Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

31 de agosto de 2010

Imagino

Imagino que se fosse honesto comigo, eu não ficaria tentada a olhar suas coisas na sua ausência. Fazia-o antes por curiosidade, para conhecer o que ainda não havia dividido comigo, descobrir seus hábitos secretos e suas organizações. E, claro, porque era proibido.

Imagino tantas coisas sobre você. E tudo que te envolve quero que me envolva também. E tudo que me envolve, quero que saiba. E tudo que tenho, quero que seja em parte seu também, pois o que é solitariamente secreto perde o gosto. Mesmo que não ativamente presente, seria um pouco nosso, se ao menos soubesse.

Imaginei na festa tomar posse da guitarra abandonada na pausa, atrever-me a ser ridícula e cantar para você a música que havia escrito. Mas não sou sem-vergonha, sou imaginativa apenas. E, no mais, meu medo agora de fazer tudo errado é demasiado grande para tentativas como tal. A frustração virou degustação.

Imagino ser surpreendida, ser preenchida ao menos uma vez nas expectativas que crio na minha cabeça.

Imagino nossas discussões terminando. Chegando a um entendimento que perdurasse além do momento, chegasse a um ponto final. Sem mais continuações, exclamações ou interrogações.

Imagino suas cartas, suas promessas realizadas. Imagino os tesouros ali contidos para por tanto tempo privar-me delas, suas palavras. Imagino todas as coisas que não me diz, as coisas boas, os charmes há tanto deixados de lado.

Imagino o que elas ganham de você. Por que elas têm os seus sorrisos e eu os silêncios pesados? As mensagens sem retorno?

Imagino o que fiz para tudo estar assim e o que deixei de fazer. Imagino o que mais tentar e chego sempre ao vazio. Esperar é doloroso, perdoar também. Mas ter que escolher entre estes é ainda mais sofrido.

Imagino o que pensa agora. Não, esta não é mais uma. Faço isso para me desarmar das dores. E tentar sofrer menos sozinha. Imaginei que minhas palavras, ditas ou escritas, fossem te tocar. Imaginei que meu chorar não fosse mais te irritar, mas apenas mostrar o quanto tudo pesa para mim também e de como você é importante o suficiente para eu aturar essa Alice que eu tanto desgosto para que você faça a Alice, que aqui se esconde por medo, reaparecer.

Ouvi Tom Waits e imaginei que tivesse sido você quem escreveu tais versos para mim.

E, entre tantos imaginar, percebo que vivo um relacionamento platônico nos momentos em que me convém.
(22.03.09)

20 de agosto de 2010

Remember Who You Are

Ah, o conforto do ódio, que há tanto havia esquecido, mas nunca substituído. Soa como eco dentro de mim e vaga pelo vazio até sombras contemplarem as informações e se consumirem dela. Até sumir tudo novamente. Amor sem afeto é como raiva sem dor. No final, sobra sempre a mesma coisa.

Eu construí a minha fortaleza, e ela me protegerá e me tornará forte. “Sê forte, irmão guerreiro, liberte em ti silenciosamente a fúria que consomes”, certa vez ouvi de um cavaleiro num passado distante. Eu havia me esquecido e me tornei fraco, vulnerável, escravo.

Servir à raiva é um propósito, mas então, qual é o próximo? Eu encontrei uma solução diferente para curar a dor que a vida traz. Raiva vem da dor. Raiva não cura a dor. A única coisa que a raiva faz é empurrar a dor para bem dentro de você, então com isso você constrói uma parede ao seu redor que manterá todo o amor afastado.

Se eu fecho os olhos,
é pra te proteger de mim mesmo.
Dentro de mim, te guardo e te assusto.
Te dou o sonhar e te destruo.
Morro pra te deixar viver.

Eu vejo a traição disfarçada. Consegue ver o ódio em meus olhos? Eu simplismente não aguento mais conviver com mentiras, hipocrisias, vidas e vidas. Eu não posso, não consigo confiar em mais nada. No final, o que sobra?

Pra onde vai tudo o que se sente?

16 de agosto de 2010

A Batalha Jedi de Equus caballus em Love Dream num Caleidoscópio Fluorescente em Câmera Lenta

A música cobria todo o som ao redor. Love Dream tocava enquanto meu reflexo e eu brincávamos de Jedi com lâmpadas fluorescentes compridas, dessas de escritório. Em câmera lenta, estourávamos um no outro e respirávamos aquele pó de vidro que subia no jardim. As faíscas pareciam mini fogos de artifícios que confundiam os insetos com um ano novo fora de época. A luz cegava lentamente e dominava o ambiente, deixando tudo pálido e com aspecto frio.

Ao piscar, meus pesadelos assombravam por um período longo de tempo. Eu abria os olhos e a luz me obrigava a fechá-los. Quando se aperta os olhos com as mãos, as cores alaranjadas e roxas tomam a vista do cérebro, fazendo tudo ficar divertido como um caleidoscópio natural. Enfrentava as luzes coloridas porque era gostoso e curioso descobrir outros olhos em mim. Minha cegueira temporária era o motivo das minhas risadas.

Cavalos brancos relinchavam e corriam entre nós, pisando e deixando explodir mais vidros e luzes pelos ares. Eles passaram por mim e pude sentir seu cheiro enquanto era ignorado pelos equinos. O vento me dava a sensação de liberdade e pude flutuar baixinho por um instante. Tudo bem devagar, como se estivesse tudo acontecendo embaixo d'água.

Quando eles se foram, Allan apareceu com corpo de Homo sapiens e cabeça de Equus caballus segurando um porta-joia chinês com a única gravação original e inexistente da canção tema deste texto. Entramos todos na caixinha mágica e dançamos a triste valsa, eu, Allan e meu reflexo que reviveu no espelho de ilusões históricas e segredos guardados ali.

12 de agosto de 2010

Insolúvel

Hoje eu decidi não sair de preto. Tampouco quis ficar perto do que me deixasse pra baixo. Chega desse luto que já dura mais da metade da minha vida. Hoje eu dei um basta na tristeza para dar mais espaço à saudade pura misturada ao café de toda manhã. Mas fiquei mais um pouco na cama, não consegui sair.

Disfarcei meu choro tímido de poucas lágrimas nas cores dos panos que cobriam minhas vergonhas e me protegia do frio logo da manhãzinha. Faz sol aqui, está um dia bonito até. Queria te visitar, mas não vai ser possível, agora sou adulto e tenho responsabilidades que me impedem. Mas só hoje, logo menos te levarei flores e um sorrisinho salgado.

Foi só quando peguei meu primeiro copo de café pela manhã que percebi que agora somos desconhecidos. Eu mudei e mudei e estou mudando, sim, porque estou vivo neste plano. E você, eu me dei conta que, na verdade, não te conheço. Te conheço assim como você me conhecia, com olhos de criança. E como seria eternamente grato se pudesse conversar com você um pouco agora, saber quem somos como indivíduos. Se não me acompanha e não sabe de mim, tenho tanta coisa pra contar, tantas alegrias e tristezas de uma vida inteira – porque, sabe, eu não gosto da vida, não mesmo, mas a aproveito muito bem, vivo.

Gostaria tanto de saber como você está.
Falta filtro no meu pó.
Falta água no café,
vida breve
num gole.
glup!

Antes, como você sabe, eu ficava na mesa imitando meu avô mergulhando coisas no café-com-leite enquanto você corria com todo o trabalho para servi-lo enquanto ele ficava sentado - rotina praticamente religiosa. Hoje, gosto de tomar café sozinho, sempre preto, puro.

Às vezes me lembro de tudo e parece que não dissolve.

6 de agosto de 2010

High and Dry

Mareado pelo cheiro forte da falsa natureza do incensário, foi até a janela e acendeu um cigarro. Lá de cima via até onde a névoa do frio permitia ver. Deixou congelar os dedos enquanto observava a vida ao seu redor. Sombras na rua fugiam da garoa enquanto ele a encarava.

Sentia o conhaque descendo por sua garganta, o álcool em seu bafo evaporava com a fumaça da baixa temperatura misturada a do cigarro. Entristeceu por não poder mais ver o cemitério em frente à sua casa, que trazia tantas lembranças de infância e agora tampado por construções dos vivos e adultos.

A música alta, orgânica e clássica vinda do quarto dava o tom passivo da depressão. Há tempos não se sentia assim, tão como no passado. Por isso também, não gostava do frio, porque a temperatura externa refletia o seu interior, fazendo seu coração expandir até por onde não conseguia enxergar.

Suspirou olhando o céu claro em tons pastel e ficou imaginado ser sangue flutuando quando na verdade era uma rabiola vermelha presa nos fios. Pisou no chão gelado para se sentir vivo, e se sentiu. Sabia de sua vivacidade e a considerava, às vezes, uma maldição. Suas cicatrizes e machucados doíam no frio, mas ele não saiu de lá.

A tristeza invadia seu peito a cada respirar, sem resquício algum de felicidade. Contou as gotas que caiam da calha a cada três minutos. Nunca foi muito sistemático, mas gostava quando era mais Alice. Não a do País das Maravilhas, mas a do Wonderlando mesmo. Às vezes matava a saudade tentando ser um pouco mais ela ou imitando suas manias só para se sentir mais próximo e aquecido. Sempre funcionou.

Enjoado, queimou o resto do cigarro em seus dedos e deixou voar. Depois procurou a bituca desesperadamente e nem sabia o motivo. Olhou tudo a seu redor e desconheceu. Derramou álcool por todo lugar, sem querer. E, brincando com o isqueiro, ficou tentado a atear fogo em tudo ali, para esquentar mais as coisas, talvez, mas a sanidade ainda predominava. Se sentiu covarde.

Tudo estava tão molhado, mas nenhuma gota pingou de seus olhos secos.




“To all the boys and the girls outside
You know I didn’t cry
But you saw me anyway”

3 de agosto de 2010

Sepulcro Vazio


- Deixa durar então, até você ter um câncer.

Esse foi o meu boa noite dos últimos dias. O meu bom dia me acordava com a mesma mensagem, aquela mesma de todas as manhãs. Para não me fazer esquecer de algo que se espalhava dentro da minha pele, pelos meus ossos, atingindo a corrente sanguínea. A mancha negra no raio-x de meus sonhos incontroláveis ganhava forma e força a cada sinal de desesperança.


Eu lidero o festival, fazendo decisões e organizando tudo. É o que eu preciso fazer antes que tome o controle e foda minha vida de vez. Eu quero passar no teste e cumprir com louvor a minha vida atormentada. Só não entendo por que tenho que escolher um lado.

Morte é a minha dor que não me deixa deitar. É a maldição das fissuras em minha pele putrefata que alimenta a fogueira fétida de outros como eu. Outros doentes como sou.

Eu estou tão cansado, minhas pernas não aguentam mais a fraqueza de meu coração. Eu perco todas as batalhas, porque sou fraco. E cada vez mais.


Nunca durmo em minha cama.