Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

26 de fevereiro de 2010

Resto

Leio minhas letras ao meu redor. Quantas palavras desperdiçadas no meio de tanta bagunça. Bilhetes meus para mim mesmo, notícias velhas e desinteressantes, copos plásticos, sacolas, roupas, papéis amassados, restos. Só me resta ser esse resto que se mistura ao meu próprio lixo.

Quantas milhares de vidas eu consigo enxergar do 16º andar, ao mesmo tempo em que tudo parece estar tão morto e a cidade tão vazia. A neblina de hoje não me permite ver além do que é permitido. Abaixo a cabeça. Meus pés estão gelados.

Brinco sem vontade de decifrar quem somos nós à minha volta. Ouço-a chorando em meus ouvidos enquanto repito aquelas palavras decoradas no mesmo alemão vadio que aprendi só para escrever um texto de outro dia. Não chego a lugar nenhum com nada disso.

Coisas não faladas resultam em situações precipitadas, ações enganadas. Ouço minha ansiedade passiva, sinto meus olhos querendo mergulhar em lágrimas. O relógio passa devagar, indicando que cada minuto a mais é um minuto a menos. Gostaria de adiantar as horas. Deixar de ser o resto...

24 de fevereiro de 2010

Helgoland

Leio dicionários, ouço e assisto filmes com legendas em alemão procurando palavras para te impressionar. Ouço a sonoridade do sotaque e perco horas dizendo coisas que nem sei o que significam. Nur dich zu beeindrucken. Capturo memórias no mais profundo vazio de nossas mentes. Rezo pela chuva às margens do fluss Elbe, umedecendo o rosto e sujando os pés em Cuxhaven, querendo chegar ao outro lado.

Eu não sei por que vim parar aqui, se suas pegadas foram apagadas pelas areias. As gotas chovem rápidas e ferozes contra as rochas, corações e asas começam a bater. A floresta invisível que todos parecem acreditar faz minha visão retroceder. Nada disso te trará de volta. Ich bin gefallen. Depois do nosso beijo no topo de Babel, enquanto você descia as escadas em direção à escuridão.

Está tão frio aqui e me sinto tão desprotegido. Você separou o átomo e acreditou em seus olhos quando eles a enganaram. Prometeu que nunca me deixaria pra baixo. Ich bin gefallen. É difícil crer que seu amor existe quando não sei onde está. Garota eu te amo, mas seu amor foi embora pra sempre. Für immer.

Eu marcho em direção à vida, na sua busca, às margens do Elbe, tentando atravessar. Eu destruí a jaula no meu peito, mas meu coração não voou, enquanto me perdia na floresta invisível noite passada. Eu sei o que fazer, ainda tenho células para queimar. O tempo congela nesse solo secreto eu estou vestido para matar nesse espiral mortal de meus pensamentos.

Você mostra sem mostrar e nos dissolve como a neve. O Sol deveria estar comigo, mas minha psique me engana e me deixa perdido sozinho nessa água azul-petróleo que eu não consigo atravessar.

Eu não sou bom no meio da multidão, eu tenho habilidades que não posso contar e vejo coisas que vão me perseguir até o túmulo. Você se queixa pra Lua quando tropeça nas dunas em Helgoland, posso te ouvir. Te ver, no corpo da lâmina. Eu preciso te encontrar, fechar a porta para te enxergar de novo.

Achei que tinha te visto, mas era só o seu sorriso em chamas. Você me amou como uma libélula, como um diabo sem pecado, e voou. Liebe, me pintou e riu de mim, foi o circo paraíso. Você me enche de endorfina, eu precisei desse minuto de correria para chegar até aqui. Precisei de drogas para roubar minhas lágrimas e afundar meus medos enquanto atravessava esse rio. Me perdi na mágica enquanto via em câmera lenta sábado vindo devagar. Enquanto gritava se você me amava, mas não tinha nada lá.

Peixes são como punhais afiados que fazem cortes por dentro do meu corpo. Essa jornada até você tirou todo o homem que havia em mim. Meu coração era grande. Meu sangue vai deslizar em pregos de metal que caem do céu. O ataque massivo até você.

Meus pés estão na argila, minha cabeça está nos ares. Ich habe den Luft noch nicht beherrscht, hast du vergessen? Foi por isso que te perdi pro vento, que me confundiu com nuvens e ilusões infantis. Não tenho o mapa do ar. Eu sou essa guerra que dura trezentos anos dentro de mim. Não há curativos para minha dor.

Porque minha dor é você e jamais te encontrarei em Helgoland, eu sei, meu schatz.


(Eu só quero morrer tentando.)


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N.A.: Inspirado no novo álbum do Massive Attack.

19 de fevereiro de 2010

Não Tem Como Saber

Não tem como saber. Eu não sei quem é você. Só me diz palavras belas, me presenteia olhares e beijos, me dá a carne e seus prazeres. Goza no meu pau de olhos fechados, sou eu aí nos seus pensamentos? Não consigo escrever sobre você, para você, nada além de lamentos.

Me diz então quem é você. Mas de que vale dizer, se suas palavras nada valem? Olho sua letra nervosa em lamentações, tremendo para ser bela, carregada de doces friezas. Corre de mim e me abraça quando te abraço. Se afasta. Eu insisto e persisto, mais que isso: Oi, eu existo.

O que os outros sabem sobre nós? Sabem o que sabemos? O que eu achar saber até tão pouco tempo atrás. O que você, errada, provou que a gente é tanto faz. Eu dizia tão bobo e encantado. Eu é que estava errado.

Me ama quando te amo. Me chama de amor quando te chamo. E se não te chamo...


Me pergunto se é irreversível.
Não tem como saber.

15 de fevereiro de 2010

4.

Para o futuro, promessas de mais. Quanta coisa boa por aqui. Vejo livros, vários deles, cheios de ideias expostas e furtivas por trás de um milhão de caracteres.

Eu sempre me impressiono por mais um ano.
Eu sempre me emociono com cada texto. Toda vez que eu leio.

Porque é tudo verdadeiro.

Obrigado Lice, pessoas que me inspiram (escritores, pensadores, amigos filósofos e não-filósofos, musas) e a todos que leem e principalmente, que comentam - só sinto vontade de explorar e escrever mais.

4.

***


Desde o começo, sinto uma empolgação estranha por aqui. Cada texto meu é feito com desejo e carinho. Eu cresci aqui. De verdade. Minhas melhores partes estão aqui, meu melhor olhar, minhas melhores ideias, meu melhor amigo.


Eu amo esse lugar e tudo que há nele. Nossa amizade de iguais 4 anos já me é tão longa que nem ao menos me lembro ao certo como deixei de te odiar e decidimos criar esse local. Mas lembro que nosso nome veio dos meus longos dedos tocando errado o teclado.


Aprendemos e crescemos com nossos erros.



Tapa de amor não dói

Não sei o que mudou. A força na qual nos amamos é outra, mais forte, mas agora machuca. Quantas vezes evitei sua presença, não quis ouvir seus escândalos que me irritavam e traziam a tona minha paixão pela violência. Porque sempre mantive em segredo essa paixão, que aflorou e dominou a nossa.

Ela foi embora, fiquei sabendo que encontrou um novo amor, “de verdade”, como ela diz. Não entendo onde estava a linha que separava carinho de tapa, puxão de cabelo de cafuné, “eu te amo” de “sua vaca burra”. O que eu sei é que ela gostava. Ô se gostava quando eu a chamava de minha cachorra, minha puta. Ela gemia e até pedia mais. Até os nomes carinhosos do sexo irem parar no meio do supermercado, na fila do banco, no barzinho com as suas amigas. Até a violência que cultivávamos com tanto esmero ir parar na mesa de jantar, na sala, de volta na nossa cama, mas dessa vez cheia de ódio, mágoas, corações feridos, olhos roxos e hematomas. “Ela caiu da escada. Vive se machucando, essa desastrada”.

Ela mereceu, é só o que posso dizer. Nada posso fazer se sou mais forte e ela me provocava. Vaca. Vadia. Viada. Às vezes brincávamos de lutinha, às vezes eu acertava sem querer seu narizinho. Me arrependia de chegar a lacrimejar os olhos por ver o meu amor ferido. Às vezes brincávamos de lutinha, quando você colocava aquele vestidinho roxo, que antes era sexy, e tornou-se vulgar, deixando tudo a mostra. Ela bem gostava de um monte de homem olhando suas carnes, admirando a mercadoria que adorariam consumir. E quem disse que nunca me traiu? Pra ela aprender o lugar dela.

Nunca quis machucar, apenas fazer sentir o que sinto quando me magoa. Eu só me preocupava quando voltava sozinha a noite, quando saia para dançar com suas amigas ou quando algum “amigo” aparecia – convenhamos, homem não é confiável, amigo de mulher é viado, porra!

A bebida é culpa dela. Eu ter perdido o emprego é culpa dela. Eu ter me envolvido com outra mulher e passado HPV pra ela, é culpa dela! Porque eu sempre fiz de tudo por essa vagabunda. Tapa de amor não dói, ela mesma dizia. TAPA DE AMOR NÃO DÓI,

gritou sozinho com as mãos formigando, machucadas de tanto bater no nada, acertando tudo. Não havia ninguém para ganhar seus carinhos. Manteve a postura diante dos outros. Logo encontraria outra que acreditaria em seus tapas de amor.

- Tapa de amor não dói, sua mentirosa.

Resposta a Tapas.

xxx

Para o 4º aniversário do nosso filho, Wonderlando, resolvemos escolher um texto e respondê-lo como se fôssemos a pessoa para qual o texto foi escrito. O resultado foi isso. Eu sempre crio uma imagem ou ilustração legal, mas dessa vez estou sem um computador decente, então é isso que temos pra hoje. =)

Amargo Deletério

Decidimos nos encontrar depois de muito tempo. Ninguém nunca se vê depois que se separa, só quando estão seguros com outras novas metades. Por isso ele quis me ver, estava casado, era uma desculpa para ele não cair em tentação e me agarrar. Eu decidi fugir à regra e marquei de vê-lo logo depois de me separar (eu sempre me separo) de um dos meus tantos amores. Eu amo todo mundo, meu amor é banal. Mas ele foi o único que não me amou de volta. Por isso nos separamos. E, engraçado, ele, como todo homem, começou a me amar depois do fim.

Eu imaginei que nosso encontro seria selvagem. Eu ia tentar seduzi-lo com aquela sutileza que só nós mulheres temos, um seduzir sem se dar conta que está seduzindo, mas com todas as segundas, terceiras e quartas intenções de seduzir. Ele era fácil, todos são fáceis. Ou eu que sou boa demais nisso. Mesmo ele casado, isso não iria impedir. Eu tinha um poder soberano sobre ele, pois descobri suas mais íntimas fantasias e gostava de torná-las realidade. Não gosto de fantasias, por isso tento meu máximo para realizar os sonhos. Deste modo, tudo vira o real. E, assim, domino todos os homens. Mas ele... ah, dele eu pedia mais. Por isso deu errado... eu pedi amor.

Cheguei em meus pedestais de desejada e quebrei a cara. Ele me viu como eu era: uma baixinha magrela, com cara de menina e não de mulher. Percebi, pois me olhou diferente. Ainda vi tesão e desejo por me ter de novo, mas não por amor. Acho que por vingança.

Conversamos trivialidades e o tempo passou, sem nada do que queríamos acontecer. Imaginei que na hora da despedida, ele iria me pegar de jeito, como sempre fez, e não nos soltaríamos até as roupas estarem no chão. Ou melhor, sido recolocadas. Abracei-o uma vez e nada. Abracei-o de novo. Na terceira vez, puxou-me para bem perto, então sussurrei “Já faz tempo. É estranho”. Não sei porque disse isso, foi tão sincero, queria ter dito algo avassalador, mas fui muito mais eu-sincera-honesta-saudosa.

Senti como se um veneno circulasse por mim e desisti de tudo, de fazê-lo desejar-me por egoísmo, por orgulho, o que eu estava fazendo afinal, destruindo um casamento?

- Ai, deixa eu ir porque tô ficando sem graça – eu disse, perturbada.
- Tarde demais. Sem graça.

Ele devolveu meu veneno. Fui-me para sempre.

Resposta a Doce Deletério

***

Wonder, 4 anos e contando, esperando, amando, desejando...

9 de fevereiro de 2010

9 do dois do dez / ou / Estou sem títulos na minha caixinha mágica de títulos.

Essa é pra você que me acompanha diariamente. Noturnamente melhor dizendo.

Acendo um cigarro, pego o violão e vou até a varanda. Um rap dos anos 90 toca ao fundo, deixo por enquanto. Enquanto queimo a nicotina, sonho com os desenhos da fumaça, imagino estar vendo o futuro, mas ele é triste, então corro pro passado. Não foi uma boa ideia também, melhor ficar aqui, pelo menos aqui eu controlo minha depressão. Nada está bom, só você que me acompanha por essas noites. Hoje, em especial. Hoje você está fantástica.

Ninguém na rua, movimento só do vento quente, observo as sombras das rabiolas sibilando gigantescas sobre as casas. Os desenhos das plantas na parede são engraçados. No asfalto, aquele enorme buraco e um pedaço de isopor esquecido pelo lixeiro. Só ele, tão sozinho. Desço correndo à sua captura, de cueca, no meio da rua vazia, o acaricio e o carrego pra casa. Aqui ele tem abrigo, não estamos mais sozinhos.

Allan me diz esta noite que podemos morrer a qualquer hora. Fico pensando nisso, e se eu morresse agora? Ia ser uma bosta. Ao mesmo tempo, alívio. Minha rua amarela não liga pra mim, fico às sombras do mercúrio. A música acabou. Meu cigarro também. Allan nunca esteve aqui esta noite.

Acendo outro cigarro na brasa do primeiro, lembrei dela, que odiava quando eu fazia isso. E eu sempre fiz mesmo assim. Penso na Alice também, em todas nossas conversas recentes. Não tiro conclusão nenhuma, só devaneio entre o pensar. Olho pro céu, as três Marias...

Pego o violão, uma ou outra nota melosa. Não quero me sentir assim, culpo o violão - desgraçado. Mas sinto que estou morrendo. Eu realmente posso sentir, agora que estou mais sensível. “Você é uma pessoa que faz as outras experimentarem o pecado, Yuri”. Ela nunca me chama de Yuri. Diz também que não tem orgulho de mim. Ótimo, um pecado a menos que a alivio.

O hálito de nicotina me faz lembrar outra menina, que me faz lembrar cinema, que me faz lembrar que queria ser um filme, pra quem sabe ser assistido e aí sim, morrer tranquilo. A gente só existe quando nossa morte existe. E só damos valor à vida quando a perdemos.

Tudo está comigo esta noite, menos o sono. Eu estou tão cansado. Queria descansar de todos vocês.













[suspiro] mais um texto ruim sobre nada. mas que merda.



8 de fevereiro de 2010

Rotos




Pegou em minha mão e conduziu ao que seria o finito. Eu confiei nas doces palavras de seus belos lábios, depositei minha devoção e inspiração em ti. Confiei na tradução de seus gestos, e como gosto. Gosto mesmo de você.


Seu abraço espinhoso maltrata, mas preciso dele. Houve um tempo em que não tinha braços, e incontáveis dedos vinham ao meu encontro acompanhado de mão, antebraço, bíceps e todo o sentimento puro que cabe nisso tudo. Hoje cá estou com meus braços longos jogados ao ar mendigando o pouco abraço cansado que me sobrara.

Vazio, há um espaço entre nós que dói. Há uma fortaleza sobre sua pele, sobre a minha, seu coração e o meu, de papel, que eu mesmo fiz pra ver se enganava o vazio. Mas estragou.

Partidos. Não o de Pedro porque não o conheço tampouco assiste ao filme. Gostaria ter sido, para eu ser sui. Em seus braços, dela, que choverá em minha pele fria e pálida de lagartixa. Conduz-me à proteção, porque maltrata o coração quando abraça e afunda a faca.







imagem: Hermel Orozco.

5 de fevereiro de 2010

Gotas

Uma gota bem no meio do meu óculos. Corta a vista e me avisa que está na hora de correr ou de me molhar. Fico à espera de outras gotas, mas também quero correr, pra quê escolher se posso ter? Outras gotas me provocam. Dobro a calça na esperança de não molhá-la. Respiro fundo no meio do caos formado na cidade, fecho os olhos, sinto aquele cheiro de chuva no asfalto quente. Minha boca enche de água. Meu cabelo, meus olhos, meu rosto inteiro.

Divago olhando para cima. Quando o céu acinzenta, imagino que eu estou vendo tudo em preto-e-branco. Combina tanto com a cor do asfalto, dos carros, do concreto dos prédios. Combina com a nossa cara estúpida de cidade grande. Deixo as gotas caírem, mergulho em cada uma delas e me multiplico. Quantos Yuris cabem numa chuva?

Divago desviando poças, formando labirinto pelo caminho. Eu vejo meu reflexo no espelho d’água e me impressiono com o monstro do outro lado do portal. Intrigante. Tento entrar, mas despedaço em realidade. Afim de descobrir quantas chuvas cabem em mim, eu corro. Afim de... Sair daqui, fugir de mim, deixar só a chuva molhar. Quem sabe até escorrer, secar, evaporar com ela.

Chuto involuntariamente a água que invade meu pé quente. Vou desesperado para qualquer lado. Os guarda-chuvas dançam à minha volta, as pessoas são os obstáculos que tenho que enfrentar nessa jornada sem destino. Desesperado, sinto o sal na minha boca. Água salgada não vem do céu, mas também molha o rosto, mistura com o suor, com a saliva, com o papel.

Os céus choram por mim, para mim. Pesa meu corpo, mas meu punho se arma contra a tempestade brigando contra as gotas. Lá estava eu, mais uma vez, lá, sem saber onde eu estava.