára e fica de frente pra mim, me olhando nos olhos

Yuri: É verdade. Desculpa, só queria que... na verdade, eu te matei de forma egoísta queria mostrar as chances que você tinha, mas quem acabou tirando elas de você fui eu. Minha vida acabou ali.

Como se saber que a vida dele ter acabado ali fosse me fazer sentir melhor. Não queria que tivesse acabado

Alice: Você tinha tantas outras maneiras de fazer isso... por que assim? O que eu fiz pra gente terminar assim, onde eu falhei com você?

Yuri: Você não fez nada Lice... você foi perfeita. Nem sei porquê fiz isso, você era uma das minhas melhores amigas, minha companheira. Na verdade, acho que fiquei maluco, mas quando morri tudo voltou a fazer sentido.

Ele abaixa a cabeça. Senti sua sinceridade. Melhor abraçar ele

Alice: Eu imaginei... mas precisava perguntar.

Yuri: Hm [Depois de um tempo] Senti sua falta.

Alice: Eu também. Que bom que você tá aqui.

Ele sorri

Yuri: E aí, o que cê tem feito?

Depois de tudo que passamos, é isso que ele quer saber?

Alice: Você não quer saber por que eu te matei?


Yuri: Não, acho que já tá bem claro.

Odeio quando ele fala com desdém... mas pelo menos me deu o alívio de saber que ter dado os comprimidos a ele foi o melhor, mesmo não sendo o melhor pra mim

Alice: É porque eu sou clara nas minhas ações e você não é. Daí eu fico com minhas dúvidas e sem nunca te entender.


Yuri: É, eu também não me entendo. Na verdade não entendia.

Alice: Então, se entende agora, me explica.

Nossa, eu falei isso com tanta raiva... não queria que tivesse saído assim

Yuri: Nossa Lice, quanto rancor. E com toda razão.

Que cínico

Alice: Mas o que você esperava de mim?

Yuri: Esperava que você nunca mais fosse olhar na minha cara. Eu tinha medo de te encontrar por aqui, mesmo te procurando sempre. Tinha medo que você me rejeitasse, por isso fiz o que fiz antes que isso acontecesse.

Alice: É, eu devia te odiar mesmo. Mas não consigo...

Ele me interrompe com um baixo “que bom”, mas ignoro, porque ele não tem esse direito

Alice continua: ... Apesar de tudo, eu te entendo. Sei porquê fez tudo, mas eu precisava ouvir de você. Você nunca me fala nada, queria que você admitisse e se colocasse no meu lugar.

Yuri: Eu nunca achei que merecesse atenção e amizade por causa disso.

Como assim?! Que egocêntrico

Alice: Mas as pessoas sempre gostaram de você, como você pode pensar isso?


Yuri: As pessoas gostam do mais fácil, do que diverte por alguns minutos. As pessoas não gostam de nada. Eu como pessoa também não gosto de nada e eu como eu não gosto de ninguém.

Infelizmente, eu sei. É triste achar que ele realmente nunca gostou de ninguém

Alice: Eu gosto de você.

Yuri: Nhaaa

Agora ele quer fazer graça

Alice: Mas eu não tenho porquê. Você se matar é por culpa e não por gostar.


Yuri: Também, mas eu gostava de você. Quer dizer, gosto.

Alice: Uhum.

Eu não acreditei

Yuri: E agora, o que vamos fazer?

Por que que ele não se importa se eu estou chateada com ele ou não? Por que ele me ignora e tenta ser normal, como se nada tivesse acontecido? Eu preciso falar isso

Alice: E você já muda de assunto e nem liga pro que eu tô sentindo... se to puta com você ou não.

Yuri: Lógico que ligo Lice...

Alice interrompe: Claro que não! Se você ligasse, você não ia... ahhhh (para e pensa) você não ia fugir e se esconder.

Eu tô tão cansada de não te entender, meu querido


Yuri: Lice, mesmo depois de morto, isso não vai mudar e nossa discussão não vai chegar a lugar nenhum. A gente chegou até aqui. Não tá bom?

Alice: Bom?! Isso é bom?!

Yuri: Não, não! Eu falei errado! Eu quis dizer que já não basta onde estamos? Brigar agora não vai adiantar.

Eu não quero brigar, não estou brigando. Estou falando tudo que deixei de falar por medo de perder ele. E, Alice, não me vá chorar

Alice: Tá vendo como você não liga se eu tô puta com você ou não? Se eu to chateada, magoada...

Ele é a última pessoa que eu queria estar magoada com. Mas ele não faz nada para que eu não mais esteja

Yuri: Eu sei Lice, e você tem razão. Mas eu passei essa eternidade arrependido. Já te pedi desculpas...

Alice: A questão não é essa. Você não faz nada...

Ele me interrompe. Ele nunca me interrompe

Yuri interrompe: Eu já pedi desculpas e fui sincero. Me arrependi de verdade.

Como ele pode achar que eu duvido disso?


Alice: Eu sei que você foi sincero, eu não duvido. Eu só queria não estar mais triste. Queria que você conversasse comigo...

Eu sempre só quis que ele conversasse comigo. Ele abaixa a cabeça, olha pro chão e fica quieto. Eu lhe falo em pensamento mais todas as coisas que ainda não tinha coragem pra falar, afinal ele ainda me intimida. Acho que a gente nunca vai mudar






(SILÊNCIO)



Yuri: Tudo bem. Não tem mais motivos pra não contar as coisas. Já estamos mortos mesmo!

Hãn?!


Alice: Então me conta o que sempre quis contar mas nunca disse.

Yuri: Ew, vai com calma, eu não sei como fazer isso ainda...

Desculpa



Silêncio.


Yuri: E aí, o que a gente vai fazer agora?

Alice: Eu trouxe um dado.

Eu sorrio. E ele me sorri de volta.



[Foi o melhor. Eu repetia, foi o melhor.
O melhor, sim, foi. Repetindo... foi o melhor.
Eu dizia de novo, o melhor. Foi o melhor.
De novo. Melhor assim, repito. Repito.
Melhor. Assim foi, melhor. Foi...
... agora eu sei]

13 de setembro de 2007

And All That Could Have Been




Quando a gente morre, não tem mais novidade. Este charme é para a vida. Pra mim, o novo já se criava velho. Visitava meus amigos, minha família, de vez em quando. Nunca te encontrei. É legal observar o que fazemos quando pensamos que não tem ninguém nos vendo. Como as pessoas são diferentes, agradáveis até. Gostava muito de ouvir as conversas que nunca tivemos. Os choros no banheiro, no carro, em momentos inusitados. As vezes eles me sentiam como nunca haviam feito em vida. Mas aqui o abraço não tem calor. Aqui o tempo não passa, não anoitece e não é dia. Não tem pôr-do-sol pra admirar.

Minhas mãos sujas de cemitério, de areia, de visitas... de Hades¹. Quando cheguei, pensei estar no mezzanino do inferno. Mas não. É um deserto. É tudo um deserto de almas perdidas cheias de tristeza.

Conheci o Sonhar, conversei muito com a Morte (ela é muito simpática), vi as Erínias² castigarem os mortais e decidi ficar longe delas. O Hades é muito grande e assustador, espero não encontrá-lo. Espero que não saiba dos meus pecados.

Depois de andar por (quase) todos os cantos de Hades, estava entediado. Depois de colecionar pegadas, visitar os sonhos dos que respiram, me espalhar por aí, estava entediado. Já havia me adaptado, e preferia esse não respirar, não ter nada batendo dentro de mim. Até gostava daqui. Mas estava morrendo de tédio (que expressão inválida). Sempre quando a Morte tinha tempo pra mim, nós fazíamos algo juntos. Mas era só. Era minha única distração. E não, ela não gosta de jogar xadrez.

Sentado embaixo dum Ipê gigante olhando para o nada, vejo um All-Star cor-de-rosa andando sem direção. Alice.

Yuri: Lice?

Alice: Eu tava te procurando.

Y: E eu te esperando. Mas como que você sabia que eu tava aqui, se fui eu que te matei?

Me levanto sem entender direito, mas feliz de vê-la ali. Ela não engordou nada e mal envelheceu, como pode?

A: Eu te matei também, esqueceu?

Y: Ahhh [longa pausa]. É verdade.

A: Você não vem aqui me abraçar e pedir desculpas?


A abraço como se ela viesse me resgatar de um sequestro


Y: Minhas desculpas estão nos comprimidos que tomei... por sua causa.

A: Você acha que essas “desculpas” são suficientes por tudo que você fez comigo?


Ponho a mão na cabeça e giro incomodado. Ela tem razão. Fico de frente pra ela e olho em seus olhos


Y: É verdade. Desculpa, só queria que... na verdade, eu te matei de forma egoísta queria mostrar as chances que você tinha, mas quem acabou tirando elas de você fui eu. Minha vida acabou ali.

A: Você tinha tantas outras maneiras de fazer isso... por que assim? O que eu fiz pra gente terminar assim, onde eu falhei com você?

Y: Você não fez nada Lice... você foi perfeita. Nem sei porquê fiz isso, você era uma das minhas melhores amigas, minha companheira. Na verdade, acho que fiquei maluco [maluco mesmo!], mas quando morri tudo voltou a fazer sentido.


Abaixo a cabeça e olho vagamente pra disfarçar minha vergonha, meu arrependimento. Ela fica quieta por um tempo e me abraça. Ufa! Ainda bem que ela me abraçou


A: Eu imaginei... mas precisava perguntar.

Y: Hm
[Depois de um tempo] Senti sua falta.

A: eu também. Que bom que você tá aqui.


Não seguro meus ombros nem um sorriso


Y: E aí, o que cê tem feito?

A: Você não quer saber por que eu te matei?

Y: Não, acho que já tá bem claro.

A: É porque eu sou clara nas minhas ações e você não é. Daí eu fico com minhas dúvidas e sem nunca te entender.

Y: É, eu também não me entendo. Na verdade não entendia.

A: Então, se entende agora, me explica.

Y: (Fudeu) Nossa Lice, quanto rancor. E com toda razão. (respondo cinicamente.)

A: Mas o que você esperava de mim?

Y: Esperava que você nunca mais fosse olhar na minha cara. Eu tinha medo de te encontrar por aqui, mesmo te procurando sempre. Tinha medo que você me rejeitasse, por isso fiz o que fiz antes que isso acontecesse.

A: É, eu devia te odiar mesmo. Mas não consigo...


Interrompo-a com um "que bom" que pareceu em vão.


Alice continua: ... Apesar de tudo, eu te entendo. Sei por que fez tudo, mas eu precisava ouvir de você. Você nunca me fala nada, queria que você admitisse e se colocasse no meu lugar.

Y: Eu nunca achei que merecesse atenção e amizade por causa disso.

A: Mas as pessoas sempre gostaram de você, como você pode pensar isso?

Y: As pessoas gostam do mais fácil, do que diverte por alguns minutos. As pessoas não gostam de nada. Eu como pessoa também não gosto de nada e eu como eu não gosto de ninguém.

A: Eu gosto de você.

Y: Nhaaa

A: Mas eu não tenho porquê. Você se matar é por culpa e não por gostar.

Y: Também, mas eu gostava de você. Quer dizer, gosto.

A: Uhum.

(Ela não acreditou)

Y: E agora, o que vamos fazer?

A: E você já muda de assunto e nem liga pro que eu tô sentindo... se to puta com você ou não.

Y: Lógico que ligo Lice...

Alice interrompe: Claro que não! Se você ligasse, você não ia... ahhhh (para e pensa) você não ia fugir e se esconder.

(Ela soltou um "ahhhh" tão cansada, tão triste... hm)

Y: Lice, mesmo depois de morto, isso não vai mudar e nossa discussão não vai chegar a lugar nenhum. A gente chegou até aqui. Não tá bom?

A: Bom?! Isso é bom?! Bom pra você...

Y: Não, não! Eu falei errado! Eu quis dizer que já não basta onde estamos? Brigar agora não vai adiantar.

A: Tá vendo como você não liga se eu to puta com você ou não? Se eu to chateada, magoada...

Y: Eu sei Lice, e você tem razão. Mas eu passei essa eternidade arrependido. Já te pedi desculpas...

A: a questão não é essa. Você não faz nada...

Yuri interrompe: eu já pedi desculpas e fui sincero. Me arrependi de verdade.

A: eu sei que você foi sincero, eu não duvido. Eu só queria não estar mais triste. Queria que você conversasse comigo.



(SILÊNCIO)



Y: Tudo bem. Não tem mais motivos pra não contar as coisas. Já estamos mortos mesmo!


A: Então me conta o que sempre quis contar mas nunca disse.

Y: Ew, vai com calma, eu não sei como fazer isso ainda...

Silêncio.

Y: E aí, o que a gente vai fazer agora?

A: eu trouxe um dado.


Alice sorri. Yuri responde o sorriso.



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¹. Na mitologia grega, Hades é o deus do mundo inferior, soberano dos mortos. O nome Hades era usado para designar tanto o deus como os seus domínios.

². As Erínias eram personificações da vingança. Viviam nas profundezas do Hades, onde torturavam as almas pecadoras julgadas por Hades e Perséfone.

9 de setembro de 2007

Eu só queria seu abraço

parte IV


Dez anos depois e eu ainda estava lá, chorando por ele. As calçadas não eram mais as mesmas, os prédios, as casas, os buracos. Tudo havia mudado e ele perdeu. Sei que ele queria estar aqui, mas eu estou aqui por você.

Sua bela escadaria foi destruída. Onde nos sentaremos querido? Podemos conversar andando. Mas cadê você pra segurar minha mão e atravessar fora da faixa? Quantos sustos eu levava, você lembra? Eu lembro.

E você poderia estar aqui comigo... como fui idiota! Jovem e idiota, estúpida. Ou talvez não, nunca vou saber. Que ódio de você e dos seus problemas, que se tornaram meus problemas e fardos, exatamente como você quis. Não tinha algo melhor pra me deixar, hein? As lembranças, Lice... ah, como se fossem suficientes para me fazer sentir menos culpada. Como se reler cada carta sua fosse suficiente pra me sentir menos solitária. Fingir que sinto seu abraço não é a mesma coisa.

Quanta coisa eu tive que agüentar depois. Eternas perguntas, explicações, acusações. Não consegui deixar você antes de te encontrarem, fiquei lá para ver seu peito levantar pela última vez. Burra, né? Devia ter te deixado, isso sim... até parece que eu seria capaz disso. Então, suspeita fui; sou, aliás. Sempre me ligam, sabia? Só pra me culpar e me obrigar a ouvir mais um “eu sei que foi você”.

Eu não devia ter te ouvido. Devia ter ficado com meu medo, minha incapacidade, minha falta de coragem. Pelo menos uma vez teriam me servido pra algo. Eu tinha tantos outros modos de te ajudar, por que fui ouvir você?!

Mas tudo bem. Conquistei muito graças ao acontecido, você me deu forças, como sempre. Pra mudar, ser mais feliz. Mas que merda ter sido assim! Você foi tão idiota, você se deixou ficar daquele jeito... você foi um folgado e se aproveitou do meu amor, isso sim. Que ódio de você!! Você devia ter estado presente, comigo, agora!, pra ver que eu dei certo.

Ai que droga, Yuri! Que raiva disso tudo...



[De volta à minha fúria adolescente,
vagando sozinha pela cidade,
eu berrava comigo mesma,
chorando compulsivamente.]



[Foi o melhor. Eu repetia, foi o melhor.
O melhor, sim, foi. Repetindo... foi o melhor.
Eu dizia de novo, o melhor. Foi o melhor.
De novo. Melhor assim, repito. Repito.
Melhor. Assim foi, melhor. Foi...]

8 de setembro de 2007

The Line Begins to Blur

Releio textos antigos. Releio o escritor que poderia ser. A cerveja gelada não mata mais minha sede. Droga nenhuma me leva a lugar algum que já não conheça. Já tentei de tudo. Só queria poder voltar. Nada satisfaz. Só queria poder sair daqui.


"Me drogo tanto pra formigar esse meu sorriso desesperador,
dilatar a tristeza dos meus olhos e fazer voar mais longe a melancolia
que é minha alma e meu coração...
acelerar, parar. Eu queria atenção, eu queria ir embora.
Afogar no meu próprio vômito,
ser atropelado, overdoses,
não importa, nada importa...
Eu queria mesmo era ir embora."¹



Não aguento mais essa insônia. Esses dias de culpa crescente não se desfazem. Aonde fomos parar? Você... Eu... Por que eu fiz tudo isso? Com você, comigo... Por que?

"Agora os dias passam lentamente.
Tantas coisas pra falar, mas no silêncio me calo.
Tenho um grito de socorro entalado na garganta.
E meu corpo, é cheio de feridas,
mas só eu posso vê-las.
Todos estão rindo e eu ficando louco."²



Minha mãe entra no quarto, fica me encarando com olhos vermelhos, e faz perguntas idiotas só pra eu responder qualquer coisa. Minha irmã tenta chamar minha atenção, mas logo desiste, como sempre faz. Para meu pai, nada mudou, sua rotina é a mesma. Nada mudou.
Eu não respondo ninguém. Nem atendo telefonemas. Não falo mais. Eu não olho mais nos olhos de outrem porque não os encontro mais. Eu fico aqui. O dia inteiro suando, tremendo, respirando, esperando... Como um animal abatido. É o que sou. É o que me sobrou pra ser.


Sempre te vejo passando no ônibus, subindo a escada rolante enquanto eu desço; e você nunca me olha. Você passeia os olhos em desvaneio e só me encontra como outra melancolia qualquer, recheada de carne e veneno. Se estou sozinho, sempre tem alguém comigo. E me tranco. Não saio mais, não quero mais. Só dói quando eu respiro.


Nós só morremos se desejarmos a morte. Oh, você veio. Atrasada, mas finalmente está aqui. Quer beber alguma coisa? Eu quero. Destaco daquela cartela os comprimidos que Alice deixou aqui - "Em caso de emergência". Então eu bebo. E bebo. E um choro aliviado e tímido brota como uma muda de vida. Nos abraçamos, nos damos as mãos e vamos embora. Ahhh minha melhor amiga.


"The more I stay in here
The more it's not so clear
The more I stay in here
The more I disappear"³


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¹. Trecho de Ir Embora, texto original de Yuri Kiddo.
². O genial Lourenço Mutarelli em Transubstanciação.
³. Trent Reznor (Nine Inch Nails) assina The Line Begins to Blur.