Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

25 de setembro de 2007

The Day the World Went Away

Tudo derrete. A sala afunda comigo na cova que se forma a minha volta. Você já teve um orgasmo? Imagine mil deles... Sólidos e adocicados. Não sei se me deito ou se caio. Sei que tudo afunda comigo, e entro em coma sorrindo.

“Afundaremos juntos de mãos dadas
buraco negro no chão
beije-me e goze em minhas veias atadas
veneno contido no coraçã
ocuspa suas dores e traumas
eu me entrego a ti
sugadora de almas”

Jenny Junkie poderia ter sido uma garota qualquer. Poderia ter sido Jennifer, uma garota classe média, como outra qualquer. Eu sempre fui um caso perdido. Ela me deu a mão para me tirar do buraco, mas eu não pedi pra sair. Agora sou eu quem a seguro pra não deixá-la cair. Cair para não mais levantar.
Jenny não tinha muitos amigos, mas tinha uma carreira maravilhosa. E foi aí que nos conhecemos. Ela dividiu a carreira comigo e cheiramos juntos. Foi aí que nos entregamos. Ela começou com maconha, como todos começam, e agora eu mesmo preparava sua seringa. A qual dividíamos como dividíamos a saliva, o suor, o sangue. Ela só queria ficar ao meu lado. “Eu quero tentar do seu jeito dessa vez”. E nos amávamos e desejávamos pra sempre. O dia e a noite não existiam. Dormíamos na hora do sono, comíamos na hora da fome. Mas quase não tínhamos fome, quase não dormíamos. Nossa dieta era a base de LSD, maconha, heroína, valium, vicodin, o que fosse, o que nos tirasse daqui, o que nos fizesse voar. E lá do alto via minha salvação. Minha paixão. Jenny.

“jennifer is something
you handle with care
its fragile, its cristal, its glass
jennifer lips always soft as the air
kissing her hear of cries

im lost in a maze
counting the way that she smiles
time is slipping away
lost in the arms of her love
so generally white”

Quantas doses de sal ela me deu na veia pra me salvar da overdose de mim mesmo? Da overdose da vida que eu não suportava mais. Mas ela vinha e me salvava. Ahhh, minha doce Jenny. Tudo aconteceu muito rápido e gostamos disso. Nós queríamos dividir tudo. Invadimos a vida um do outro e nos prometíamos pra sempre. Eu fazia tudo por ela, e era destemido. Jenny vivia de barras de chocolate e luz do sol. Eu fazia pequenos roubos e furtos. Às vezes pedíamos dinheiro aos pais dela. Milhares de pássaros, pequeninos, enfeitavam seus cabelos disformes e belos ao mesmo tempo. Tudo era ouro. Estávamos no paraíso. Um dia Jennifer desapareceu.

Decidi parar. Como sempre decidia. Somos a escória da sociedade. Somos o medo de todos os pais. Estamos acabados. Ouço vozes e vejo monstros renegados do inferno. Elas falam comigo, eles me atacam. Jenny atende o telefone... Mas o telefone nem sequer tocou. E xinga por desligarem na cara dela. Ahhh, minha doce Jenny. Não nos suportávamos mais. Só não digo que estamos só o pó porque senão já teríamos nos cheirado. Mais nunca é o bastante.

Decidi parar. Como sempre decidia. Mas agora a tenho comigo. Ela só queria fugir da vida que tinha antes. Eu não estava tentando melhorar a vida de Jenny, eu estava tentando melhorar a minha. Quando se pode parar, você não quer. Quando quer, não pode. “Você não se envergonha, Jenny, de meu desespero desnudo?”
Febre. Febre, choro e dor. Éramos zumbis. Deitar irritava e ficar em pé doía. Mas a tinha comigo. “Dividíamos a saliva, o suor, o sangue”. Quase nunca fazíamos amor. A seringa era meu pau, a heroína seu orgasmo. Ela insistia “Só mais uma”. Eu já estive lá. E estou aqui, então... Não. Nos mantínhamos trancados e nada nos tiraria dali. Não havia telefone ou ninguém pra pedir socorro. Não havia ninguém por nós. Jenny se distraia tremendo no meio das cobertas, embaixo do chuveiro, chorando em desespero. Eu cortava a ansiedade espalhando cicatrizes, causando mais dor. E dividíamos o sangue. As lágrimas. Estávamos no inferno, no mundo real.

Só me sobrou esse diário (e as alucinações, os medos, as confusões...). A solidão me faz companhia. Acordei e ela simplesmente havia sumido. “Só mais uma. A última”. Tivemos várias últimas. Mas nesta, em especial, Jenny não estava comigo. Nessa última ela estava sozinha, e sozinha ela preferiu morrer. Essa “última” veio especial. Os remédios agora eram outros. AIDS. Eu nunca mais a vi.

Só me sobrou esse diário. Acordei e ela simplesmente havia sumido. O quarto era forrado e vazio. Minha letra tão bonita, agora tão medrosa. O lápis me cortava. O lápis podia me matar. Eu só podia escrever quando me vigiavam. Os remédios agora eram outros. E a solidão me fazia companhia. Cheguei a pensar que Jenny foi só um sonho, uma viagem quente e boa. O pouco que sobrou foi sua letra aflita num papel amassado: “I'd listen to the words he'd say. But in his voice i heard decay. The plastic face forced to portray. All the insides left cold and gray. There is a place that still remains. It eats the fear it eats the pain. The sweetest price he'll have to pay. The day the whole world went away”.
____________________________________________________
Troquei a Alice pela Susi este fim-de-semana, um zine de muito conteúdo e de várias formas, isso é o mais legal. Fui convidado para postar lá e você pode ler esse mesmo texto aqui. Obrigado Susi pela oportunidade de fazer parte de sua história, mesmo que pelo tempo de um post.

Um comentário:

Milla disse...

=]
Orgulho em ter vc conosco Yu.
(falando com a voz dos anunciantes das Casas Bahia...ahahahah)