Sejam bem-vindos ao outro lado do espelho, onde tudo pode acontecer (e acontece).
Wonderlando é um blog sobre textos diversos, descobrimentos e crescimento. A filosofia gira em torno do acaso, misturando fantasia e realidade de dois amigos que se conheceram também por acaso, Alice - que tem um país só seu -, e Yuri - chapeleiro e maluco nas horas vagas.
Leia, comente e volte sempre... Ou faça como a gente e não saia nunca mais.
17 de abril de 2009
Lourenço
- Você gosta do meu pai?
- Não sei. Gosto do trabalho dele.
Seguimos até o prédio. Chego à porta do apartamento e dou risada. O número não poderia ser outro: 21. Há um tempo atrás, fiquei tão obcecado pelo número 21 que tive que fazer terapia só para me desapegar e deixar de acreditar na conspiração do universo por conta do 21. Todo esse tempo foi em vão quando me deparei com aquele 21 sujo na porta.
“Senta aí que eu vou passar um café e a gente conversa”. Essa foi a primeira coisa que ele me disse após eu apertar a sua mão, a ferramenta que traduz em desenho e escrita toda a filosofia de seus pensamentos. E a partir desse momento eu me senti parte de um de seus quadrinhos. Eu já conhecia sua rotina, sua casa, sua família através das histórias, mas agora eu estava dentro delas, eu estava fazendo parte delas, e isso parecia mais surreal que qualquer coisa que eu já tinha imaginado.
Não estava ali como jornalista, muito menos como fã ou o super amigo. Pelo menos não era essa a minha intenção. E foram esses cuidados que guiaram nosso papo, sem perguntas jornalísticas e sem tietagem, tenho asco deste último. Queria estar ali como um igual, e foi exatamente como nos tratamos. Claro que eu o admiro e o conheço muito mais do que ele a mim, mas enfim, fomos nós mesmos, naturalmente.
Minha tensão foi passando conforme conversávamos e fui relaxando mais no sofá. Ele assou umas batatas smiley e quando peguei uma, imaginei minha cabeça uma batata smiley, no estilo da bolacha Trakinas. Era como eu estava ali naquele momento, e a batata era um espelho refletindo minha cara! Assistimos Simpsons e ouvi sua risada pela primeira vez. Ele ri. Então eu rio, não pelo episódio que eu já vi pela centésima vez, mas por estar feliz ali.
Três garrafas de café se passaram. Ele já devia estar no quarto cigarro, quis pedir um, mas recuei. Ficamos em silêncio, observando os incontáveis gatos. No começo me incomodou, depois eu achei o máximo aquele silêncio e deixei acontecer por um bom tempo. Tanta coisa quis saber, mas não perguntei, decidi que as coisas iriam acontecer se merecesse outro encontro, e se ele merecesse outro encontro também. E merece.
Estive de fronte com quem impediu meu assassinato. Lá estava ele, o quarentão sem autoestima, franzino e careca, que me trouxe de volta a esperança. Conforme nossas conversas, eu percebi que temos muito mais em comum do que eu podia imaginar. E ele pareceu muito sincero quando conversamos. Sincero e muitas vezes triste, pensativo. Então também fiquei. Perguntei muitas coisas sobre seu passado – meu futuro. Não tive medo. Ele disse que da onde eu estou em diante, nada vai mudar. “Que merda”, pensei alto. Ele concordou. Ali naquela cozinha eu acreditei em destino por ter a oportunidade de assistir o meu futuro em outra pessoa. Morri um pouco ali no banquinho, no meio dos gatos, no meio das smiley, no gole do café frio, na frente dele. Mas estávamos no mesmo nível.
Concordamos e discordamos. Ainda bem que temos nossas diferenças, mas fiquei pensando realmente se aquele cara ali sentado era mesmo Mutarelli ou um de seus personagens. Na verdade fiquei pensando se ele estava me imitando para me agradar, ou se pensou o mesmo de mim. Combinamos de jogar GTA IV na próxima vez - se ela existir, mas não vale matar mendigos nem por fogo no hospital.
- E aí, gostou do meu pai?
- Claro, ele é legal. Teu pai é legal, Chico.
*Dedicado à Lourenço Mutarelli, pessoa na qual eu admiro e respeito muito e que tem muita importância pra mim. Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente ontem e foi a tarde mais incrível da minha vida! prontofalei.
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5 comentários:
ahhh que muito foda!
a situação e o texto.
achei tocante e, de fato, uma experiência única pelo o que ele representa.
=*
Cara, de verdade, o texto ficou muito bom! Mas com certeza nem metade do que a sensação de felicidad que ele transmite.
=]
Quero saber mais, ver seus olhinhos brilhando enquanto conta tudo isso. incrível!
Muito bom, meu!
O texto ficou extremamente vigoroso
Você foi um dos pouquíssimos que teve um tempo ao lado do seu ídolo, no melhor sentido se "um tempo" e de "ídolo". É para se empolgar mesmo.
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