Foi só quando eu acendi um banza que eu percebi que estava na frente da casa de um amigo de infância. E que tinha crescido ali. Um amigo que eu não via há pelo menos treze anos. A polícia passou por mim e o giroflex girava em câmera lenta. Percebi que tudo estava em câmera lenta. E que ali estava minha infância. Mas agora os muros não eram mais tão grandes assim, as casas mudaram as cores, as famílias, as rugas. Eu aprendi a ler pixação e fiquei pesado demais para aqueles galhos de amora. Para qualquer árvore. Para qualquer um. Pesado demais.
A última vez que eu pisei naquela rua não tinha nem pelo, um girino, um menino lobo. Agora tenho pelos em lugares desnecessários e não sei mais se ainda sou menino... Se só o que sobrou para ser foi lobo. O que sobrou para ser além do que sou, além da matéria. Vermelha sombra vermelha sombra vermelha sombra – o quê? A luz.
A polícia passou e nem percebeu a minha pala. Ou não quis perceber. Ou viu meus olhos mareados e não saberia resolver. Preferiu fugir a ter que me encarar. Encarar minha torrente de pensamentos e lágrimas de um olhar fosco de sonhador cansado. Sonhador cheio de insônia.
Não terminei o cigarro, nunca soube se meu amigo ainda morava ali – ou se ainda era o meu amigo. Não teve geral da polícia. Não cresci, tampouco sou menino ou lobo. Desisti de ser ou pular qualquer muro que me prendia e só continuei andando sem pontos para ligar. Sem.
Não teve espera. Teve passo. Para longe do meu passado, para onde eu não existo e sou feliz. Sou feliz nos momentos em que eu não existo. Quando os vejo sorrir sem mim. Capturados em fotos com alma, como quem tem muito a perder. Eu não tenho nada a perder, por isso sou perigoso. Mas me sinto maior. Maior que o ar. Minha mãe se contenta e sente saudade do que eu não fui e se recorda do que não vivemos. E nos encontramos quando não somos. Porque temos tanto e quase nada.
A mulher evita meu beijo no sexo, pra sonhar com outro sexo. Goza em silêncio pra não me acordar, sem perceber que ali sou eu. Alguém que não. Talvez eu é quem não tenha percebido que ali eu não existo. E minha matéria é fruto da imaginação de alguém. Um sonho triste. Que nunca.