Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.

27 de junho de 2008

Claudia

Todo dia quando vou mijar, logo quando acordo, elas estão lá, olhando para mim. Fico imaginando o que ficam pensando... Todo dia ficam lá me esperando no banheiro, não importa a hora. Tentam puxar assunto, mas tudo parece tão vago, o sorriso parece tão infeliz. Será que não percebem que estão invadindo a minha privacidade? Devem querer perdigotos de urina na bela maquiagem.


Loira, morena, japonesa, olhos claros, cabelo crespo, não importa... Elas me olham sempre com os mesmos olhos apáticos e imagem posada me prometendo libido e segredos de sexo. De mês em mês é uma, dizendo sempre a mesma coisa, querendo me vender sempre as mesmas futilidades. Externamente encantadoras, carregam o mesmo nome... Um dia mijo nelas todas.

...or Death & All His Friends

Os dias doem ao não te perceber mais. Ontem estava tudo bem, rimos até. Dias que se tornam meses, que somam anos, que esmaecem e embaralham as lembranças. Juntamos sua vida espalhada pela casa, enfeitamos algumas paredes com sua essência, deixando todas as alegrias em memórias e sorrisos que amarelam junto às fotos.

Quando a Morte nos surpreende pela única vez (ou TODAS as vezes), voltamos a ser crianças inocentes sem nada entender. O que perdemos, esperamos ansiosamente pela volta... Como se fosse voltar. Seu rosto ou seu cheiro não parecem tão claros até que vez ou outra me assusto como sinto você aqui, do meu lado. Tem coisa que é maior que a gente e o único conformismo é acreditar que aconteceu porque teve que acontecer. Não é castigo, mas dói demais.

Acreditar que te fiz feliz e ter a certeza de que fui feliz ao seu lado. Aquela despedida que não aconteceu na única promessa que você não cumpriu: a de que você voltaria pra casa para me ver crescer. Você não voltou e eu não sei se cresci. A culpa não foi sua, eu sei, mas algo maior que eu continua te esperando...

26 de junho de 2008

Allan Psychedelic Breakfest [parte 2]

Eu não tomava café até ele aparecer. Talvez fosse a única coisa que nos unia, manter um relacionamento com Allan era uma linha muito fina e sensível. Sempre falo que nossa amizade é um fio de cabelo, ele sempre fica puto com essa afirmação e sai gritando uma onda de pressão "cábelO, caBÊlo, CABELÔ" até ensurdecer meus martelos, bigornas, estibos, tímpanos.

Um dia entrei e tinham sete Claudias¹ -- mulheres gatas, de todos os tipos, nuas. Pensei "caramba, aqui tá tão cheio de vida. Só aqui tem umas - faço as contas olhando pra cima como quem tenta enxergar o próprio cérebro - quarenta e nove!" Alguém viu o Allan? Ele estava dentro de uma delas rindo que se acabava.

Teve uma vez que nos envolvemos com _____. Allan sempre me dizia "Vai, descarrega todo o pente, vai, mata toda essa gente!" Fiz, mas não porque ele mandava, mas porque era o certo a fazer. O ódio tá na mente, ele só instigava. Ninguém morre inocente - esse era nosso lema. "Eu fui atingido! Rápido, Allan, chama alguém, fazalgumacoisa!!!"

Era só vídeo-game, essas coisas mexem mesmo com a gente.
Voltamos ao café-da-manhã, tinha geléia de morango por toda parte...



¹. Vocês não sabem quem é a Claudia né?! Amanhã.

24 de junho de 2008

O Que Envelhece

[Hoje acordei preto-e-branco e revivi lembranças não-vividas. Até Woodstock colorir o mundo, muita coisa ainda estava por vir.]

O que envelhece é o ônibus lotado, a correria do povo apressado e a poluição. O ar que gasta tudo, que nos murcha e enruga. Plásticas e cosméticos para enganar o tempo. Não há fuga, pois não se engana o coração. Deveríamos ter uma plástica interna, aí sim seria a favor.

Memória que liquifica os olhos, de um passado ilusório, de que tudo era melhor.

Se pensarmos bem, o passado não há e o futuro não vem. O presente... Presentão hein!

23 de junho de 2008

Cada Pesar

Cada passo meu empurra a Terra
Um pouco mais distante
Para evitar a guerra
Olhe meu semblante
Cada passo erra
As últimas palavras
De uma vida que se encerra

Qualquer veneno que me coloque para dormir
Eu não sinto a diferença
Os lábios servem para mentir
Eu não creio em minha crença
Um passo a mais para morrer daqui
O inferno será minha recompensa

Cada passo meu para qualquer lugar
Cada passo de cansaço para que eu possa descansar
Vou embora cada dia um pouco
Morri antes mesmo do meu corpo
Cada lágrima que a solidão pesar



13 de junho de 2008

1º Capítulo

Começou com uma manchinha. Acordei e vi aquela coisinha ali, bem no meio do meu peito. - Deve ser pernilongo ou alergia -mas não coçava. Um dia olhei pra baixo e vi sangue na minha camiseta branca. - Bonita estampa. - Estampa(?), não, peraí... Quê?

Coçava sem parar. Aquele botão avermelhado coçava e eu coçava sem parar. Um dia acordei com minhas mãos todas sujas de sangue. A ferida estava maior, e eu me diminuía cada vez mais. Não era aids, dengue, sarampo, psoríase, nevos... Não era "nada", e quando não é "nada" é mais preocupante.

Com as unhas e roupas sempre manchadas, comecei a divagar em templos e hospitais, religiões e ciências, tribos e crenças, verdades e mentiras. Nada nem ninguém soube dizer o que é.


O corpo é a ponte entre a Natureza e o Espírito. A Mãe e o Pai. Eu não queria mais ser órfão. Os índios acreditam que nenhuma morte é natural, e sim, um assassinato, e que eu iria morrer porque eu estava causando aquilo - meu próprio assassinato.

11 de junho de 2008

Haller

Eu nunca tive um diário nem nunca tive a pretensão de ter. Confesso que fazia dos meus cadernos escolares minhas páginas secretas, como extensão de meus pensamentos - até hoje o faço. Lá estavam meus segredos em relação ao mundo e que não dizia por não querer ser rejeitado. Eu era muito novo naquela época, mas acabei crescendo e rejeitando a todos primeiro.


Com um cheiro amarelo velho de sebo, lá estava, me aguardando. Sem uma capa que chamasse atenção e com as páginas frágeis, lá estava. Duzentas e poucas páginas sobre mim. Meu diário à venda. Você já encontrou o seu verdadeiro eu, aquele que você não mostra à ninguém, numa prateleira à venda? Assombroso meus caros leitores, assombroso e egocentricamente belo e confortante. Não estou sozinho.

2º Capítulo

Continuação do 3º Capítulo

O pontinho vermelho agora era um mini-vulcão (ou um vulquinho¹). Quanto mais dava atenção àquilo, mais crescia e me desafiava. Meu corpo avisava que estava cansado de tanto procurar ajuda, e a voz na minha cabeça me dizia "Você perdeu, amiguinho. Já era, finitto". Hm, deveria ter ouvido a vozinha metida à italiana.

Aquilo doía, quanto mais eu coçava, mais eu cavava. Pus e sangue fazia da cova em meu peito uma sepultura aberta ao sol. Fedia, claro. Não dava mais para esconder o "machucado". Nós causamos nossas próprias doenças. A minha foi tão bem feita que remédio nenhum ajudava, nem reza, nem macumba, nem nada.

Os ossos doíam a cada respirar. E pude sentir os doze pares de costelas inflamados, o esterno agora estava exposto. Chorava de dor, respirar nunca doeu tanto. Às vezes desmaiava e desejava entrar em coma, sonhar outras dores e quando acordasse nada daquilo estaria acontecendo. Sempre acordava, talvez não desejasse com tanta força assim, nunca tive muita perspectiva mesmo...





¹. Vulquinho porque não concordo na contradição de algo ser –ão ao mesmo tempo que é –inho – vulcãozinho(?), vai entender.

9 de junho de 2008

Minutos Eternos na Estrada Dourada

- Alice?
Liceeeeeee...?


Não obtive respostas. Ela nunca havia deixado de me responder antes. Por mais longe que estivéssemos. Nunca ficamos tanto tempo sem nos encontrar, sem a gente. O Wonder é vivo e sente sua ausência. Caminhei por entre árvores, e no meio de frutos e flores, o Gato.


- Olá meu amigo, quanto tempo não?
- Talvez para você, para mim, não.
- Diga-me, tem visto a Alice por aí?
- Te vejo muito perdido ultimamente...
- Sim, mas e a Alice? Sabe, aqui é tudo muito bonito e maravilhoso, msa também há seus riscos. Riscos sem volta.
- Diz isso pra mim? Não sou eu quem está perdido.
- Ela está perdida? Diga-me aonde ela está por favor!
- Se eu soubesse ela já não estaria mais perdida, concorda? E quem disse que foi ELA que se perdeu?


Saí desapontado, jamais conseguiria arrancar algo do Gato. Gatos só fazem o que bem entendem, só são achados quando querem e não fazem nada se não for em troca de alguma coisa. Na despedida, ele me disse pra sair da floresta.


Segui seu conselho, afinal, gatos são astutos. E eu ainda não sei quem eu sou, e se fosse o Coelho? Estaria perdido em suas entranhas. No caminho de tijolos amarelos, saí procurando a Alice embaixo de pedras, atravessei portais, tomei poções, vi a floresta em chamas. O Gato sobrevoava os céus como um Iomys¹ gigante tingindo o céu com uma sombra roxa degradê, fazendo chover uma chuva púrpura tão leve quanto flocos de neve. Tudo seria doce se a encontrasse.


Gritei seu nome mais algumas vezes. Ecos me respondiam em sinal de solidão. Nada é mais solitário que conversar com sua própria voz. Ela volta sem novidades, sem respostas. Eu xingava e ela me xingava de volta. Eu gritava "Alice", mas só eu me respondia. Estava chamando nos lugares errados. Mas onde ela está, eu não consigo entrar.


Alice, você pode ouvir? Aonde está você? O que você precisa pra sair? Eu posso ser o Coelho, eu posso ser o Senhor do Tempo, esqueceu?! Aproxime-se que eu congelo as horas pra te ter em meus braços. Nos minutos eternos de nossa solidão.








¹. Espécie de esquilo voador natural da Malásia e Indonésia.

3º Capítulo

Peguei meu coração em minhas mãos TUM DUM Minha sentença pulsante e rítmica me fazia dançar conforme sua música TUM DUM Não há muito tempo TUM DUM É isso? Morrerei sem saber? “Nós sempre sabemos” TUM DUM Meu eu mais sincero e involuntário prestes a padecer TUM DUM Nós sempre sabemos TUM DUM Ria sem parar, sabendo sem saber TUM DUM O estranho da Morte é termos medo até ela chegar, mas ela nos abraça de uma forma que a vida nunca o fez. TUM DUM Daí é tão confortável... TUM DUM... Desistir parece valer a pena... TUM DUM ... TUM... DUM... TUM... DUM... TUM.

5 de junho de 2008

Confraria da Sedutora

O conta-gotas é a ampulheta. O estômago é areia. Pinto e punheta, pau e boceta. Nas mãos a arma branca em posição de ataque, entrando, gritando... Enchendo o reto de carne podre. Deixem que se explodam as veias e as véias. As novas só bebem o leite condensado. Deixe que a porra enxurre tudo. Lava a alma e faz bem pra pele.

A ponta da agulha é bússola, escolhe seu caminho e segue com a determinação de um mosquito faminto em busca de sangue. Ela tem vida própria, sabia? E a partir do momento que você a conhece, a sua vida própria se torna dela. Você precisa dela, mas ela não precisa de você. E te injeta todo o prazer, te fazendo esquecer algo que nem lembro mais...

...
...
...
...
...
...
...
...

Eu suei um suor que não é meu. Era seu, que saia de meus poros sem olhar pra trás, acenar ou ao menos dizer adeus. Só pra me lembrar que já morreu. E meu corpo todo saía junto ao gozo, meu corpo todo já não tinha mais motivos. Era seu.

Se aproveita, me rasga, me deita. O pau é conta-gota. Envenena. Envenena porque já me tens. Eu desacredito de tudo. Se aproveita de minha situação indefesa. Me tens no meio de suas teias de esperma. Eu mordi a isca, agora me pica. Pica pica porque sei que também me deseja. Ao mesmo tempo que estupra, ama!

1 de junho de 2008

Alan's Psychedelic Breakfast

Ontem a noite acordei quando alguém apertou minha mão. Era minha outra mão¹. Acordado e sem conseguir dormir, resolvi caminhar um pouco. De telhado em telhado percebi as casa. Eu cresci bastante nos últimos anos, os muros também. Logo, deduzi que sou um muro e passei quase um dia inteiro parado em transe até que me encontrassem e me arrancassem os tijolos. Ainda bem que não estou em Berlim.

Ontem a noite acordei quando alguém apertou minha mão. Era minha outra mão. - O que está fazendo, quer me matar? Que susto! - Analisei o cômodo escuro, meus olhos perceberam tudo. "Alaaaan, o café tá pronto!", que voz é essa? Eu moro sozinho, e não moro aqui. Eu não moro. Desci as escadas, uma moça que parece ter vindo dos anos 50 estava me aguardando, nua e sorrindo com um copo de leite na mão. - Oi, quem é vo... - ela joga o copo pra cima e deixa quebrar em seu busto, fazendo escorrer todo o leite e um pouco de sangue pelo seu corpo. "Vem, bebe, eu sei que você gosta assim".

Eu acordei odiando hoje com vontade de odiar amanhã. E não fazer nada a respeito, amanhã eu faço. Mas o amanhã de hoje não é o hoje de ontem? Caminhei até um lago próximo à casa. A moça pin-up veio correndo e pulou aflita no lago gritando e questionando por quê eu não fiz nada. Lembrei que não sabia nadar, nem ela, e talvez tenha pulado propositalmente por isso. Era seu reflexo, então se afogou na própria imagem. Voltei para a cozinha e bebi o leite misturado com esperma e sangue do chão. Assim começou meu café da manhã.

("Oh..uh..me flakes… scrambled eggs, bacon, sausages, toast, coffee marmelade..I like marmelade… pourridge..any cereal, I like all cereals…oh god…")²






¹. Frase original de William S. Burroughs no livro Almoço Nu. Genial.
². Auto-explicativo. Não entendeu, joga no Google.