Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).

Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.

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2 de novembro de 2011

Tudo no pretérito imperfeito que tiveram




Por querer apagou a última luz.
- Eu só quero te ver, acostumar os olhos no escuro -, jogou as palavras desordenadas mas conexas. Dando a ideia, aquela ideia, de que ela não saia da sua cabeça.
– Na cabeça não. Coração. A corrigiu quando ainda era só a voz, enxergando com as mãos.

É no passado que se conjugam os verbos de amor. E amaram, cada qual com seu peso, medida e ideal de algo que talvez nem exista. Algo que talvez a gente pensa que, até sentir mais forte e rir daquilo que um dia fora quando um novo acorda. A corda, que amarra, enforca. Faz tirar os pés do chão, torna vulnerável, palpita o peito, faz desejar a morte. Ou a vida plena!

Lembrou que tinha um coração, que não havia enterrado como as outras lembranças. Foram. Eram dois na tentativa de equilibrar aquilo que os faltaram como um. Mas somente se equilibra o dois quando este se torna único, uno em sua totalidade, ou três: positivo, negativo e neutro.
- Do que você está falando?
- De equilíbrio, me deixa. E deixou. Pouco tempo depois, sem tempo para despedidas, sem avisos prévios, sem discussão ou paliativos para a raiva ou esperança. Aquele “eu te odeio” não deu tempo. Só doeu. Sem ódio, sem texto, sem o último olhar...  Deitava com suas peças de roupas para chorar até o cheiro dela acabar. Até o nariz afundar e não encontrar.
– Até quando? O largou menos na esperança de um até mais. Mas esse mais, jamais.  

Ela nunca o amou no presente. “Te amei”, repetia, porque ontem era certeza, era perfeito quando lembrava o sentimento e fazia assim o verbo. “Te amei” quando se despediam porque podia ser a última vez, ela brincava. Ele sempre sério, às vezes sem entender a conjugação dos tempos e a importância das lembranças e das palavras.
- É presente! Se entregava embrulhado num papel estampado.
- Então, já que você é m’eu amo’, conjugava, vai fazer o que eu mandar. Ria e brincava e eram. Porque também foram quando ela dizia “te amei” no pretérito e ele enfurecia em dúvidas e escárnios.

Quando deixava as flores como sempre fazia há alguns meses, relia sempre em voz alta, só pra ele, o “te amava”. Aquilo poderia soar frieza, mas suava emoção. Nunca a perdoara pela traição do abandono repentino, mesmo sem culpados, foi o necessário para mantê-lo são. Transformar a perfeição do passado em amor imperfeito pra tentar esquecer... Pelo menos no verbo. Mesmo sem saber o que é direito amor, se é perfeito, e quem definiu isso. Mesmo ela sendo a “garota atemporal”, como ele dizia, que não vivia o agora, só o antes e o que ainda não veio.

Tudo no pretérito imperfeito que tiveram, que ainda está lá, mas que não dá mais pra ser agora, só quando chegava em casa, apagava a última luz para acostumar os olhos no escuro, para vê-la e tê-la mais um pouco, cada vez menos, sem saber até quando.